Há oito anos o agricultor Eduardo Darvin começou a implantar sistemas agroflorestais biodiversos em seu sítio Taboca, em Alta Floresta, no norte de Mato Grosso. Trabalhando de forma agroecológica, tem o foco na produção de frutos e raízes. Entre as espécies que encabeçam a produção estão mandioca, abacaxi, banana, inhame, cará, pupunha, açaí, cacau e café.
Biólogo por formação, ele também coordena o Programa de Negócios Sociais do Instituto Centro de Vida (ICV). Por meio da ONG, presta consultoria técnica em SAFs para cerca de 20 agricultores da região, auxiliando no planejamento, implantação, manejo e comercialização da produção.
O trabalho desenvolvido por Eduardo é um dos responsáveis pelo aumento da adoção de sistemas agroflorestais por agricultores familiares na região do Portal da Amazônia, em Mato Grosso.
“Os SAFs são o futuro da paisagem produtiva. O grande lance do SAF é trazer o elemento arbóreo para a paisagem produtiva da propriedade. Temos de fazer SAF para atender uma demanda de mercado, mas que se ajuste a realidade do produtor”, afirma.
Para Eduardo, a maior adoção de sistemas agroflorestais é consequência de um estímulo ao uso dessa tecnologia. Parte desse estímulo vem sendo feito pela Embrapa Agrossilvipastoril (Sinop-MT).
Desde 2011 a instituição iniciou um processo de capacitação continuada de técnicos e extensionistas rurais. Cerca de 100 pessoas passaram pelos dez módulos realizados. Um deles, inclusive, foi realizado no Sítio Taboca. Assim como Eduardo Darvin, um grupo de aproximadamente 30 desses técnicos capacitados estão ajudando a multiplicar o conhecimento adquirido e estão assistindo agricultores familiares de Mato Grosso.
Uma das tecnologias levadas pela capacitação é o AmazonSAF, uma planilha eletrônica que auxilia o planejamento da instalação de um sistema agroflorestal. A tecnologia desenvolvida há alguns anos pela Embrapa permite simular a renda e os custos com cada espécie. Com essas informações, o técnico e o produtor podem dimensionar o sistema, definir as espécies, a quantidade de mudas, sementes, insumos e mão-de-obra.
Por meio de projetos financiados pelo Pisa, Operação Arco Verde, Fundo Amazônia e pelo próprio Sistema Embrapa de Gestão, foi montada e conduzida uma unidade de validação e demonstração de tecnologias, onde culturas, cultivares e práticas de manejo foram validadas antes de serem divulgados para técnicos e produtores da região.
Diego Antônio, engenheiro florestal e coordenador das atividades, lembra que quando foram iniciados os trabalhos com SAF havia grande desconfiança até mesmo por parte de produtores. Muitos viam o SAF apenas como alternativa para recomposição de áreas de proteção permanentes degradadas (APPDs) em pequenas propriedades. Porém, com mais informações sobre tecnologias de produção, aumento da quantidade de exemplos bem-sucedidos e surgimento de políticas de incentivo, essa realidade começou a mudar.
“Fizemos muita transferência de tecnologia, mas também fazemos intercâmbio de conhecimento. Não só levamos, nós trocamos informações com os produtores, técnicos e gestores públicos. Isso nos aproxima deles”, destaca Diego Antonio.
Todo o trabalho desenvolvido pela Embrapa e parceiros como o Instituto Centro de Vida (ICV), Instituto Ouro Verde (IOV), ONF Brasil, Unemat, UFMT, entre outros, vem contribuindo para maior interesse e maior adoção dos SAFs na região. Conforme estimativa feita na avaliação de impacto da tecnologia elaborada pela Embrapa Agrossilvipastoril, a área com SAF na região norte de Mato Grosso aumentou, de 2016 até 2019, em cerca de 1.000 hectares, passando de 706 hectares, segundo o Censo Agropecuário, para 1700 ha. A maior parte dessa expansão se deu com SAFs biodiversos (veja quadro ao lado), conduzidos em transição agroecológica ou de forma orgânica, e cultivados fora de áreas de preservação permanentes degradadas.
O maior interesse pelos SAFs é percebido tanto nas demandas que chegam à Embrapa por meio dos canais de atendimento ao cidadão, como também pela procura por técnicos e pelo aumento de iniciativas e de políticas públicas de incentivo ao uso da tecnologia.
“Cada vez mais temos políticas públicas federais, como Fundo Amazônia, e estaduais, como o Programa PCI (Produzir, conservar e incluir), nas quais os SAFs ocupam espaço de destaque. Temos sido chamados a contribuir com elaboração de editais, como o REM Mato Grosso, e com a avaliação de projetos. Isso mostra que a influência vai além do desenvolvimento tecnológico em si, mas também da chancela da eficiência da tecnologia como forma de geração de renda aliada a preservação ambiental”, analisa Diego Antonio.
SAF
Os sistemas agroflorestais são formas de produção sustentável em que o cultivo de espécies agrícolas e arbóreas é feito de modo consorciado, visando imitar a sinergia que ocorre na natureza. Por se tratar de uma estratégia de uso do solo com cultivos perenes, os SAFs contribuem com o sequestro de carbono, melhorias dos atributos do solo, retenção e infiltração de água e redução de perdas de solo.
Os SAFs podem ser com uso de poucas espécies arbóreas, como no caso dos sistemas silvipastoris ou agrossilvipastoris, ou biodiversos, que são aqueles com utilização de uma grande quantidade de espécies. Este último é o sistema que vem sendo mais explorado pelos agricultores familiares do norte de Mato Grosso.
A maior variedade de espécies permite ao produtor diversificar as fontes de renda e escalonar a produção ao longo do ano. Nos SAFs da região são utilizadas espécies frutíferas como a banana, pequi, caju, cupuaçu, cacau, café, baru e castanheira; espécies florestais, exóticas ou nativas, como mogno africano, teca, eucalipto, ipê, jatobá, jequitibá, copaíba e cumaru; e espécies de serviços, como gliricídia, bordão de velho, ingá e amarelinho, entre outras
Avaliação de impacto
Calcular o impacto econômico da adoção da tecnologia na região norte de Mato Grosso foi um desafio considerando a dificuldade de ir a campo em meio à pandemia de covid-19. Conforme o analista de Transferência de Tecnologia da Embrapa Agrossilvipastoril Andrés Villafuerte, a avaliação de impacto foi feita com base na metodologia adotada pela Embrapa, que inclui uso do software AmbitecAgro , consulta a públicos externos, como técnicos, produtores e professores envolvidos com a temática. Porém, a etapa de visita a produtores e levantamento de informações in loco não foi possível ser executada.
Dessa forma, a equipe responsável utilizou como referência dados econômicos obtidos na unidade demonstrativa localizada dentro da Embrapa, em Sinop. Logo, a análise econômica se tratou de uma extrapolação, uma vez que cada SAF tem características individuais, com diferentes espécies e em proporções cariadas.
Pela extrapolação feita, estimou-se para 2020, o incremento de R$ 19.069.313 na economia quando comparada à pecuária leiteira, atividade que anteriormente era mais comum entre os agricultores familiares da região. Considerando o resultado individual de uma propriedade modal, com 40 hectares de SAF, obtém-se um lucro líquido mensal de R$ 1.800.
“Esse valor parece ser insuficiente para a manutenção de uma família no campo, de modo que a substituição de um hectare de pastagem pouco impactaria a renda. No entanto, o incremento de um hectare de SAF poderia aumentar a oferta de alimento na propriedade e gerar excedentes para complementar a renda”, explica Diego Antonio.
Outro fator importante a ser destacado é a geração de emprego. Enquanto uma propriedade padrão na região, com 40 hectares, demanda 0,05 homem/hectare, a mesma propriedade com SAF demanda 0,21 homem por hectare. Considerando o aumento da área com SAF na região norte de Mato Grosso, foram 160 novos empregos gerados nos últimos anos.
Conforme a análise de impacto da adoção dos SAFs em Mato Grosso, observou-se que, no período de 2016 a 2019, para cada R$ 1 investido na tecnologia pela Embrapa Agrossilvipastoril, foram injetados na economia estadual R$ 0,91 além do que seriam gerados pela tecnologia de pecuária extensiva anteriormente usada nessas áreas.
Novas iniciativas com SAF na região
Para isso, uma unidade de aprendizagem vem sendo conduzida dentro do campus da UFMT e é usada em visitas técnicas e em aulas práticas. O grupo ainda busca organizar uma cadeia de comercialização e distribuição de produtos produzidos pelos agricultores assistidos.
Em Alta Floresta, iniciativas do ICV e IOV levam assistência técnica e microcrédito aos produtores. Um sistema de economia solidária ajuda na comercialização e transporte dos produtos produzidos nos SAFs.
As duas iniciativas foram aprovadas em edital do Funbio e contam com recursos dos governos da Alemanha e do Reino Unido, por meio do REM Mato Grosso.
O Programa Global REDD Early Movers (REM) (REDD para Pioneiros pela sigla em Inglês) é uma iniciativa de remuneração de serviços ambientais. Premia nações ou estados comprometidos com a redução de emissões de CO2 por meio de ações de conservação de florestas. Mato Grosso passou a ser beneficiado pelo programa em 2017 devido à redução de mais de 90% do desmatamento no período de 2004 a 2014.
Fonte: Embrapa
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