Invasores de terras públicas paraenses podem regularizar área ocupada pagando R$ 44 o hectare, de acordo com decreto atualmente em vigor, calcula Imazon
Maior desmatador da Amazônia, o Pará tem em vigor uma norma que reduz ainda mais os valores já irrisórios cobrados pelo estado na privatização de terras públicas invadidas. O total de descontos concedidos aos grileiros seria de R$ 6,7 bilhões, segundo cálculo feito por pesquisadores do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), divulgado nesta quinta-feira (6).
A decisão de “facilitar” a regularização fundiária no Estado através da concessão de descontos está descrita no Decreto Estadual nº 1.684/2021, que traz a nova Tabela de Referência do Valor da Terra Nua (VTN) no Pará. A norma foi publicada durante o 55º Encontro Ruralista paraense, realizado em junho de 2021.
“O VTN é um anseio antigo para quantificar o valor das terras sem dono, e o Estado dá um passo gigantesco para facilitar a regularização fundiária para o pequeno, médio e grande produtor”, disse o secretário de Desenvolvimento Agropecuário e da Pesca do Pará, Alfredo Verdelho Neto, durante o lançamento do decreto no ano passado.
Segundo o Imazon, no entanto, a medida governamental beneficia ainda mais quem cometeu os crimes de invasão e desmatamento de florestas públicas. Grileiros já contavam com generosos descontos pelas normas anteriormente em vigor.
Conforme análise do Instituto, o preço médio final das terras públicas estaduais antes da publicação do Decreto n° 1.684/2021 era de R$ 137 o hectare. Com a mudança. Passou para R$ 44 o hectare, uma redução de 68%. O valor representa apenas 1,2% do custo médio cobrado por hectare no mercado de terras no Pará, de R$ 3.684.
O decreto em questão é aplicável para áreas acima de 100 hectares e até 2500 hectares. Para chegar ao valor de R$ 6,7 bilhões de desconto – ou subsídio –, os pesquisadores levaram em conta os 5.450 imóveis rurais com tamanho dentro do deste limite cujo Cadastro Ambiental Rural (CAR) está sobreposto a áreas públicas estaduais ainda não destinadas.
Apesar do CAR não ser um documento válido para definição da regularização fundiária, os dados do cadastro foram utilizados para calcular a estimativa, já que o Instituto de Terras do Pará (Iterpa) não disponibiliza de forma pública a delimitação das áreas com solicitação de posse em terras estaduais.
Atualmente, o Pará possui 33,8 milhões de hectares de áreas ainda sem uso definido. A cifra corresponde a 27% de todo território paraense. Desse total, 15,2 milhões de hectares possuem prioridade para a conservação, sendo a maior parte desta área (11,3 milhões de hectares) classificada como de importância biológica extremamente alta.
Mas são justamente essas áreas as preferidas dos grileiros, que invadem e desmatam ilegalmente florestas públicas para obter a posse das áreas e, posteriormente, lucrar com a venda delas, dizem os pesquisadores do Imazon.
“Não se combate o desmatamento aplicando os mesmos incentivos que historicamente contribuíram com a ocupação ilegal e a destruição da floresta para a comprovar posse das terras públicas. Enquanto houver a expectativa de legalização dessas áreas públicas invadidas e devastadas, seguida de altos lucros dos invasores com a venda delas quando privatizadas, continuaremos assistindo esse ciclo de grilagem. O caso paraense é, infelizmente, mais um exemplo dessa prática de desvalorização de terras públicas que observamos na Amazônia” explica a pesquisadora do Imazon Brenda Brito, coordenadora da nota técnica.
Desmatamento no Pará
Responsável por 40% de todo desmatamento registrado na Amazônia Legal entre 1º de agosto de 2020 e 31 de julho de 2021, o Pará figura pelo 16º ano seguido na primeira posição do ranking de destruição da floresta por estado, segundo medições do Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE).
Desde agosto de 2020, o estado tem colocado em curso um plano – chamado Plano Estadual Amazônia Agora – que tem como objetivo central levar o Pará à neutralidade climática na área de uso da terra e florestas antes de 2036.
A definição de valores irrisórios para fins de regularização fundiária no estado vai na direção contrária aos objetivos do plano, explica Brenda Brito.
“Cobrar barato não significa necessariamente facilitar o processo de regularização fundiária, como justifica o governo. Você facilita de outras formas, agilizando o processo, por exemplo. Se a intenção é colocar algum recurso público para reduzir o desmatamento, seria muito mais interessante concentrar em uma política de pagamento por serviços ambientais ou fomento ao crédito para a agricultura de baixo carbono”, disse a pesquisadora, a ((o))eco.
Para contribuir com o combate efetivo do desmatamento no Pará, os pesquisadores do Imazon também recomendam que o estado passe a cobrar o valor de mercado para a privatização de terras públicas. Caso contrário, novas invasões e desmatamentos ilegais devem seguir acontecendo, incentivados pela especulação imobiliária: a manutenção do chamado “ciclo da grilagem” citado pela pesquisadora.
O Instituto de Terras do Pará (Iterpa) foi procurado para comentar a nota do Imazon, mas não deu resposta até o fechamento da matéria.
Fonte: O Eco
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