Para a Amazônia não é propriamente um beco sem saída como pode parecer, mas talvez seja a ocasião de se pensar no seu próprio arquétipo de desenvolvimento.
Por Juarez Baldoino da Costa
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O Procurador Dr. Alcebíades de Oliveira da Procuradoria Geral da Assembleia Legislativa do Amazonas, em trabalho que apresentou em agosto/2022 ao FOCOS – Fórum de Estudos Econômicos e Sociais para o Desenvolvimento Sustentável, grupo que tem o objetivo de discutir e elaborar propostas para o desenvolvimento do Amazonas, citou, sobre o estágio atual do desenvolvimento do estado, que permanece válida a afirmação de Samuel Benchimol de que:
“Numa região continental como a amazônica, a diversidade geográfica, a distância, a dispersão humana, a pobreza, a ausência de uma ciência e tecnologia florestal e tropical, fizeram acumular problemas, carências e dificuldades que tendem a perpetuar o famoso círculo vicioso da estagnação e subdesenvolvimento. Para romper esse quadro de necessidade, no médio e longo prazo, será preciso atacar tantas frentes que o investimento necessário seria superior às nossas próprias forças, tanto a nível regional ou nacional” (Benchimol – Manual de Introdução à Amazônia. Manaus, 1996, p. 14).
Alcebíades apresentou ainda o destaque que Ozório Fonseca (Pensando a AMAZÔNIA. Ozorio J. M. Fonseca. Manaus: Edit. Valer, 2011, p. 427) deu, quando citou a definição de Desenvolvimento Sustentável extraído do Relatório Brundtland (1987), de autoria da norueguesa Gro Harlem Brundtland, base para a ECO/92 e para a Rio +20:
“O que atende às necessidades do presente, sem comprometer a capacidade de as futuras gerações atenderem as suas próprias necessidades”.
Há 35 anos Brundtland propôs um caminho aplicável também e principalmente à Amazônia, mas decerto não imaginou que a cobiça humana se transformaria em um traço quase fisiológico, como o sexo e a nutrição alimentar, impedindo que haja espaço para preocupação com a indefinida expressão “futuras gerações”.
Há 26 anos Benchimol respondia às inquietudes, as mesmas de hoje, de quem se interessa em entender porque a Amazônia em mais de 50 anos não foi ainda “colonizada” pelo projeto de desenvolvimento a imagem do Sul brasileiro, e detém persistentemente níveis de IDH dos mais baixos, segundo o IBGE. No Amazonas, Manaus está fora desta análise por ter um desenvolvimento típico dos grandes centros com shoppings de porte, grandes edifícios para moraria, extensa malha urbana de mobilidade, espaços para grandes eventos esportivos, culturais e científicos, portos e aeroportos internacionais, e IDH acima da média. Como se sabe, este quadro manauara foi causado exclusivamente pela vitoriosa Zona Franca de Manaus e sua produção industrial, que preponderantemente não tem vínculo amazônico.
Benchimol reconheceu e alertou que desenvolver a Amazônia estaria “fora de nossas próprias forças”, e o IBGE publicou os índices de pobreza de 2020 que ratificam o alerta dado por um dos mais destacados e reconhecidos pesquisadores e pensadores da Amazônia.
Para a Amazônia não é propriamente um beco sem saída como pode parecer, mas talvez seja a ocasião de se pensar no seu próprio arquétipo de desenvolvimento. Imaginar que em cada cidade da hiléia, na expressão de Humboldt, deva ter uma estrutura urbana semelhante à de Manaus, é uma utopia econômica. Continuar querendo confrontar a geografia continuará provocando frustação.
No Amazonas, nas últimas 6 décadas, Alcebiades e tantos outros buscam entender porque tantos planos e programas de governo para desenvolver o interior não atingiram os resultados desejados. A resposta de Benchimol em 1996 parece clara e razoável.
O consciente amazônico para ser próximo da realidade e atingível, deve ser construído a partir do relevo regional, do viver do caboclo, e com a grandeza de saber recuar do orgulho dos erros identificados.
O protocolo para evolução da ciência prevê a sobreposição pelo novo fundamentado, e para contestar Benchimol e Brundtland ainda não há substitutos. E o conceito de Brundtland, que tem o título internacional de Mãe da Sustentabilidade, não tem ainda substituto porque não há razão em propor a uma mãe que considere haver algo mais importante do que os cuidados com os filhos, mesmo os de outrem. A cobiça pode não se preocupar em preservar as gerações futuras, mas não modificará a moral humana.
A explicação de Benchimol também não tem substituição porque ele descreveu, se baseou e escreveu sobre a realidade do lugar, e o lugar continua o mesmo: amplíssimo, diverso, desconhecido e com dispersão humana elevada.
Todos estamos livres e desafiados a apresentar outras visões a confrontar saudavelmente com Brundtland e Benchimol, porém, ao que parece, enquanto o lugar for assim, outros tantos 50 anos e planos se passarão sem que haja alteração, e quando houver, provavelmente o lugar não poderá mais se chamar Amazônia.
Mas se houver prosperidade suficiente, qual é o problema? Dezenas de países são prósperos e não têm Amazônia.
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