Dependente de climas mais frios, as florestas de araucárias irão perder entre 49 e 64% da sua área climática ideal até 2070, devido ao aumento das temperaturas
As florestas de araucária são um ecossistema exclusivo da Mata Atlântica que ocorre, principalmente, na região sul do país. Com espécies vegetais dependentes de temperaturas mais frias e com alta umidade, o ecossistema está na berlinda diante dos impactos das mudanças climáticas e do aquecimento do planeta. Uma projeção feita por cientistas brasileiros aponta que, mesmo num cenário otimista de aumento de temperatura, o país perderá quase metade das áreas com clima adequado para a floresta de araucária até 2070. Em um cenário pessimista, a redução chega a 64%. O desequilíbrio climático poderá ter consequências ainda mais graves para espécies que dependem exclusivamente do ecossistema, como a própria araucária.
O levantamento foi feito por pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Botânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFGRS) e foi publicado no final do ano passado na revista científica Applied Vegetation Science.
O mapeamento dos futuros refúgios das florestas de araucária foi feito a partir de 18 espécies de árvores, usadas como indicadoras no estudo. Já as projeções climáticas foram feitas com base nos relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e nos diferentes cenários de emissões de carbono. No cenário otimista, a perda é de 43% da área com clima ideal para as florestas de araucária até 2050 e de 49% até 2070. Já no cenário pessimista de emissões, essa redução seria de 51% até 2050, e 64% até 2070. A maior parte da redução de habitat está concentrada no interior do país.
“Tanto no cenário otimista quanto pessimista, a perda de área é bastante grande. E essa tendência de esquentar vai afetar as áreas altas também”, pontua o botânico Daniel Saraiva, pós-doutorando da UFGRS e um dos autores do estudo.
Esse cenário é agravado pelo fato de que, dentro da zona que vai manter condições favoráveis para a floresta de araucária, apenas uma pequena fração, estimada entre 4 a 12%, está atualmente protegida. Os cientistas destacam ainda que a maior parte dessa cobertura de áreas protegidas são unidades de conservação de uso sustentável, como Áreas de Proteção Ambiental (APAs), que são mais permissivas ao uso e que, em muitos casos, alerta Daniel, “são unidades de conservação de papel”.
Os maiores remanescentes de mata de araucária estão concentrada nos estados da região sul do Brasil – Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná – e com alguns fragmentos esparsos nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, além de uma porção do noroeste da Argentina. As características ideais para o ecossistema são justamente as de lugares mais frios, normalmente mais altos, e com bastante umidade.
Perder a sua zona de ideal climático, não significa que as florestas de araucárias, como ecossistema, vão morrer, esclarece Daniel. “Mas as espécies mais dependentes do frio, que são mais especialistas deste habitat, vão perder espaço para espécies mais generalistas, mais adaptadas para o calor e para a seca. Com isso, a tendência é que ocorra uma homogeneização, com um empobrecimento de espécies e genético, com o desaparecimento de algumas espécies”, explica.
Uma das que deve desaparecer é a própria araucária (Araucaria angustifolia), que atualmente já é considerada Em Perigo de Extinção. A árvore emblemática do sul do país, entretanto, não é a única espécie ameaçada que depende das florestas de araucária para sobreviver. O ecossistema também é o habitat da imbuia (Ocotea porosa), um tipo de árvore cuja madeira é altamente apreciada e que foi amplamente explorada nos últimos séculos para fabricação de móveis e pela construção civil.
Entre as soluções possíveis para minimizar os impactos sobre as florestas de araucárias estão: criar novas áreas protegidas e investir em restauração ambiental. “É preciso aumentar a rede de unidades de conservação porque, independente de mudanças climáticas, esse ecossistema é pobremente protegido. Também é preciso melhorar as práticas de manejo e a efetividade das unidades que já existem, e fortalecer as políticas públicas para conservação e para terras indígenas. Além disso, precisamos restaurar também áreas importantes para essa floresta e que se encontram atualmente degradadas”, detalha o botânico.
Daniel alerta para episódios recentes que ilustram a atual vulnerabilidade das unidades de conservação que abrigam florestas de araucária, como os projetos de lei que tramitam tanto no Senado quanto no Congresso pela redução do Parque Nacional de São Joaquim, em Santa Catarina; e a instalação de linhas de transmissão de energia que provocou o corte de dezenas de araucárias na região da APA da Escarpa Devoniana, no Paraná. “A problemática também envolve a esfera política”, reforça o pesquisador.
As florestas de araucária
A redução dos refúgios de florestas de araucária representa um novo baque na cobertura do ecossistema, do qual sobrou 12,6% de acordo com um levantamento feito em 2009. Desses, apenas 0,7% é constituído de floresta original (primária), o restante são áreas secundárias, onde a floresta se regenerou com o tempo. “E esse levantamento é de 2009, provavelmente hoje temos uma área menor até, talvez em torno de 10% de área remanescente de araucária”, estima Daniel Saraiva.
A floresta de araucária é considerada um ecossistema antigo, com espécies que têm uma longa história evolutiva. A mais emblemática delas é a própria araucária (Araucaria angustifolia), uma árvore pré-histórica que surgiu há milhões de anos. Além dela, o pinheiro-bravo (Podocarpus lambertii) e espécies de angiospermas basais também são atores milenares da história evolutiva do planeta.
“Perder essa floresta é perder milhões de anos de história evolutiva inimaginável, é perder uma biodiversidade única, porque muitas espécies da floresta de araucária só existem ali, tanto de plantas quanto de animais. É também uma perda genética, ecológica e de serviços ambientais”, resume Daniel Saraiva.
Fonte: O Eco
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