Grande parte da população do Acre depende da água do rio Acre para o serviço de abastecimento; com falta de chuvas e processo de degradação, manancial está em nível crítico
Em meio a uma crise hídrica que compromete o acesso à água potável das comunidades rurais e ribeirinhas, planos de governo e gestão dos pretendentes ao cargo de governador no Acre ignoram o problema.
Dois dos três candidatos líderes na pesquisa não apresentaram nenhuma proposta para enfrentar uma das mais graves questões ambientais do estado: a falta de chuvas durante os meses do “verão amazônico”, entre julho e novembro. Um dos candidatos aborda o problema, porém esquece de ações em sua própria gestão.
No Acre, a estiagem cada vez mais intensa compromete o nível dos mananciais e, muitas vezes, seca por completo os igarapés e açudes. Segundo o relatório AR6, publicado por cientistas do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), as secas no sul da Amazônia devem ficar cada vez mais intensas e prolongadas nos próximos anos devido às mudanças climáticas.
Hoje a solução das comunidades é buscar caminhões pipas. Em 2021, a Operação Estiagem, coordenada pela Defesa Civil da capital Rio Branco, atendeu a 17 comunidades da zona rural do município que ficaram sem acesso à água; este ano o número subiu para 21.
O número de pessoas que precisa de apoio para não ficar sem água potável cresce a cada ano no Acre. De 8,3 mil pessoas assistidas pelo fornecimento de água em caminhões pipas no ano passado, agora, em 2022, são mais de 14 mil. O serviço é feito com a instalação de caixas d’água de cinco mil litros em pontos estratégicos das comunidades.
A cena remete ao imaginário de uma cidade do semiárido do Nordeste, mas acontece em plena Amazônia. As caixas d’água são abastecidas pelo menos três vezes por semana e cada família leva seus baldes, galões e garrafões para serem cheios.
Para muitas comunidades, essa é a única água disponível para o consumo, já que outras fontes secaram. Ninguém pode encher seus reservatórios residenciais, pois outras casas ficariam sem o necessário para beber e cozinhar.
O baixo volume do rio Acre é um grande motivo de preocupação na região. O manancial é a única fonte de captação para atender aos mais de 419 mil moradores da capital Rio Branco. Também é a única opção para outras seis cidades localizadas às suas margens. Juntos, estes municípios concentram mais da metade da população acreana.
Nesta terça-feira, 6, o rio atingiu a marca de 1,36 metros. Está a seis centímetros do nível de vazante mais crítico já registrado, que foi de 1,30 m, em 20 de setembro de 2016. Naquele ano, essa parte da Amazônia era atingida por uma severa estiagem ocasionada pelo fenômeno climático El Niño, o que não se configura em 2022.
Além da crise climática, o processo de degradação das margens do rio Acre ao longo das últimas décadas também contribui para os níveis de vazante cada vez mais baixos. O manancial já perdeu grande parte de sua mata ciliar para a abertura de fazendas para a agropecuária. Há ainda casos de “desvios” do curso d’água para abastecer os açudes das fazendas de gado. A poluição resultante do esgoto despejado sem tratamento agrava o quadro.
Descaso político
A mitigação dos efeitos das mudanças climáticas aparenta não ser prioridade para a classe política, mesmo com parcela da população já sentindo os seus efeitos. A reportagem de ((o))eco analisou o plano de governo dos candidatos mais bem posicionados na pesquisa Ipec/Rede Amazônica, de 29 de agosto, e não encontrou, por exemplo, propostas para o fortalecimento do sistema estadual de Defesa Civil que ofereçam respostas rápidas e eficazes no enfrentamento a eventos como secas e enchentes extremas no Acre.
Nessa porção sul da Amazônia ocidental, os dois eventos passaram a ocorrer com mais intensidade e intervalo de tempo menores nos últimos anos. No começo deste ano, comunidades ribeirinhas e indígenas foram atingidas pelo transbordamento dos rios. Em 2021, ao menos duas cidades tiveram grande parte de seus perímetros urbanos inundados pelas cheias.
Líder na corrida para o governo com 51% da preferência dos eleitores, apenas o candidato à reeleição, o governador Gladson Cameli (PP), tratou de forma direta a situação do rio Acre. Em seu programa de governo, ele diz que investirá em obras de barragens e canais laterais para amenizar os impactos das secas e enchentes, além da contenção de deslizamentos das encostas. Ele também fala sobre a busca de alternativas para o serviço de abastecimento de água e tratamento do esgoto despejado no manancial.
Porém, apesar de reconhecer o problema, em quatro anos de mandato, Cameli não executou nenhuma grande obra para amenizar os impactos dos eventos extremos que já atingem as populações ribeirinhas.
O segundo colocado na pesquisa Ipec, com 27% das citações, o ex-governador Jorge Viana não faz menções a investimentos em ações de mitigação dos eventos climáticos extremos no Acre.
O plano do petista não trata de pontos relacionados a saneamento básico nem de investimentos para amenizar as oscilações extremas de nível do rio Acre, tampouco da recuperação de suas matas ciliares. A reportagem procurou a assessoria de imprensa do candidato para questionar suas propostas para estes campos, mas não houve respostas.
Na terceira posição em intenção de votos, com 6%, a candidata Mara Rocha (MDB) também deixa vazios em seu plano de governo os pontos para enfrentar as mudanças climáticas severas que já afetam o Acre. Sua única proposta para a crise hídrica é a promessa de “reduzir o déficit de saneamento básico na capital e no interior”, e expandir a rede de abastecimento. Falta dizer de onde irá tirar a água para isso.
Fonte: O Eco
Comentários