Com diversas evidências e apelos civis e internacionais contra o projeto de lei que aumenta o uso de agrotóxicos na agricultura, no começo desta semana senadores votaram a favor da aprovação da PL do Veneno
Nem a mobilização da sociedade civil, nem o relatório do auditor da Organização das Nações Unidas (ONU), conseguiram segurar a aprovação do relatório do PL 1459/2022, o Pacote do Veneno, nesta segunda-feira (19), em comissão do Senado Federal. Agora, basta uma votação na Casa para a proposta virar lei definitivamente. O que (inclusive) pode acontecer nos próximos dias antes do recesso parlamentar, em 23 de dezembro.
Caso seja aprovado, o PL irá aumentar a quantidade de veneno consumido pelos brasileiros nos alimentos e disperso no meio ambiente, inclusive com acréscimo de novas substâncias que ainda se desconhece a ação tóxica na saúde e no meio ambiente a longo prazo.
Segundo dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação (FAO/ONU), o Brasil é terceiro maior consumidor absoluto de pesticidas do planeta, depois da China e dos EUA. Estados como Mato Grosso, onde o uso dessas substâncias pelo agronegócio é intenso, são líderes nacionais nos casos de câncer infanto-juvenil, as pulverizações são consideradas as principais fontes de contaminação humana e do meio ambiente, segundo a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
No início de dezembro, 150 crianças e adultos da escola Municipal de Educação Básica Silvana de Sinop, a 420 km da capital mato-grossense, passaram mal após serem contaminadas com agrotóxicos. Os estudantes começaram a relatar náuseas, dores de cabeça e feridas no corpo após um produtor rural da cidade executar uma pulverização a menos de 90 metros da escola, onde estudam crianças entre 7 a 12 anos. A propriedade foi multada em R$ 44,178 mil reais. Mas, pesquisadores da Universidade Federal de Mato Grosso alertam que as reações a longo prazo nas crianças podem desencadear problemas crônicos.
Novo governo pede mais tempo
A gravidade do teor do atual texto do PL do Veneno chegou a ser pauta das reuniões dos Grupos de Trabalho do Gabinete de Transição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Os integrantes do GT de Meio Ambiente fizeram um pedido formal para que a tramitação do PL fosse adiada para 2023, uma vez que os senadores Acir Gurgacz (PDT-RO) e Carlos Fávaro (PSD) participam da transição e da base aliada de Lula.
Porém, tudo indica que a pressão da bancada ruralista, maioria no Congresso Nacional, prevaleceu. A pauta é tida como uma das principais demandas do setor, que defende a redução do tempo para liberação de novos agrotóxicos e a retirada dos órgãos técnicos como instâncias de aprovação, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária. (Anvisa) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), como ações “fundamentais” para o bom resultado econômico do agronegócio.
As organizações do terceiro setor que acompanham a tramitação do projeto afirmam que as alterações propostas pelo relator, o senador Acir Gurgacz, não devem surtir nenhum efeito positivo.
“Mesmo com algumas supressões de palavras, não houve alteração significativa no teor geral do texto do PL. A questão das substâncias cancerígenas e dos riscos gerais ao meio ambiente e a saúde seguem no texto, entre outros pontos que tornam o PL muito ruim. O melhor seria esquecer a proposta e construir outra proposição com mais debate com a sociedade e todos os setores impactados”, explica Marina Lacôrte, a porta-voz de Agricultura e Alimentação do Greenpeace Brasil.
Um dos pontos críticos apontados por Marina é o fato de que o PL não considera o princípio da precaução. “Da forma como está o texto, municípios e estados não podem legislar sobre a questão dos agrotóxicos sem estarem ancorados na questão do cientificamente comprovado, o que contraria princípio constitucional da precaução. Esse artigo poderia ter sido retirado totalmente, mas isso não aconteceu, como na grande maioria dos pontos mais negativos”, explica.
Em novembro, Marcos A. Orellana, relator especial da ONU (Organização das Nações Unidas) para tóxicos e direitos humanos, participou de uma audiência pública no Senado Federal sobre o PL. Orellana pediu aos senadores que o texto não fosse aprovado da forma como está, e fosse analisado por outras comissões, como a de meio ambiente, direitos humanos e assuntos sociais.
Tramitação inédita
A falta de debate e urgência na tramitação marcaram o ressurgimento do Projeto Lei 1459/2022 no último ano do governo de Jair Bolsonaro (PL). Após anos parado, em fevereiro o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), o colocou em votação a toque de caixa – vencendo com 301 votos a favor e 150 contra.
No Senado, o PL foi de forma inédita encaminhado apenas para apreciação da Comissão de Agricultura, um espaço dominado pela Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), a chamada bancada ruralista, onde seguiu para aprovação. Nesta segunda-feira, também foi aprovado um parecer para que o PL seja analisado com urgência pelo plenário da Casa. O que pode significar que o Pacote do Veneno possa ser o grande presente de Natal do Senado Federal para os brasileiros.
Fonte: O Eco
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