Grande parte da vida profissional passei envolvido em negociações e aprendi logo que só tem um esperto na mesa, se tiver um bobo sentado do outro lado
Por Thomaz Nogueira
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“Ao rei tudo, menos a honra”
(Djalma Marinho, citando Calderon de La Barca, ao se recusar ceder a pressão dos militares para processar o então Dep. Marcio Moreira Alves.)
Bolsonaro prometeu ao Governador Wilson Lima que resolveria o imbróglio do IPI e preservaria o Polo Industrial de Manaus. Presentes os representantes das indústrias e os parceiros políticos do Governo Federal. Levou todos no bico. Mas além de não cumprir, diz-se em Brasília que vem coisa pior por ai. Parece que nos 28 anos que passou na Câmara dos Deputados não aprendeu uma lição básica: Acordo fechado é acordo cumprido. Devia estar bocejando.
Essa é uma regra de ouro da atividade política. Vi adversários históricos se digladiarem ferozmente, mas cumprir o que haviam acordado.
Em 1987, uma delegação da Fenafisco se reuniu com o então Presidente do Senado Humberto Lucena .E eu lá. O tema era o Sistema Tributário na nova Constituição, uns pontos acordados que questionávamos e queríamos mudar. Depois de ouvir atentamente, Lucena começou a falar.
Aquela voz que dizem foi a inspiração para o Justo Veríssismo: “Olhem. Aqui vocês tem de conversar e negociar muito, isso aqui é um Zoológico. Tem muita raposa felpuda, tem cobra criada, tem viado, tem umas águias e uns falcões, mas também tem umas antas, umas hienas saudosistas (e foi desfiando um infinidades de animais). Aqui, a gente só não encontra nenhum burro por aqui. Então uma coisa lhes digo, a gente discute, se exalta, argumenta, até xinga. Dá trabalho, mas depois de ajustar concordar, fazer o acordo, todo mundo honra, ou você virá um gambá. Mas tem que ser assim, se não como iria funcionar?” Hoje, de repente, do nada, me lembrei desse episódio.
Já a frase do título do artigo é atribuída a Tancredo Neves, político conhecido por sua extrema habilidade. Bolsonaro e Tancredo pertencem a duas galáxias distintas. Em 1985 a eleição era indireta, via Colégio Eleitoral. A mobilização pelas eleições diretas havia sido derrotada em 25 de abril de 84.
A Ditadura definhava, mas a eleição ainda seria no Colégio Eleitoral, Paulo Maluf era candidato do PDS que tinha a maioria absoluta dos votos no Colégio eleitoral, desenhado para que o Governo Nunca perdesse. Mas Tancredo foi para as ruas e fez campanha como se as eleições fossem diretas, em enormes comícios e Maluf seguia cambalachando os votos do Colégio Eleitoral, se achando. De repente “a voz rouca das ruas” começou a mudar o rumo da prosa.
Conta a História que aí, em dado momento da campanha, Paulo Maluf começou a perceber a força do vento da mudança e vendo suas chances diminuírem tanto, pensou em desistir. Avaliando que a desistência podia gerar instabilidade institucional e dar motivo para uma reação da ala dura do regime semi-moribundo, Tancredo “liberou” alguns deputados para declararem o voto em Maluf, que foi induzido a pensar por um momento ainda ter chances e ficou até o fim. Perdeu, a gente lembra, né? Tancredo teve 72% dos votos, enterrando de vez aquela arena (com perdão do trocadilho barato.)
Grande parte da vida profissional passei envolvido em negociações e aprendi logo que só tem um esperto na mesa, se tiver um bobo sentado do outro lado. Participei de negociações duríssimas, mas na maioria das vezes a gente saia com um entendimento ganha-ganha. No Confaz, onde representei o Amazonas alguns anos, a parada é dura. Uma reunião entre iguais, mas desigual. Sempre lembrava da frase do velho Tancredo.
Subestimar a inteligência alheia nunca deu bons resultados. Sempre fiquei admirado com os deslumbrados que se “achavam”. Em geral se davam mal.
Inteligência e esperteza são moedas distintas. Esperteza é ouro de tolo.
Mas Bolsonaro resolveu apostar na “leseira baré” e tentar engabelar a todos. Além de não cumprir o que acordou quer dar uma de esperto. Me acompanha.
Se o primeiro decreto falava de uma redução linear de 25%, o último mudou a redação, simplesmente estabeleceu novas alíquotas para cada um dos produtos. E o que diabo essa mudança significa?
É que o Amazonas iria ao STF pedir a exclusão da redução da alíquota, dos produtos que tem PPB. Agora, na visão do governo federal, essa fórmula foi esvaziada, não tem como requerer dessa forma. Porque não se fez mais uma redução linear, agora foi estabelecida para cada um dos milhares de produtos fabricados aqui & alhures alíquotas diversas. Não há como falar de redução. Isso é coisa de esperto. Não vai funcionar, há caminhos para chegar ao mesmo destino.
Mas dizem os rumores, a partir da interpretação de um vídeo de Bolsonaro, que vem coisa pior por ai. Agora Bolsonaro faria uma nova redução de 10%, mas preservaria a Zona Franca. Sounds good? Lambança. A ideia é consolidar a perda de 25%, ao tempo que parece está fazendo uma bondade. Esperteza.
São rumores de bastidor, mas fazem sentido. Afinal, eles falaram que queriam reduzir 33% e se fizermos as contas, reduzir primeiro 25% e depois adicionalmente mais 10%, chegaremos a uma redução de 32,5%.
A gravidade da situação não pode ser subestimada, hoje a confusão já está instalada. O dano já foi feito. As empresas não apenas fazem contas do custo, produto a produto, mas analisam o cenário e as prospecções para a tomada da decisão mais difícil.
Não é racional, por mera conveniência política negar o dano óbvio, é irresponsabilidade pública, é suicídio político. Bolsonaro age com a empáfia de Paulo Maluf rumo ao Colégio Eleitoral. Vamos ver o que diz a voz rouca das ruas.
Mas, não podemos esperar, é a vida e o emprego de milhões de pessoas, é a alternativa econômica à devastação da Floresta, é a geração de bilhões em receita pública, é a Universidade do Estado.
O modelo Zona Franca, já decidiu o STF, é um recorte na vida econômica do País, mas é uma decisão do Constituinte Originário que não pode ser alterado pela decisão individual de um governo. É um recorte nascido no Regime Militar que foi reconhecido pela Ordem democrática pelo seu valor estratégico fundamental de ocupação econômica e preservação florestal. Em julgamento anterior o Ministro Fux questionou a efetividade do modelo. Temos de por no texto da ADI, todos os aspectos que fundamentam o valor do modelo. Essa é simples.
Aos quinta-coluna, seria conveniente olhar o exemplo de Djalma Marinho: “Ao rei tudo, menos a honra”.
Fonte: O Primeiro Portal
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