Em premiação inédita, evento destaca companhias do Polo Industrial de Manaus que mais aportam recursos no Programa Prioritário de Bioeconomia, com contribuição para as cadeias produtivas da floresta amazônica. Food techs estão entre as principais beneficiadas
Por Sérgio Adeodato, de Manaus – Página 22
Do hambúrguer de tucumã ao charme do caviar amazônico à base de ovas de um pescado regional – o tambaqui –, passando pela tecnologia de software para identificação de madeiras e de inovações que reduzem resíduos, novas fronteiras de negócios ganham tração na maior floresta tropical do planeta. O impulso vem de investimentos realizados com pioneirismo por empresas do mundo digital, que olham para além do mercado de celulares e computadores, de modo a se associar a uma economia baseada na biodiversidade, em um cenário de maior integração do Polo Industrial de Manaus à Amazônia.
As tendências desse novo movimento marcarão o 2º Festival de Investimentos de Impacto e Negócios Sustentáveis da Amazônia (Fiinsa), 29 e 30 de novembro, na capital amazonense, com uma novidade: o reconhecimento inédito das dez empresas que mais investiram em bionegócios por meio do Programa Prioritário de Bioeconomia (PPBio). A política pública, executada pela Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), mobiliza o repasse de recursos obrigatórios de Pesquisa & Desenvolvimento (P&D) como contrapartida das empresas pelos benefícios fiscais, principalmente no âmbito da Lei de Informática.
Além dos troféus em homenagem às empresas no topo do ranking com mais de R$ 1 milhão de investimentos no programa, o evento reconhecerá os institutos de ciência e tecnologia (ICTs) que têm se destacado em projetos inovadores aptos a receber esses investimentos via PPBio, com potencial de desenvolver as cadeias produtivas da floresta, resolvendo gargalos e expandindo bionegócios na região, com inclusão social e econômica.
Em 2021, o Polo Industrial de Manaus registrou faturamento recorde de R$ 158,6 bilhões, puxado pela indústria eletroeletrônica. “Para além da melhoria de processos e produtos, a empresa quer estar mais inserida na sociedade, bem como minimizar e compensar impactos ambientais da atividade industrial. E investir na bioeconomia foi uma forma de integrar esses dois objetivos, o ambiental e o social”, afirma Geraldo Peteam, gerente de qualidade da Foxconn Brasil, fabricante taiwanesa de componentes para informática e automóveis, com unidade em Manaus que representa 40% das suas operações no País.
Com R$ 3 milhões de aporte em projetos em andamento ou que se iniciam até o fim do ano por meio do PPBio, os investimentos da empresa olham para o mercado de alimentação de alto valor nutritivo e comercial. É crescente a demanda por bioprodutos funcionais e saudáveis, com mais consumidores dispostos a pagar por isso – o que significa renda para as comunidades fornecedoras do insumo da natureza.
Bioeconomia como estratégia social
“O plano é contribuir para o desenvolvimento sustentável, aproveitando o que a floresta tem de bom para ser valorizada em pé, e ao mesmo tempo manter e fortalecer atividades acadêmicas na região”, pontua Peteam. O exemplo da empresa tem o potencial de replicar no setor de alta tecnologia da Zona Franca de Manaus, com a busca pela bioeconomia como estratégia social, para além de pagar impostos e gerar empregos. “A iniciativa privada pode fazer isso de forma mais eficiente por meio de organizações sérias que ajudam a ampliar os investimentos”, completa o executivo.
Hambúrguer de tucumã e almôndega de açaí
No campo das proteínas vegetais, o portfólio de investimentos da empresa inclui a startup Smart Food, com a novidade do hambúrguer de tucumã – fruto de palmeira nativa bastante apreciado na região. Além dele, o projeto prevê almôndega e linguiça de açaí.
“O objetivo do negócio foi chegar a produtos amazônicos inovadores que valorizassem a nossa cultura e a cadeia regional de suprimentos”, revela o manauara Beto Pinto, à frente da food tech.
Com o produto congelado, sem glúten, lactose e aditivos artificiais, a estratégia é avançar no mercado fora da Amazônia. Para viabilizar a expansão, o novo investimento permitirá passar da produção artesanal para a comercial, prevendo entre cinco e 10 toneladas mensais. “Vamos agora redimensionar o produto e melhorar processos de modo a aumentar a validade para uso”, diz o chefde cozinha formado em alimentação à base de plantas pelo Le Cordon Bleu Austrália.
A maior parte da proteína do produto vem do feijão-manteiga, com uso do tucumã e açaí para conferir cor e sabor especiais, enquanto no mercado vegano a opção tem sido por hambúrgueres de soja com aroma artificial de carne. A inovação atrai recursos e parcerias desde o início da jornada, a exemplo do apoio tecnológico para produção de mudas e reflorestamento de áreas degradadas em comunidades próximas de Manaus, fornecedoras dos frutos. Na visão do empreendedor, “há suporte para o desenvolvimento da Amazônia, mas é preciso estruturar soluções viáveis capazes de chegar as populações locais e fortalecer a sociobiodiversidade por meio da formatação de negócios”.
No rastro do desafio, vem aí a sobremesa de castanha-do-brasil desenvolvida nos laboratórios da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) – o Petitnut, à base de leite vegetal, sem lactose e alto teor de selênio, de propriedade antioxidante.
“Assim, a academia vai além dos muros em benefício de comunidades rurais e ribeirinhas, devolvendo os resultados da informação cientifica colhida nesses lugares”, afirma Ariane Kluczkovski, farmacêutica com doutorado em ciência dos alimentos, fundadora da startup Tocari.
No conceito petit suisse, como o Danoninho, o produto será vendido inicialmente no mercado local de Manaus para supermercados e restaurantes de alto padrão. Com o investimento de P&D da indústria eletrônica, informa a empreendedora, o objetivo é a estruturação fabril e compra de equipamentos para início da produção, planejada em 1 mil unidades por mês – a partir de dezembro, quando começa a safra da castanha.
A estratégia do negócio, incubado na Universidade do Estado do Amazonas (UEA), é obter a matéria-prima prioritariamente de castanhais subutilizados na região de Rio Preto da Eva (AM), polo de produção de banana que agora tem a oportunidade de diversificar na expectativa de renda adicional com a bioeconomia amazônica.
No caso do projeto Inatú, marca coletiva de produtos florestais criada pela parceria do Idesam com associações e cooperativas, os recursos empresariais via PPBio estão contribuindo para estruturar um negócio de impacto socioambiental gerido por comunidades tradicionais em diferentes áreas. “É um modelo inovador envolvendo organizações sociais, com objetivo de superar gargalos comerciais”, atesta André Vianna, diretor técnico do Idesam.
Ao abranger cinco organizações sociais, no total de 837 famílias, a iniciativa tem como carro-chefe os óleos vegetais – como copaíba e breu – vendidos em grandes volumes como matéria-prima para cosméticos. Entre 2020 e 2021, a produção de 80 toneladas rendeu R$ 6,7 milhões. Em paralelo, o produto da marca Inatú é comercializado em frascos, com maior valor agregado, para lojas e consumidores finais. “O objetivo agora, com o novo arranjo de gestão, é otimizar a logística da comercialização, ter maior proximidade dos clientes e alcançar autonomia em relação a recursos de filantropia”, observa Vianna. “As cadeias de produtos amazônicos têm gargalos e peculiaridades que precisam de um olhar diferenciado.”
Gelo caboclo
Entre as empresas homenageadas no Fiinsa pelos investimentos em bioeconomia, a indústria de computadores Positivo, com fábrica na Zona Franca de Manaus, destaca-se pelo aporte de recursos em uma solução que pode resultar em ganhos para quem vive da pesca, no projeto Gelo Caboclo. A iniciativa consiste na tecnologia de conservar o pescado em sistemas de refrigeração por energia solar, em áreas remotas da floresta.
“Não há necessidade de a inovação estar associada ao emprego de tecnologias mais avançadas. Pode ser empregada de forma simples com o que já existe no mercado, fazendo uma diferença significativa ao impactar a vida das pessoas, tornando-a melhor e mais inteligente”, afirma Hersio Massanori Iwamoto, gerente de P&D e projetos incentivados da Positivo Tecnologia.
“Essa iniciativa está alinhada com as nossas ações sociais, principalmente voltadas a fomentar a economia da comunidade no nosso entorno”, comenta.
O plano é construir uma unidade de produção de gelo com sistema de geração de energia limpa de placas fotovoltaicas, além de desenvolver um modelo de negócio para a gestão desse sistema em comunidade ribeirinha da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Rio Negro, no entorno de Manaus. “O projeto representa uma nova etapa na estratégia de fazer com que a produção pesqueira nessa região, centrada no jaraqui e matrinchã, seja mais sustentável e tenha maior agregação de valor”, ressalta Virgilio Viana, superintendente geral da Fundação Amazônia Sustentável, idealizadora da iniciativa contemplada com o investimento empresarial.
Segundo Viana, a instalação de uma usina de 5,5 KW e baterias de freezer permitirá estocar melhor o peixe para vender a um preço maior: “Os valores da matrinchã podem variar entre R$ 20 e R$ 200 a unidade, de uma semana para outra, e a estocagem no gelo pode fazer uma grande diferença”.
Casamento que dá certo
“A união entre tecnologia digital e bioeconomia é um casamento que dá certo, importante para a Amazônia, onde estamos inseridos para desenvolver produtos e processos de ponta”, destaca Bárbara Formoso, integrante do time de novos negócios do Sidia, instituto de tecnologia com cerca de 1,2 mil colaboradores voltados a inovações em inteligência artificial, automação 4.0 e tecnologia 5G, entre outras fronteiras tecnológicas. “Estamos abertos a entrar cada vez mais na bioeconomia”, completa a economista, enfatizando que esse novo campo tem atraído atenção dos desenvolvedores, diante dos desafios para o desenvolvimento sustentável da região.
Entre os quatro projetos de bioeconomia em execução pelo Sidia, homenageado como instituição tecnológica de destaque no acesso a investimentos por meio do PPBio, figura o inovador software de inteligência artificial que faz a identificação botânica de madeiras através de smartphone, em tempo real. A tecnologia permite maior precisão e agilidade no controle e registro das espécies madeireiras que podem ser comercializadas, evitando irregularidades associadas ao desmatamento. Duas startups de Manaus – a Getter e a Fabwork – foram selecionadas para receber a transferência da tecnologia e levá-la ao mercado.
Com investimento total de R$ 36 milhões até o momento, o PPBio contempla 34 projetos concluídos ou em desenvolvimento, em eixos como prospecção da biodiversidade, tecnologias de suporte à produção florestal e negócios de impacto ambiental e social, entre outros. Uma novidade que chega às prateleiras é o “caviar” amazônico, desenvolvido a partir das ovas de peixes regionais. Além de aumentar a renda na floresta, a inovação transforma em produto nobre os resíduos orgânicos descartados no ambiente.
Esse e outros projetos aptos a receber investimento do PPBio estarão presentes no Fiinsa, onde ocorrerão palestras e rodadas de negócio para contato com potenciais investidores, além de encontros com especialistas nacionais e internacionais. A homenagem às empresas investidoras será um dos destaques.
“A iniciativa representa o reconhecimento às empresas do Polo Industrial de Manaus que estão decidindo aumentar sua conexão com a Amazônia a partir de suas obrigações de P&D, cumprindo sua agenda de sustentabilidade com investimentos na bioeconomia para promover a inclusão socioprodutiva e agregação de valor nos bioativos amazônicos”, ressalta Carlos Gabriel Koury, coordenador do programa e diretor de inovação em bioeconomia do Idesam.
Texto publicado originalmente por Página 22
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