Em audiência com artistas, presidente do Senado defendeu agronegócio, mas disse que projetos não serão colocados para votação sem discussão ampla na Casa
O presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), se comprometeu, nesta quarta-feira (9), a não colocar para votação em Plenário o conjunto de projetos de lei em análise no Congresso Nacional que podem perenizar o quadro atual de retrocessos ambientais, sem que haja uma discussão ampla das propostas nas comissões da Casa.
O conjunto de projetos, chamado de “Pacote da destruição” por artistas e pela sociedade civil organizada, inclui cinco propostas que poderão anistiar a grilagem, extinguir a prática do licenciamento ambiental e aumentar o esbulho sobre as terras indígenas brasileiras (leia mais abaixo).
“Nenhum deles foi objeto, da minha parte, de um açodamento para se colocar no plenário do Senado Federal e assim não será. Nós vamos ter toda cautela para que cada um desses cinco projetos tenha a destinação, o zelo, o cuidado, a tramitação digna e proporcional à importância do que eles representam […]. Nenhum desses projetos será diretamente pautado no plenário do Senado Federal sem a apreciação e tramitação devida no âmbito das comissões permanentes e temáticas da casa”, disse Pacheco.
A declaração foi dada durante audiência realizada na tarde desta quarta-feira com artistas e membros da sociedade civil organizada, como parte do Ato pela Terra, uma mobilização convocada por Caetano Veloso para tentar frear a tramitação de tais projetos no Congresso.
“O país vive hoje sua maior encruzilhada ambiental, desde a redemocratização. O desmatamento na Amazônia saiu do controle, a violência contra indígenas e outros povos tradicionais aumentou e as proteções sociais e ambientais construídas nos 40 anos vem sendo solapadas, nossa credibilidade internacional está arrasada […] Como parte da sociedade civil, os artistas decidiram vir a esta casa para expressar sua desaprovação a estes projetos”, disse Caetano, durante o evento.
A audiência acontece no mesmo dia em que o pedido de urgência feito pelo deputado Ricardo Barros (PP/PR) para que o projeto que libera a mineração em Terras Indígenas possa ser analisado diretamente pelo Plenário da Câmara – sem passar pelas comissões daquela Casa legislativa – conseguiu o número suficiente de adesões. A votação da urgência está prevista para acontecer nos próximos dias.
O Ato pela Terra, que acontece durante toda a tarde e noite de hoje, contou com a adesão de outros cerca de 40 artistas, entre eles Chico Buarque – que participou virtualmente da audiência –, Daniela Mercury, Nando Reis, Lázaro Ramos e Emicida, e mais de 230 organizações da sociedade civil.
Durante a audiência, os artistas entregaram uma carta a Pacheco, na qual afirmam que, se aprovados, os projetocs “imporão prejuízos irreversíveis para o país e o planeta, dificultando o controle do desmatamento, ampliando as violações aos direitos humanos e consolidando a reputação do Brasil como inimigo do clima”. “Isso é inaceitável”, diz o documento.
O pedido é que nenhum dos projetos seja votado até que estejam alinhados com a ciência, com as demandas das populações tradicionais e à luz da emergência climática.
“Se é necessário que estejamos aqui para alertar contra a gravidade desse pacote de medidas que estão sendo sorrateiramente aprovadas a toque de caixa é porque alguma coisa está muito errada no funcionamento desta Casa. Questões como o meio ambiente não deveriam estar a cargo dos senhores e senhoras, mas de especialistas, não é assim que as coisas são discutidas. É fundamental que, dentro do jogo político, haja um freio que impeça essa barbaridade que está na iminência de acontecer”, defendeu Nando Reis, também presente na audiência.
Panos quentes
Durante sua fala, o presidente do Senado tentou minimizar os impactos do agronegócio no meio ambiente. Segundo Rodrigo Pacheco, muito da imagem negativa conquistada pelo Brasil no cenário internacional se deve a uma “incompreensão” sobre a realidade brasileira.
“Nós também devemos reconhecer que o agronegócio brasileiro tem servido para o Brasil e para o mundo em termos de segurança alimentar. Ninguém aqui vai discordar disso. Temos que valorizar pontos importantes da nossa produção e do nosso desenvolvimento econômico. Nosso grande desafio hoje é compatibilizar o desenvolvimento econômico com essa pauta inafastável que é a preservação do meio ambiente”, disse Pacheco.
Ele também defendeu que mudanças na legislação fundiária e no licenciamento ambiental devem ter um “equilíbrio” entre as demandas dos proprietários de terra, setor empresarial e o meio ambiente.
Para os artistas e sociedade civil, a aprovação dos projetos “retira dos brasileiros um pedaço de seu futuro”. “Para premiar um punhado de criminosos, eles condenam os ecossistemas, os assentamentos rurais, os indígenas e os quilombolas. Ampliam o abismo da desigualdade. Mergulham nossa economia no atraso e no descrédito externo e tornam o Brasil um risco climático global”, dizia o manifesto de convocação dos artistas.
“Pacote da Destruição”
O chamado “pacote da destruição” inclui uma série de projetos de lei que estão para ser votados no Congresso e trarão grande impacto ambiental e nas comunidades tradicionais.
Três deles são mais preocupantes, por estarem perto de sua aprovação final, pela pressão do Executivo para que sejam aprovados e por seus efeitos negativos: o PL da Grilagem (que é a junção dos PL 2.633/20 e PL 510/21) e os que tratam de mudanças em Terras Indígenas (PL 191/20 e PL 490/07).
O PL da Grilagem muda o marco da regularização fundiária em terras da União, anistiando quem invadiu e desmatou ilegalmente terras públicas até 2017 – o marco anterior é 2008 na regra geral. Além disso, facilita a obtenção do título por grandes invasores e permite a concessão de título para quem já invadiu terras no passado. O PL, na forma de seu substitutivo, está para ser analisado pelas comissões temáticas do Senado.
O PL 191/2020 libera sem entraves a mineração em terras indígenas, mesmo que não haja o aval dos povos que as ocupam. Bolsonaro tem usado o conflito entre Rússia e Ucrânia para justificar a necessidade de abertura dessas áreas protegidas à exploração mineral, sob a alegação que faltará minério para a produção de fertilizantes no Brasil. A atitude de Jair Bolsonaro foi repudiada por entidades ambientalistas e indigenistas. A proposta está tramitando atualmente na Câmara.
Já o PL 490/07 tem como principal ponto a alteração no Marco Temporal nos processos de demarcação de terras indígenas no país.
No início de fevereiro, os deputados também aprovaram o PL 6.299/02, chamado de Pacote do Veneno, que torna mais fácil a liberação de agrotóxicos no país. O PL ainda precisa ser votado pelo Senado.
Por último, os artistas pedem que o Congresso pare com as discussões sobre o PL 2.159/21, que muda as regras do licenciamento ambiental no país. Com a mudança, o licenciamento passa a ser uma exceção, e não a regra, uma vez que restringe, enfraquece ou, em alguns casos, extingue o processo para determinadas atividades poluidoras. O PL está parado no Senado.
Fonte: O Eco
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