Que 2022 e 2023 sejam os anos da coerência, da transparência, da ética e do senso de urgência na implementação das metas e compromissos assumidos pelas empresas. Precisamos de ações em escala que levem à descarbonização da economia global, baseadas no bem-estar humano e na saúde planetária.
Por Vanessa Pinsky
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A agenda ESG (environmental, social, governance), cada vez mais prioritária, avançou muito desde 2020 em alguns setores, especialmente nas empresas que compreendem os riscos regulatórios, operacionais e reputacionais envolvidos. Trabalho há mais de 20 anos na área de Sustentabilidade, e é com muita satisfação que vejo avanços significativos nos últimos anos. Embora sempre com um olhar crítico na falta de senso de urgência na tomada de decisão das empresas em assumir compromissos e reduzir seus impactos ambientais na emergência climática.
ESG não é um novo nome para Sustentabilidade
ESG não é filantropia ou voluntariado corporativo, e nem abrir mão de retorno financeiro. É a visão do mercado de capitais e financeiro sobre a sustentabilidade. Trata-se de indicadores não-financeiros, que tem como objetivo apoiar a análise da capacidade da empresa de gerar valor no longo prazo, de atender às demandas da sociedade e dos stakeholders, de reconhecer e assumir responsabilidades pelos seus impactos (externalidades ambientais e sociais negativas) e propor soluções.
Como nasce o conceito ESG
O conceito não é novo. Foi proposto em 2004, no relatório “Who Cares Wins – Connecting Financial Markets to a Changing World”, sob a liderança do Pacto Global da ONU em conjunto com o Banco Mundial, com o intuito de provocar as 50 principais instituições financeiras do mundo a refletirem sobre formas de integrar fatores sociais, ambientais e de governança no mercado de capitais.
Analistas, instituições financeiras, investidores e gestores de fundos, órgãos reguladores, bolsas de valores, consultores financeiros e organizações da sociedade civil foram envolvidos para dar mais transparência aos dados das empresas e da comunidade financeira. A recomendação era de que o foco da análise de crédito incorporasse os fatores ESG, assim como a sua integração nos processos de investimento. Nesse sentido, as empresas começam a ser demandadas para reportar performance ESG.
Priorização da agenda ESG nas empresas
São vários os fatores convergentes que levaram à priorização da agenda ESG nas grandes empresas, nos conselhos de administração, na agenda de investimentos e do setor financeiro nos últimos anos. Destaco os principais:
- Os últimos três relatórios de riscos globais do World Economic Forum que evidencia alguns riscos ambientais e climáticos como os mais severos em escala global que irão impactar a economia e bem-estar na próxima década;
- A BlackRock (maior gestora de ativos financeiros do mundo) integrou ESG na sua política de governança de investimentos, incluindo na análise fatores como risco climático, diversidade nos conselhos, gestão e engajamento de stakeholders, relatórios de sustentabilidade, e rigor nos bônus de executivos atrelados a metas ESG. Essas prioridades de engajamento passaram a ser fatores de gestão de riscos ESG, analisados por meio de indicadores-chave de desempenho (KPIs) na tomada de decisão de investimento / desinvestimento da gestora. E esses critérios tem se intensificado desde 2019;
- Crescente perceção de líderes e empreendedores sobre os problemas complexos e sistêmicos da crise planetária, como as mudanças climáticas, perda de biodiversidade, escassez de recursos, desigualdade e pobreza. A priorização da saúde e do bem-estar humano na tomada de decisão emerge como uma prioridade para as empresas engajadas no Capitalismo Consciente;
- A pandemia de Covid-19 e suas múltiplas crises convergentes (sanitária, social, ambiental, econômica, política, geopolítica e de democracia) evidenciaram que não dá para prosperar em um país com tantas desigualdades e pobreza. Algumas empresas assumem posições de fazer parte da solução e não do problema. E isso demanda ação coletiva, inovação disruptiva, transferência tecnológica e investimentos em diversos níveis para promover o desenvolvimento sustentável;
- Novas tendências de consumo e do comportamento da demanda na busca por produtos e serviços mais sustentáveis redirecionam estratégias de longo prazo de algumas empresas. O controle social também tem influenciado e acelerado práticas de sustentabilidade nas organizações, especialmente relacionadas aos temas direitos humanos, diversidade e inclusão.
Novas regulações ESG no Brasil
No Brasil, as novas resoluções ESG do Banco Central e do Conselho Monetário Nacional, publicadas em 15/09/2021, colocam de maneira inédita o bem-estar social na centralidade do Sistema Financeiro Nacional. As resoluções, que entram em vigor a partir de 2023, apresentam normas para gerenciamento e divulgação de riscos e oportunidades climáticos, ambientais e sociais, além de estabelecer parâmetros para vetar operações de crédito rural. Sem dúvida nenhuma um grande avanço regulatório, que vai fazer fazer a agenda ESG deslanchar nos próximos anos por compliance.
Estratégia ESG – uma agenda de inovação
A gestão ESG demanda estratégia de longo prazo em temas materiais para a empresa, com foco na mitigação de riscos e criação de oportunidades de negócios. Mas o enfoque das discussões no mercado tem sido muito mais nos riscos do que nas oportunidades de negócios. Além de mitigar riscos, a agenda ESG também deve considerar as oportunidades em negócios sustentáveis, incluindo redução de custo operacional (eco-eficiência), geração de receita (inovação e acesso a novos mercados), aumento da produtividade, acesso e custo do capital mais baixo.
A inovação tem papel fundamental no avanço da agenda de sustentabilidade no Brasil. Precisamos de mais experimentação e capacidade de assumir riscos. Precisamos de mais negócios disruptivos que fomentem a descarbonização da economia, com justiça climática e inclusão social.
Empresas que lideram pelo propósito
Algumas empresas tem liderado pelo exemplo por meio de compromissos e metas ESG, inovação e com senso de urgência na tomada de decisão, alinhados aos desafios do desenvolvimento sustentável. Nessa perspectiva, destaco a The Science Based Targets initiative, onde 37 empresas no Brasil (acesso em 16/04/22) assumiram metas de redução de emissões baseadas na ciência e alinhadas aos objetivos do Acordo de Paris – limitar o aumento da temperatura média global bem abaixo de 2°C em relação aos níveis pré-industriais, e envidar esforços para limitar esse aumento a 1,5°C.
Dessas empresas, 7 já tiveram suas metas aprovadas até o momento pelo SBTi. São essas empresas que lideram pelo exemplo e propósito, e que serão enormemente desafiadas a inovar para encontrar soluções que descarbonizem suas operações, inclusive nas suas cadeias de valor. Confira aqui a lista.
Problemas complexos e sistêmicos relacionados aos desafios do desenvolvimento sustentável demandam políticas públicas, ação coletiva de diversos atores, experimentação e coragem para inovar e empreender. E é nesse contexto que destaco o papel fundamental das lideranças com propósito e dos empreendedores no avanço da agenda ESG, cada vez mais prioritária.
O Futuro que queremos
O engajamento na agenda ESG apresenta um potencial enorme de transformação para um futuro melhor. Muitas empresas não estão fazendo nada ou muito pouco, esperando a pressão regulatória e as sanções coletivas, como a taxação de carbono. Várias outras estão engajadas, tentando entender a complexidade da agenda e em como avançar por meio de uma jornada e estratégia de longo prazo. E essa jornada demanda visão sistêmica para avançar, e não ações baseadas em projetos. Outras (poucas) empresas lideram pelo exemplo, mesmo que as soluções para os problemas complexos e sistêmicos ainda não estejam disponíveis em escala, especialmente relacionados à redução de emissões nas cadeias de valor em diversos setores.
Que 2022 e 2023 sejam os anos da coerência, da transparência, da ética e do senso de urgência na implementação das metas e compromissos assumidos pelas empresas. Precisamos de ações em escala que levem à descarbonização da economia global, baseadas no bem-estar humano e na saúde planetária. E que mais empresas se engajem nessa agenda por convicção, por competição ou por compliance mesmo.
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