Técnica de plantio pode tornar possível o cumprimento das metas climáticas de restauração florestal
O reflorestamento é uma das grandes apostas para combater a crise climática. Cidades ao redor do mundo anunciam grandes metas de plantios para as próximas décadas. Um famoso estudo, publicado pela revista Science em 2019, afirmou que plantar 1,2 trilhão de árvores seria suficiente para armazenar o dióxido de carbono equivalente a uma década de emissões de dióxido de carbono. Mas, como atingir uma meta tão ambiciosa? Para a empresa PRETATERRA, o segredo está na sabedoria das sementes ou mais precisamente na muvuca de sementes.
Dedica à disseminação de sistemas agroflorestais regenerativos, a PRETATERRA se uniu à empresa de restauração ecológica Baobá Florestal para implementar agroflorestas usando a muvuca. Abaixo a instituição explica como funcionam tais métodos, os benefícios ambientais e econômicos, assim como a aplicação em um projeto de restauração da Mata Atlântica, financiado pela UBS Optimus Foundation, em Timburi, interior de São Paulo:
Os sistemas agroflorestais (SAFs) permitem a restauração florestal aliada à produção agrícola, à soberania alimentar e à geração de renda para o agricultor. Uma técnica amplamente utilizada pela PRETATERRA para a implementação de agroflorestas, é a “muvuca de sementes”. De origem indígena, a palavra “muvuca” significa mistura. No contexto dos SAFs, ela é composta por sementes agrícolas e florestais, homogeneizadas por areia, terra ou substrato.
“Conheci a muvuca em 2002 com o Ernst Götsch, no início da minha formação acadêmica. Lembro que ele calculava as quantidades de sementes e substratos com base na média da fitofisionomia que estava sendo restaurada na sua agrofloresta de cacau, na Bahia. Ernst plantava a muvuca carregando, nas costas, um saco com abertura numa das pontas. Aquilo pra mim foi apaixonante e, na época, replicamos essa técnica em Guaraqueçaba, litoral do Paraná, em projetos de conservação e educação ambiental para crianças”, lembra Valter Ziantoni, cofundador da PRETATERRA.
Ao longo dos anos, muita coisa aconteceu. Profissionais como Paolo Sartorelli, da Baobá Florestal, sistematizaram esse conhecimento, tornando-o mecanizado e escalável. Hoje a muvuca pode ser plantada de forma manual, semi-mecanizada ou mecanizada, tornando-a viável para SAFs de qualquer tamanho. A muvuca é capaz de implementar, com sucesso, uma árvore por metro quadrado, perfazendo 10 mil árvores por hectare.
No plantio com muvuca observamos, desde o início, uma densidade alta de árvores jovens e plantas de adubação verde que protegem o solo do sol e do vento, criando um microclima sombreado e úmido para as sementes que germinam mais lentamente. A interação entre os microrganismos nas raízes de cada espécie complementa as necessidades nutricionais das árvores em formação, além de aumentar a fertilidade do solo. A essa sinergia de processos naturais é atribuída a capacidade da muvuca de estabelecer de duas a dez vezes mais árvores por área, por até um terço do custo de um plantio feito apenas com mudas.
“A primeira fase na implementação da muvuca é o diagnóstico ambiental para entendermos o contexto da área: em que bioma está inserida, qual era o ecossistema original, qual o potencial de regeneração natural, histórico de uso e ocupação do solo. Com base nesse conhecimento, listamos as espécies nativas regionais e calculamos a quantidade de sementes para cada uma em função do seu tamanho. As etapas seguintes incluem o preparo do solo para diminuição da biomassa de capins exóticos; controle dos capins de 20 a 30 dias depois; abertura das linhas para o plantio, distribuição e incorporação das sementes ao solo e, finalmente, controle dos capins que vierem a crescer na área aos 30, 60 e 90 dias pós-plantio.” explica Sartorelli. Quando passível de mecanização, é possível implantar centenas de hectares de muvuca em um só dia! Vale lembrar que todo o processo deve acontecer no período chuvoso. Caso não haja eventos extremos como geada, fogo ou pisoteio das mudas por animais, a muvuca dispensa o replantio e não há necessidade de irrigar as plantulas”, complementa.
Além da diversidade de sementes, a muvuca permite uma gama extensa de aplicações, desde a horta agroflorestal até a restauração de Áreas de Preservação Permanente e Reservas Legais. Neste sentido, a muvuca se encaixa perfeitamente: com uma linha de semeadura direta e uma linha de mudas, a agrofloresta “muvucada” atende perfeitamente à lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012, pois haverá uma linha de plantio para restauração e outra para produção. A composição varia de acordo com o bioma e o ecossistema onde o sistema produtivo será implantado e com os objetivos do produtor rural.
A cadeia da restauração como solução social
A restauração da paisagem com a agrofloresta estimula uma cadeia produtiva de regeneração ambiental que envolve povos indígenas, produtores rurais, agricultores familiares e urbanos, empreendedores e entusiastas. Com a regulamentação da Instrução Normativa nº 17, de 26 de abril de 2017, estabelecida pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), a venda do mix de sementes é permitida, gerando renda aos coletores.
Detentores de um conhecimento prático e tradicional da localidade em que vivem e da vida rural, os coletores facilitam a localização e o preparo dos insumos necessários no processo. Além disso, a muvuca de sementes tem uma enorme capacidade de inclusão de gênero: as redes de sementes são compostas, em sua maioria, por mulheres (60 a 90%). “O feminino tem um papel fundamental no sucesso da restauração ecológica com a muvuca. Na minha experiência, esse recorte de gênero reflete nitidamente na qualidade, quantidade e riqueza de espécies coletadas”, relata Sartorelli.
No projeto agroflorestal para a Mata Atlântica em Timburi, região paulista produtora de café e abacate, a muvuca de sementes será usada como técnica principal nas áreas onde o objetivo é a restauração ecológica e a proteção de nascentes. Nas áreas de produção agrícola, ela será uma estratégia de enriquecimento das entrelinhas, complementando o plantio com as mudas e auxiliando na condução da regeneração natural. O processo será mecanizado desde o preparo do solo, controle de capins exóticos, até o plantio propriamente dito. As espécies semeadas são nativas regionais como pau d’alho, jatobá, capixingui, timburi, pau-pólvora, mutamba e jacarandás, totalizando cerca de 90 espécies.
Para contribuir com o avanço científico dessa técnica tão versátil, a PRETATERRA vem calculando as quantidades médias de sementes de cada espécie que compõem a muvuca, de forma muito acurada e contextualizada, usando medidas como peso, densidade e número de sementes por quilo e paralelos e respostas entre sementes ortodoxas e recalcitrantes. Também é estimado o número de indivíduos esperado num dado sistema para espécies pioneiras, intermediárias, secundárias, secundárias tardias e clímax”, conta Paula, cofundadora da PRETATERRA. “Detemos o maior knowhow em cálculo e sistematização do uso da muvuca em sistemas agroflorestais já criado e, estamos dispostos a compartilhar esse conhecimento”, complementa.
“Integrar essa tecnologia à agrofloresta possibilita utilizá-la na restauração da paisagem. Nos nossos designs contemplamos uma área com agrofloresta modular, replicável e elástica com muvuca nas entrelinhas e trabalhamos outras áreas com nascentes e cursos d’água onde fazemos muvuca também, otimizando o custo-benefício. Usamos a muvuca de sementes como estratégia complementar ao plantio com mudas e gostamos muito porque ela traz esse tripé ecológico, socioambiental e econômico. É um método de restauração revolucionário, pois cria pontes entre pessoas, ecologia, agricultura e economia”, finaliza Ziantoni.
Fonte: CicloVivo
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