Mais um anúncio com pompa e circunstância foi feito na COP26 hoje: mais de 450 instituições financeiras de 45 países e com US$ 130 trilhões em ativos já se comprometeram a se tornar net zero até 2050.
Esse é o volume de recursos sob o guarda-chuva da Glasgow Financial Alliance for Net Zero, aliança criada em abril deste ano sob a coordenação de Mark Carney, ex-presidente dos bancos centrais da Inglaterra e do Canadá e um expoente das finanças verdes no mundo.
Na prática, a Gfanz nada mais é do que um apanhado de todas as outras alianças net zero do setor financeiro que já existiam ou foram criadas nos últimos meses, a dos gestores de fundos, a dos bancos, a das seguradoras e por aí vai. As gestoras de ativos respondem por US$ 57 trilhões dos ativos, os bancos com US$ 63 tri e US$ 10 trilhões são de investidores institucionais, como fundos de pensão.
Meses atrás a aliança tinha metade desse tamanho, com US$ 70 tri em ativos, e não é desprezível que em pouco tempo tenha se chegado à cifra atual.
Segundo o Gfanz, com esse grau de adesão, já haveria escala suficiente no sistema financeiro para conseguir destinar US$ 100 trilhões em recursos até 2050 para financiar os investimentos necessários em novas tecnologias de descarbonização.
Carney comemorou a façanha: “Agora temos o encanamento necessário para levar a mudança climática da periferia para a vanguarda das finanças, de modo que toda decisão financeira leve em conta a mudança climática.”
Embora os números impressionem e as falas sejam grandiloquentes, o jogo de financiar a transição da economia está longe de estar ganho. Na verdade, está só começando.
Em primeiro lugar, é preciso deixar claro que esses US$ 130 trilhões são os ativos totais detidos por bancos, seguradoras, gestoras, fundações. Não é dinheiro direcionado hoje para negócios verdes — e está longe de ser.
O que essas instituições todas fizeram foi se comprometer a, em 2050, ter portfólios de negócios com emissões líquidas zero de carbono.
A partir do compromisso assumido TRINTA ANOS antes do prazo final, em tese todas essas instituições agora têm de fazer o dever de casa: calcular qual a pegada de carbono dos seus portfólios de ativos, definir políticas para reduzir essa pegada, começar a usar a força do capital para estimular empresas investidas ou financiadas a reduzir suas emissões, condicionando os desembolsos a práticas sustentáveis.
Em conversas recentes com o Reset, por exemplo, Bradesco e Itaú, os dois únicos bancos de capital brasileiro que aderiram à aliança do setor até agora, disseram que estavam finalizando a fase de fazer o retrato das emissões dos clientes.
Na semana passada, o Itaú informou que 35 grupos econômicos do banco de atacado respondem por mais de 50% das emissões financiadas pela instituição e que 25 desses grupos econômicos já possuem compromissos voluntários de descarbonização, sendo que alguns, inclusive, já se comprometeram a ser “net zero” até 2050. O banco se comprometeu a cortar as emissões de sua carteira em 50% até 2030.
Segundo o Gfanz, cerca de 90 das 450 instituições já estabeleceram metas de curto prazo, incluindo 29 investidores institucionais que se comprometeram a reduzir as emissões de portfólio entre 25% e 30% até 2025, e 43 gestores de ativos que divulgaram metas para 2030 ou antes.
Muitos ativistas climáticos criticaram a divulgação da cifra superlativa, dizendo que a aliança permite a adesão de instituições que continuam a financiar projetos ou investir em empresas de combustíveis fósseis, sem ter nem ao menos uma política clara para acabar com isso ao longo do tempo. Segundo o Financial Times, Carney teria tentado obter o compromisso de cessar o financiamento a combustíveis fósseis, sem sucesso.
Como medir e reportar
Ainda há muitas dúvidas também sobre a padronização de critérios que as várias instituições irão seguir para contabilizar e reportar sua situação.
Muitos bancos têm usado a metodologia PCAF (Partnership for Carbon Accounting in Financials), parceria de mais de 160 instituições financeiras no mundo todo, focada em desenvolver metodologias harmonizadas para mensuração de emissões financiadas.
No relato climático, tem predominado o padrão da Task Force on Climate-related Disclosure (TFCD). E há algumas outras movimentações em curso.
A Science Based Targets Initiative (SBTi), instituição que certifica planos de descarbonização corporativos, atestando que estão alinhados a bases científicas, anunciou hoje que quer começar a dizer o que seria o ‘net zero’ do setor financeiro. E a International Financial Reporting Standards Foundation (IFRS), órgão de contabilidade global, lançou o International Sustainability Standards Board, para estabelecer padrões de divulgação climática globais para o sistema financeiro.
Veja aqui o documento com a íntegra do anúncio de hoje dos US$ 130 tri.
Fonte: Capital Reset
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