Para António Guterres, secretário-geral da ONU, cobrar e responsabilizar as petroleiras, que tiveram lucros trilionários nos últimos anos e emitem uma quantidade gigante de gases do efeito estufa, é uma questão fundamental de justiça social e climática
O secretário-geral da ONU, António Guterres, pediu nesta segunda (7/10) que os governos tributem os lucros inesperados das empresas de combustíveis fósseis e redirecionem o dinheiro para amortecer o aumento dos preços de alimentos e energia e ajudar países que sofrem perdas e danos por causa da crise climática.
“Os impactos mortais das mudanças climáticas estão aqui e agora. Perdas e danos não podem mais ser varridos para debaixo do tapete”, disse Guterres na abertura da Cúpula de Implementação Climática da COP27 em Sharm el-Sheikh, Egito.
Para o chefe da ONU, esta é uma questão fundamental de solidariedade internacional e justiça climática — e pode marcar o sucesso ou fracasso da conferência deste ano.
“Aqueles que menos contribuíram para a crise climática estão colhendo o turbilhão semeado por outros”.
Guterres também pediu às partes da COP27 um Pacto de Solidariedade Climática para acabar com a dependência de combustíveis fósseis e a construção de usinas a carvão.
“As duas maiores economias – Estados Unidos e China – têm a responsabilidade particular de unir esforços para tornar este pacto uma realidade. Esta é a nossa única esperança de cumprir nossas metas climáticas”.
A conta de perdas e danos
Domingo (6/10) foi dia de definir os itens da agenda que serão discutidos nas próximas duas semanas.
O ministro egípcio das Relações Exteriores e presidente da COP27, Sameh Shoukry, abriu o encontro dando o tom do desafio: o multilateralismo está sendo desafiado pela geopolítica e crises financeiras crescentes, enquanto vários países atingidos pela pandemia mal se recuperaram e desastres induzidos pelas mudanças climáticas se tornam mais frequentes.
Vale dizer: justiça e direitos humanos também estarão em jogo no país anfitrião da COP27. O regime egípcio é marcado por abusos de direitos humanos e observadores internacionais temem que o país use o encontro para fazer greenwashing enquanto atrai grandes acordos de investimento que ajudarão o regime a fortalecer seu poder.
Este é o cenário geral em que países terão que negociar saídas para a crise climática, respondendo a questões como quem vai pagar a conta? Como e quando?
É preciso cortar emissões e investir em tecnologias capazes de substituir nosso modo de produção e consumo de forma mais eficiente e sustentável.
Ao mesmo tempo, a conta de perdas e danos já chegou. Os países mais afetados — que geralmente são os que menos contribuem com as emissões — cobram os ricos pelos seus prejuízos.
Um item ainda incerto antes da conferência, perdas e danos entrou na agenda depois de ser apresentado por negociadores do Grupo dos 77 e China (que inclui essencialmente todas as nações em desenvolvimento).
O acordo define 2024 como prazo para entregar um plano — um limite muito lento para alguns negociadores.
O tamanho da emergência
Relatório da Organização Meteorológica Mundial da ONU (OMM) divulgado no domingo mostra que os últimos oito anos foram os mais quentes já registrados, alimentados por concentrações cada vez maiores de gases de efeito estufa (GEE).
Com níveis recordes de dióxido de carbono, metano e óxido nitroso — os três principais GEE que contribuem para o aquecimento global — o documento estima um aumento de cerca de 1,15°C acima dos níveis pré-industriais este ano, e os impactos são cada vez mais evidentes.
Derretimentos de geleiras estão aumentando os níveis do mar, enquanto secas prolongadas, chuvas intensas e inundações quebram safras e deslocam milhões de pessoas de seus territórios.
Nesta segunda, mais de 350 milhões de agricultores familiares endereçaram uma carta aberta aos líderes mundiais sobre o risco climático para a segurança alimentar global.
Segundo o documento, para evitar um colapso, os governos devem providenciar com a maior brevidade possível mais financiamento para adaptação agrícola ao clima e promover formas mais resilientes de agricultura.
A carta foi publicada enquanto 90 chefes de Estado discutiam segurança alimentar e financiamento climático.
Na COP do ano passado, em Glasgow, Escócia, as nações ricas aumentaram o financiamento de adaptação para US$ 40 bilhões por ano até 2025 — mas o valor ainda é uma fração do que é necessário.
Os agricultores advertem que o sistema alimentar global está “mal equipado para lidar com os impactos da mudança climática” e pede aos líderes mundiais que tornem a “construção de um sistema que possa alimentar o mundo em um planeta quente” uma prioridade para a COP27. Leia na íntegra (em inglês)
“US$ 611 bilhões são gastos anualmente com subsídios à produção de alimentos – e quase todos este montante vai para a agricultura industrial, com uso intensivo de produtos químicos, que é prejudicial às pessoas e ao meio ambiente”, aponta Ma Estrella Penunia, secretária-geral da Associação de Agricultores Asiáticos para o Desenvolvimento Rural Sustentável.
Para a representante da associação que reúne 13 milhões de agricultores asiáticos, é hora de colocar o peso político e a capacidade financeira dos países ricos para promover uma produção alimentar mais diversificada.
E o Brasil?
Serão três na COP. Embora os estandes dos países não interfiram no resultado das negociações, eles são estratégicos nas relações públicas e influenciam parcerias comerciais e de pesquisa.
Este ano, o Brasil terá três espaços diferentes no Egito: o oficial, do governo de Jair Bolsonaro (PL), o hub criado pela sociedade civil em 2019 (quando deixou de ser convidada pelo governo brasileiro), e o dos estados da Amazônia Legal, que terão uma agenda própria.
A programação do estande da Amazônia Legal indica que Lula (PT), o novo presidente do Brasil, é convidado especial de um evento no dia 16 de novembro, quando deve receber uma carta dos governadores.
Há grandes expectativas sobre a participação do presidente eleito e seus planos para a Amazônia e a política climática nacional.
Em entrevista ao programa Diálogos da COP27, o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro Ronaldo Seroa avalia que, para o Brasil, o mais importante será o pós-cop. Assista no Youtube
“Ano passado, em Glasgow, o Brasil enviou muito mais contribuições para as discussões pré-COP. Este ano, [o governo] resolveu se amarrar na ideia de que o país é pobre, mas sem fazer uma contribuição para o debate”.
O pesquisador acredita que o novo governo eleito vai reestruturar a política climática doméstica tão logo assuma o mandato em janeiro de 2023, o que daria novo fôlego para a agenda ambiental e, quiçá, reposicionar o Brasil como protagonista na próxima COP.
As indicações para os ministérios vão apontar o caminho que a gestão de Lula pretende seguir.
Além do Ministério do Meio Ambiente – que pode ficar com a deputada eleita Marina Silva (Rede) – há especulações sobre a criação de uma autoridade climática ou Secretaria de Riscos Climáticos (uma das 26 propostas de Marina à campanha de Lula) e de um ministério para os povos originários.
Fonte: EPBR
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