Estudo publicado na revista “Environmental Science & Technology” estabeleceu um ranking de prioridades de restauração de acordo com a cultura agrícola local
Várias culturas agrícolas dependem da polinização feita por animais nativos como abelhas, moscas, borboletas, besouros, aves e morcegos. Um cálculo feito em 2018 no Relatório Temático sobre Polinização, Polinizadores e Produção de Alimentos no Brasil estimou que a polinização gere um valor econômico de 43 bilhões de reais por ano na agricultura. Contudo, esses polinizadores dependem da vegetação nativa perto de áreas cultivadas para sobreviver e maximizar os serviços de polinização, aumentando assim a produtividade agrícola. Em artigo publicado na revista “Environmental Science & Technology” na segunda (23), 21 pesquisadores do Centro de Síntese em Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (SinBiose) mapearam a importância dos polinizadores para a agricultura em cada um dos municípios brasileiros. Eles mostraram que a polinização resulta em um aumento de até 100% da produção agrícola, dependendo da cultura, trazendo maior retorno financeiro.
O objetivo principal da pesquisa foi identificar cenários nos quais os esforços de restauração resultariam em benefícios diretos tanto para a recuperação da biodiversidade quanto para a produção agrícola, por meio do mapeamento da demanda por polinização de culturas agrícolas em relação ao déficit de vegetação natural entre os municípios. Os pesquisadores analisaram, em cada município brasileiro, o papel dos polinizadores em 90 cultivos que vão desde abóbora e cacau, cuja produção aumenta até 100% com a presença desses animais, até a uva, soja, laranja e café, cuja produção pode aumentar entre 10 e 40%, analisando aumento da produção e retorno monetário. A partir de dados de produção agrícola e áreas de cultivo, os municípios foram classificados em quatro faixas de demanda por polinização. Os pesquisadores, então, verificaram a importância dos cultivos para cada município, incluindo a diversidade agrícola dos locais caracterizados pela monocultura e grandes propriedades àqueles com maior diversidade de cultivos característicos de pequenas propriedades rurais.
O estudo também identificou a demanda de restauração de áreas naturais para garantir a presença de polinizadores nos cultivos agrícolas, analisando o déficit de vegetação natural de cada município, isto é, a diferença entre a quantidade de vegetação natural existente e as áreas exigidas por lei, e classificando-os de acordo com esse déficit. De um lado, aqueles que têm poucas áreas de vegetação natural e precisam de um maior esforço de restauração. Do outro, os que já contam com áreas de vegetação natural e, portanto, precisam conservá-las para garantir o excedente da produção agrícola resultante da presença de polinizadores. A partir da correlação entre essas métricas foi elaborado um ranking de prioridades para restauração e conservação da vegetação natural que tenham como foco a importância da polinização para cada localidade.
De maneira geral, áreas muito desmatadas, como o arco do desmatamento da Amazônia e a Mata Atlântica, coincidiram com uma forte demanda por polinização de culturas. Cidades como Anápolis (GO) e Alta Floresta (MT), que estão na zona de expansão da soja, Ilhéus (BA), na zona cacaueira, ou Itapeva (MG), na zona produtora de café, são municípios com recomendação de alta prioridade para restauração de suas áreas de vegetação natural tendo como foco o aumento da polinização e, portanto, de suas produções agrícolas. Já Apuí (AM), Xique-xique (BA) e São Félix de Balsas (MA) são municípios cuja recomendação é a prioridade da conservação de suas áreas de vegetação para garantir, assim, a produção agrícola local.
((o))eco conversou com Pedro Bergamo, pesquisador do Jardim Botânico do Rio de Janeiro e primeiro autor do estudo, para obter mais detalhes sobre a publicação.
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((o))eco: Qual a importância da polinização para a agricultura brasileira e como surgiu a ideia da pesquisa?
Pedro Bergamo: A polinização é de extrema importância para nossa agricultura, pois os polinizadores podem aumentar a produtividade de commodities de exportação como a soja, ou de grande importância para mercado externo e interno como o café, cacau e a laranja. Além disso, os polinizadores também aumentam a produtividade de diversos legumes e frutas do nosso dia-a-dia (abobrinha, berinjela, morango, etc.). Além da importância direta em nossa economia, um serviço de polinização estável também aumenta a estabilidade da produção. Investir na polinização traz benefícios e retornos econômicos imediatos, mas também existem benefícios em segurança alimentar, com consequências diretas para grandes, médios e pequenos produtores.
A pesquisa surge como consequência do Relatório Temático Sobre Polinização, Polinizadores e Produção de Alimentos no Brasil. Parte da equipe do relatório agora integra a equipe SPIN (Synthesis on Pollination Intensification), um projeto de pesquisa vinculado ao Sinbiose/CNPq. O projeto SPIN envolve uma equipe maior e transdisciplinar, com o objetivo de integrar questões ecológicas dos serviços de polinização com questões de uso da terra, restauração, economia e percepção dos produtores.
O Brasil é, ao mesmo tempo, um dos maiores produtores agrícolas e detentor da maior biodiversidade do planeta. Como conciliar produção de alimentos e conservação da biodiversidade para garantir a sobrevivência dos polinizadores e, consequentemente, a produtividade agrícola?
O Brasil tem potencial de implementar políticas inovadoras e se colocar na ponta desta questão. Existem múltiplas contribuições da natureza para a nossa agricultura, sendo regulação do clima, solos, polinização e controle biológico algumas delas. A influência positiva dessas contribuições na produtividade e estabilidade da produção agrícola é cada vez mais clara. Precisamos de planejamento integrado do uso da terra, para criarmos paisagens funcionais tanto do ponto de vista da conservação como da produtividade agrícola. Já temos informação suficiente para não depender mais de expansão desenfreada de terras agrícolas e focar em melhorar as paisagens agrícolas atuais por meio das contribuições da natureza.
Se o serviço de polinização aumenta a produtividade agrícola em até 100%, dependendo da cultura, como envolver os produtores para garantir a manutenção de florestas e restauração de áreas com déficit de vegetação natural?
O assunto da polinização está cada vez mais em voga, inclusive entre os produtores. Porém, ainda podem existir muitas dúvidas pelos produtores em aplicar conhecimentos gerados em outros contextos. Vejo dois caminhos: o primeiro, de integrar os produtores em projetos científicos visando entender os benefícios dos polinizadores e da vegetação em suas propriedades e contextos locais. Segundo, a implementação de políticas públicas que incentivem economicamente os produtores a conservar e restaurar, para fomentar a implementação de ações de conservação e restauração de longo prazo.
O artigo defende que sejam desenvolvidas políticas ambientais específicas para atender as particularidades de cada localidade ou município. Como isso poderia ser feito?
A política ambiental federal é importante para balizar as ações de conservação. Já possuímos ferramentas para produzir informações importantes a nível local, como fizemos em nosso artigo, para refinar as diretrizes das ações de conservação. Além disso, é necessário produzir informação de campo local, para os produtores poderem tomar decisões em suas propriedades. O desenvolvimento de políticas locais também passa por identificar as oportunidades para conservação e restauração em cada local, ao envolver a estrutura de governança local (ambiental e agrícola), extensão rural e parceiros locais (por exemplo, ONGs e empresas).
A publicação mostra que usar requisitos legais já existentes, como a Lei de Proteção da Vegetação Nativa ou “Novo Código Florestal” (Lei 12.651, de 25 de maio de 2012), permitiria o sucesso das políticas de gestão do uso da terra para garantir a sustentabilidade e a produção agrícolas. Na sua avaliação, falta implementação das leis existentes?
Sim. As estimativas de déficit de vegetação mostram a falta de cumprimento da Lei de Proteção da Vegetação Nativa. Além disso, os recentes desmontes da estrutura de fiscalização ambiental estão levando a devastação massiva em todo o Brasil. Portanto, apesar de temos legislação inovadora sobre conservação e restauração em propriedades agrícolas, estamos retrocedendo na sua implementação e fiscalização.
Fonte: O Eco
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