Ferramenta Monitor do Congresso, de ((o))eco, indica histórico das votações e evidencia o protagonismo dos partidos de esquerda na defesa do meio ambiente
Grandes queimadas, a proliferação de balsas de garimpo, narcotraficantes invadindo comunidades indígenas, recordes de desmatamento. As grandes ameaças aos biomas brasileiros parecem ter se diversificado de modo vertiginoso nos últimos quatro anos, sobretudo diante de eventos como a pandemia de Covid-19 e a abordagem adotada pelo presidente da República Jair Bolsonaro (PSL) para o meio ambiente.
Vale lembrar, porém, que decisões tomadas em tom geralmente ameno em uma grande sala refrigerada na capital do país – onde 513 representantes de todos os estados da federação fazem tramitar projetos – também são capazes de alterar de forma significativa e prejudicial a vida de populações e territórios, ignorando muitas vezes a importância de sua preservação.
O mecanismo de utilizar as vias institucionais para atender a interesses específicos ganhou popularidade com a declaração do ex-ministro do meio ambiente Ricardo Salles quando, em reunião divulgada pela imprensa em maio de 2020, afirmou que a pandemia seria o momento propício para permitir ‘passar a boiada’ sem que a população percebesse os efeitos de afrouxamentos em processos de regulação e fiscalização.
A saída de Salles do Ministério não trouxe melhores notícias. E para que a chegada das eleições possa indicar novos caminhos, a conscientização do eleitorado para as causas ambientais solicita que se observe o que ocorre na chamada Casa do Povo – a Câmara dos Deputados, no Congresso Nacional.
“É natural que com a chegada das eleições a atenção de quem se preocupa com a pauta ambiental e climática se volte para o Executivo, ainda mais no contexto em que estamos vivendo. Mas não podemos nos esquecer de que grande parte das articulações que possibilitam a proposição e o avanço de uma agenda ambiental negativa se articula a partir do Legislativo, com bancadas que estão ali no dia a dia tramitando a partir de motivações das mais variadas. É muito difícil pensar em uma mudança no cenário ambiental sem que o eleitorado se conscientize dessa dinâmica e passe a escolher também candidatos e legendas que estejam alinhados aos seus valores e interesses para o Congresso”, explica Liuca Yonaha, coordenadora do Política Por Inteiro – um projeto de acompanhamento em tempo real dos sinais políticos (policy signals) de mudanças relevantes anunciadas (riscos) ou realizadas (atos) pelo Executivo Federal, e seus efeitos.
Com o intuito de favorecer a transparência e a conscientização, o Monitor do Congresso , ferramenta produzida por ((o))eco, permite a observação a análise de como votaram os congressistas em um conjunto de Projetos de Lei que, reunidos, receberam o nome de ‘Pacote da Destruição’.
O posicionamento de candidatos e partidos diante desses projetos desenham cenários que podem ajudar o eleitor a estabelecer critérios, além de buscar, de modo personalizado, pelo histórico de candidatos à reeleição em relação a esses PLs.
Os processos de votação de cinco Projetos de Lei foram avaliados pelo Monitor: o PL nº 6.299/2002, que trata do registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização dos agrotóxicos, chamado de “PL do veneno”; o PL nº 3729/2004, que flexibiliza os procedimentos de licenciamento ambiental no país; o PL nº 2633/2020 (Apensado ao PL 510/2021) que altera regras da regularização fundiária de terras públicas federais, tornando-as mais flexíveis e beneficiando o processo de ocupação ilegal, chamado de “PL da Grilagem”; o PL nº 2510/19, que altera o Código Florestal, transferindo para os municípios a competência para definir o tamanho das Áreas de Proteção Permanente nas margens de rios em áreas urbanas; e o PL nº 191/2020 (pedido de urgência), que autoriza a mineração e a construção de hidrelétricas em Terras Indígenas.
Todos e esses projetos contaram com a maioria de votos na Câmara e foram aprovados nesta instância, encontrando-se em diferentes estágios de tramitação.
Para o meio ambiente, esquerda e direita não são a mesma coisa
Embora exista um discurso corrente de que quando o assunto é meio ambiente cada representante defende os interesses que lhe são caros – e de que os votos independem da linha de filiação partidária – os dados do Monitor apontam que, na realidade, existe uma clara diferença entre a forma como se posicionam os deputados de acordo com o espectro de suas legendas.
De acordo com levantamento de ((o))eco, realizado pela repórter Cristiane Prizibisczki, há uma tendência de representantes da Amazônia Legal votarem ambientalmente contra os seus territórios. Já os partidos que mais se opuseram aos PLs do Pacote da Destruição foram Rede, Partido Socialista Brasileiro (PSB), Partido dos Trabalhadores (PT) e Partido Democrático Trabalhista (PDT), considerados de esquerda.
No espectro oposto, os partidos que mais se posicionaram a favor dos PLs foram o Novo, Avante e Progressistas (PP), segundo dados do Monitor.
“Esta não deveria ser uma pauta meramente ideológica, uma vez que trata-se de algo fundamental para a sobrevivência de todos nós. É importante que exista um diálogo mais qualificado em relação a esses interesses, que não podem figurar como um simples campo de disputa entre correntes partidárias”, explica Mônica Sodré, cientista política e diretora executiva da RAPS – Rede de Ação Política pela Sustentabilidade .
De modo prático, porém, é possível verificar a persistência de uma tendência dicotômica: além da característica das legendas para os votos, é maciço um posicionamento uniforme, no qual os deputados se posicionam de forma homogênea em relação aos projetos de lei observados pelo Monitor, ora escolhendo “sim” para todos, ora se colocando de forma negativa a todos eles.
Resistência solitária
Em alguns cenários regionais e para alguns projetos específicos, a quase totalidade de votos a favor a determinados PLs coloca em evidência, ainda, lideranças políticas que fazem frente de maneira solitária ao avanço de agendas ambientalmente destrutivas.
Exemplos são Joênia Wapichana (REDE/RR), única representante entre os oito do estado de Roraima a votar contra o PL 2633/2020, que trata da regularização fundiária; Célio Moura (PT/TO), único dentre os oito deputados do Tocantins a se posicionar contra o PL 6299/2002, chamado de PL do veneno; Emanuel Pinheiro Neto (MDB/MT), único do Mato Grosso a votar não ao mesmo PL do veneno; e Pedro Uczai (PT/SC), sozinho entre os 15 deputados de Santa Catarina ao votar não contra todos os PLs, exceto no PL nº 191/2020, que trata da urgência para tramitar o PL da mineração em Terras Indígenas. Os deputados Carmen Zanotto (CIDADANIA/SC) e Carlos Chinodini (MDB/SC) também votaram contra o PL nº 191/2020.
No Amazonas, ainda segundo o Monitor, José Ricardo (PT) foi o único em meio aos oito representantes de seu estado a se posicionar negativamente a cada um dos PLs observados. Vale ressaltar que esses deputados também votaram “não”, de forma maciça, a todos os projetos monitorados.
A importância do voto ambientalmente consciente
As consequências de uma postura parlamentar ambientalmente negligente pode comprometer, segundo especialistas, outra pauta bastante cara ao país neste momento, a crise econômica.
“O Brasil, ao continuar com essa postura, literalmente perde dinheiro. A decisão desses políticos, que muitas vezes têm uma fala a favor de um certo tipo de desenvolvimento econômico, na verdade faz com que o país acabe perdendo dinheiro – estamos falando, por exemplo, do acesso a fundos internacionais e investimentos de nações desenvolvidas que, neste momento, estão correndo atrás de uma transição para uma economia de baixo carbono e que têm o contexto das políticas ambientais como critério”, complementa Mônica Sodré, da RAPS.
“O voto ambientalmente consciente pode ter impactos reais na vida das pessoas”, reitera Liuca Yohana, para quem ainda se faz necessário um trabalho mais consistente de conscientização política: “A importância das ferramentas de monitoramento para as eleições vai além de nos permitir perceber como votaram os deputados dentro de assuntos que nos são caros, por preservar o aspecto da transparência e da pluralidade. Para algumas pessoas, a pauta ambiental pode não interessar – ou pode ser ainda que alguns cidadãos sejam mesmo a favor de alguns desses projetos. O importante é que, ao observar essas diferenças e compreender esses funcionamentos, percebe-se também o quanto é fundamental o Estado Democrático de Direito. E deste, nós não podemos abrir mão”, finaliza Liuca Yonaha.
Fonte: O Eco
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