Órgão governamental dá continuidade ao Projeto Ipê e libera informações que contrariam estudos anteriores trazendo à tona opiniões variadas entre especialistas da área.
Por Pedro Dyna
A EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), um dos órgãos ligados ao Ministério da Agricultura, divulgou recentemente, no Projeto Ipê, que a floresta amazônica possui grande quantidade de espécimes da árvore. O dado contraria avaliações anteriores e suscita em especialistas olhares diversos sobre as possíveis consequências decorrentes da novidade.
Os pesquisadores do órgão governamental estudaram área pouco maior que o estado do Tocantins, dentre áreas de manejo e florestas públicas. Os estoques foram confeccionados via avaliações em campo, uso de bancos de dados, de literatura especializada, coleta de dados de regeneração natural da espécie e de inventários florestais autorizados por órgãos ambientais. Já os inventários foram conduzidos por madeireiras e definem a quantidade de árvores por hectare. Uma de suas conclusões é a de que, por exemplo, existem mais de 40 milhões de ipês amarelos e roxos comercialmente rentáveis nos estados do Acre e Mato Grosso, isto é, a salvo da extinção.
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Dados como estes necessitam, segundo os pesquisadores, de ser expressos juntamente com o combate ao dito “corte raso” criminoso, prática que, além de imperar no norte do Brasil, é seguido por queimadas de toda a vegetação. No caso do ipê isto se torna especial dado que sua madeira foi protagonista da maior apreensão ilegal já vista no país, em Santarém (PA) – fez parte da problemática a exoneração do ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles por suspeitas de que ele facilitava tais exportações criminosas.
Mais de 100 tipos de ipês foram catalogados e são vistos por todo o território nacional, estando a maioria na floresta equatorial do nosso país. Pode-se ter melhor entendimento de seu valor econômico ao saber que as cifras estimadas no exterior batem em torno de US$ 1.715,00 o m³ (o que equivalem R$ 9.200,00), isso, de acordo com a Organização Internacional de Madeiras Tropicais. Já sobre a preocupação ambiental, além dos olhares do mundo voltarem-se cada vez mais para a Amazônia, a árvore recentemente (2020) foi retirada da lista de espécies em extinção – após reunião do presidente do Ibama Ricardo Bim com madeireiros.
O ipê não é uma árvore cultivada, isto é, não há plantio deliberado, apenas o crescimento natural. O manejo federal abarca 1 milhão de hectares totais quase todo distribuído pela Amazônia, sobre os quais se realiza retiradas graduais. Após a extração, a mata recupera a área, mas dependendo da tecnologia utilizada, espécimes de portes variados e desejados podem ocupar o local. Os testes são realizados na floresta Estadual Mamuru-Arapiuns, no oeste paraense, e são fomentados pela Associação das Indústrias Exportadoras de Madeira do Pará (Aimex) – é nesse estado que algumas das maiores produções e exportações de madeira nativa são feitas.
O que dizem os especialistas?
Evaldo Muñoz Braz é engenheiro florestal pela Universidade Federal de Santa Maria (RS), atualmente é pesquisador da Embrapa Florestas e foi o principal autor do estudo sobre os ipês amazônicos. Ele é categórico sobre o valor do trabalho publicado pelo órgão governamental: “não saber que espécie ocorre em determinado local é tão grave quanto explorá-la até a exaustão”; como também sobre o desmatamento: “O que extingue espécies é gado e soja, não o manejo”.
Marco Lentini é engenheiro florestal mestre pela Universidade da Flórida em Economia de Recursos Florestais e atualmente é coordenador de projetos do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora). Sobre o estudo em questão, Lentini cogita que não seja “um parecer consolidado dentro da própria Embrapa”, e vai além ao afirmar, sobre a oferta de ipês, que “o relatório da Embrapa se baseia em métodos e áreas que provavelmente não representam a realidade em toda a Amazônia”.
Para ele, o número de tais árvores é uma surpresa se comparado com estudos que têm sido publicados desde 2008. Sendo assim, a questão não lhe parece fechada cientificamente falando, e o pesquisador pede cautela quanto ao uso das análises publicadas para que não haja estímulo de exploração ilegal ou insustentável de ipês na região amazônica, muito porque o relatório também não define parâmetros de manejo, conservação e produção a longo e médio prazos.
Humberto Navarro é coordenador de Inventário e Informação Florestais no Serviço Florestal Brasileiro (SFB), e observa o tema sob outro ponto de vista. Para ele, o estudo deposita atenção nas perdas e no comércio, mas negligencia os estoques e a capacidade de regeneração dos ipês, o que poderia conferir outra visão ao extrativismo.
Reforça o afirmado pela EMBRAPA ao pontuar que “dados do Inventário Florestal Nacional, atualizados constantemente, já indicavam sua abundância [de ipês] na Amazônia”, e que o retorno da espécie à Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies Silvestres Ameaçadas de Extinção, a Cites, “pode prejudicar as exportações nacionais e inviabilizar financeiramente os planos de manejo” – uma vez que as madeiras listadas na convenção requeriam licença para deixar o país. Já sobre a extração ilegal, Navarro posiciona-se ao dizer que “quase todo (98%) o ipê legalmente extraído vem de planos de manejo e o restante de cortes autorizados”.
Lucas Mazzei é doutor em Ciências Florestais pela École Nationale du Génie Rural (França) e atualmente é pesquisador pela Embrapa Amazônia Oriental. Assim como Navarro, ele se propõe a pensar sobre a fiscalização da cadeia produtiva do extrativismo ilegal: “Devemos reforçar o produto legal, a fiscalização e as punições para tornar o ilegal cada vez mais caro”, pois isto aumentaria o manejo e ajudaria a floresta a ter mais árvores.
Tempo e cautela
As informações e posições oriundas das diversas partes envolvidas não apontam para nenhuma direção conclusiva. Há inclusive algumas controvérsias, como o relatório da Forest Trends. A ONG aponta que a demanda global por pisos e moveis de ipê unem-se ao desmatamento quando o assunto é a sobrevivência da espécie – segundo eles as populações de ipês diminuíram drasticamente nos últimos 30 anos e correm risco de extinção.
Completa a lista também outros trabalhos publicados, tanto por nomes famosos de matriz estrangeira, quanto por institutos de pesquisa nacionais. O Greenpeace Brasil e a ESALQ (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz) da Universidade de São Paulo (USP) registram que o estudo da EMBRAPA pode superestimar o número de espécies para justamente remover madeira de áreas protegidas ou sem autorização de manejo.
Em suma, o que se pode ter certo frente ao panorama é que as pesquisas científicas ainda estão em aberto, pois a cada dia mais dados são divulgados e nem todos convergem numa mesma direção. Frente aos diversos agentes e interesses, a saga dos ipês e da floresta aguarda maior robustez científica e estratégica, no que tange à sua extração e manejo, para que se aprimore esta urgência planetária, a sustentabilidade.
Assista ao vídeo da FAPESP sobre a importância da preservação da floresta amazônica
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