Comportamento epidemiológico da doença deve servir como alerta; alta exposição ao coronavírus não garante proteção por muito tempo
Marcus Lacerda
Países grandes tendem a ser mais ricos e mais influentes. Na lógica capitalista, o alto consumo interno faz crescer a economia, sem a dependência estrangeira. Na lógica militar, são mais soldados dispostos a lutar. Na minha lógica federativa, as experiências pelas quais cada estado passa deveriam servir de alerta para os demais. A maior vantagem de termos um país tão vasto é sua complementaridade, sua diversidade.
Entenda: O que deu errado em Manaus?
Com o Instituto Butantan, em São Paulo, e a Fiocruz, no Rio de Janeiro, poderemos produzir um número substancial de doses de vacinas contra a Covid-19, em território nacional. Com o apagão no Amapá, certamente aprendemos mais como proteger nossa rede de frio, a fim de não perdermos vacinas, que precisam estar refrigeradas.
E o que aprendemos com as tragédias da pandemia, em Manaus?
Se tivermos um olhar federativo, podemos evitar uma tragédia ainda maior no resto do Brasil. A Amazônia passa por sua sazonalidade de doenças respiratórias justamente nos primeiros meses do ano, portanto sempre houve aqui a necessidade de se vacinar contra o vírus influenza antes dos demais estados.
Trata-se do período mais chuvoso, aqui denominado “inverno amazônico”. Aprendemos que a logística de transporte de gases medicinais em locais mais isolados pode pegar os gestores de surpresa. Aprendemos, sobretudo, que uma alta exposição da população ao vírus não vai garantir proteção coletiva por muito tempo, porque o vírus se sentirá pressionado, e sofrerá mutações decisivas, aumentando a transmissão da doença.
Lamentavelmente hoje a discussão gira em torno do isolamento de Manaus, por causa da variante P1. O deslocamento de pacientes graves para outros estados, pelo governo federal e do Amazonas, tem sido visto como uma ameaça nacional, como se a variante já não estivesse espalhada por aí.
Minha mãe costumava dizer que não adianta trancar a porta depois que o ladrão entrou. Não custa lembrar que o primeiro alerta da nova variante foi dado a partir de turistas japoneses que retornaram ao Japão, provenientes do Amazonas. Se chegou ao Japão, será que não chegou ao nosso maior HUB aéreo, em Guarulhos, antes?
O negacionismo federativo nos fez acreditar que a corrupção no Amazonas foi pior do que no restante do país, que em Manaus se usa menos máscaras do que no Rio de Janeiro, e que as festas de fim de ano aqui foram mais animadas. Até o calor de Manaus virou desculpa para a mutação da variante já amplamente chamada de amazonense, pelos mesmos que criticaram o nome de vírus chinês.
Quando eu era pequeno, havia uma campanha nacional para conhecer a Amazônia. Meus tios de Brasília vinham aqui para comprar, a bons preços, aparelhos de videocassete. Essa foi a mesma época em que tínhamos de nos desviar de Goiânia, por causa do acidente com o césio 137, em uma clínica privada. Foi preciso uma campanha publicitária para que as pessoas voltassem à cidade: ‘Eu amo Goiânia, Goiânia me ama, e você?’
Na minha lógica federativa, se não aprendemos nada ainda com o modelo econômico da Zona Franca de Manaus, nem com o comportamento epidemiológico da Covid-19 por aqui, estaremos fadados como nação a repetir os mesmos erros, e ainda perder muitas vidas nessa tragédia anunciada. “Eu amo Manaus, Manaus me ama, e você?”
Publicado com autorização do autor
Fonte: O Globo
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