Projetos produtivos e pesquisas acadêmicas tentam colocar o país no mapa mundial do gás sustentável, apontado como o combustível do futuro
Brasil está fazendo um esforço para entrar no mapa global de produção de H2V (H2 de hidrogênio e V de verde), combustível limpo com potencial para atender demandas do setor elétrico e automotivo com baixo impacto ambiental. Até o final deste ano, a EDP Brasil, uma das empresas líderes do setor de energia no país, planeja iniciar as atividades em uma unidade-piloto de produção de H2V em São Gonçalo do Amarante, no Ceará. O hidrogênio será obtido por meio da eletrólise da água, um processo químico que utiliza corrente elétrica para decompor a água em seus constituintes, hidrogênio (H, formando H2) e oxigênio (O, formando O2) existentes na molécula de água (H2O). Quando o processo de eletrólise emprega fontes renováveis de energia, como eólica, solar ou biomassa, o hidrogênio é classificado como verde. A usina da EDP utilizará energia fotovoltaica e terá capacidade para produzir 22,5 quilos (kg) de hidrogênio por hora. O investimento previsto é de R$ 41,9 milhões.
Frequentemente apontado como o combustível do futuro, o hidrogênio tem alto poder calorífico, quase três vezes superior ao do diesel, da gasolina e do gás natural. Ao ser transformado em energia – alimentando um motor a combustão ou em qualquer outra aplicação –, não emite gases de efeito estufa (GEE). O hidrogênio residual liberado na atmosfera, em contato com o oxigênio, resulta em vapor-d’água.
Elemento mais abundante do Universo, o hidrogênio é raramente encontrado de forma isolada na Terra, mas está presente em inúmeros compostos, incluindo água, combustíveis fósseis e diferentes tipos de biomassa. A obtenção do gás, nesses casos, depende dos processos envolvidos. O mais comum deles é a reforma a vapor, uma reação química de hidrocarbonetos, comumente gás natural, com água. O hidrogênio produzido por essa via é denominado de cinza, uma vez que seu processo de conversão libera CO2 na atmosfera, ou azul, quando o gás carbônico gerado durante sua produção é capturado e armazenado geologicamente.
O hidrogênio verde produzido na usina-piloto cearense será utilizado para substituir parte do carvão mineral que abastece a Usina Termelétrica do Pecém (UTE Pecém). “É um projeto de pesquisa e desenvolvimento [P&D] que nos permitirá entender o ganho energético proporcionado pelo hidrogênio, com poder energético mais de quatro vezes superior ao do carvão”, diz Cayo Moraes, gestor de operação da EDP.
A usina-piloto de H2V também permitirá à companhia observar a viabilidade técnica, regulatória e econômica da produção do combustível. A expectativa é que a unidade forneça os subsídios necessários para a decisão sobre a implementação de uma planta em escala industrial no estado. Nesse caso, o hidrogênio poderá ser exportado para companhias energéticas europeias, gerar combustível veicular ou abastecer empresas industriais.
O projeto é visto por especialistas do setor energético como o primeiro de uma série de iniciativas voltadas à produção de hidrogênio verde no país. Apenas o governo do Ceará já soma 14 memorandos de entendimento com grupos privados interessados em produzir o combustível no estado. “Talvez nem todos se viabilizem. Mas se a metade dos acordos se tornar efetivo, teremos o equivalente a uma Itaipu em operação no Ceará entre 2025 e 2030”, declara Roseane Medeiros, secretária-executiva da Indústria da Secretaria do Desenvolvimento Econômico e Trabalho do Estado do Ceará (Sedet). A hidrelétrica de Itaipu, a maior do país, tem potência instalada de 14 gigawatts (GW).
Rio Grande do Norte, Piauí, Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul também informam possuir memorandos assinados com grupos geradores de energia. A corrida pela atração de projetos de produção de hidrogênio verde é global. Chile, Japão, Alemanha, Holanda, Estados Unidos, Coreia do Sul, Austrália e China são alguns dos países que anunciaram programas nacionais de estímulo ao desenvolvimento tecnológico e à produção de H2V.
Participação ínfima
O mundo soma 520 projetos de usinas de hidrogênio, segundo o Hydrogen Council, associação que reúne representantes dos maiores produtores do gás. Se confirmados, demandarão investimentos de US$ 160 bilhões. A estimativa da associação é que a produção do combustível ultrapasse 600 milhões de toneladas por ano (mt/ano) e responda por 22% da demanda mundial de energia em 2050, o que permitiria uma redução de 20% nas emissões de GEE no mundo. As projeções da Agência Internacional de Energia Renovável (Irena) são mais modestas. Para ela, o setor irá produzir 409 mt/ano em 2050, o que responderá, nos cálculos da entidade, por 12% da demanda global de energia.
Atualmente, a contribuição do hidrogênio na matriz energética mundial é ínfima. Praticamente todo o hidrogênio produzido, pouco mais de 100 milhões de toneladas anuais, é utilizado com finalidades químicas em processos industriais, como o refino de petróleo, na produção de fertilizantes, em siderúrgicas e na indústria química.
Especialistas preveem que o processo produtivo de H2V predominante nos próximos anos será o de eletrólise da água – o mesmo proposto para a usina-piloto cearense. Esse método será obtido principalmente por plantas equipadas com eletrolisadores (equipamentos responsáveis pelo processo de eletrólise) abastecidos por fontes de energia renovável, garantindo que todo o processo seja isento de GEE (ver infográfico).
Fonte: Pesquisa Fapesp
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