Um pirarucu encontrado morto nas margens do Rio Caloosahatchee no Parque Cape Coral’s Jaycee, na Flórida (EUA), gerou alerta no governo americano sobre possível desequilíbrio ambiental. O biólogo peruano Guillermo Estupiñán avalia que se trata de manejo inadequado da espécie típica do Amazonas.
Em artigo sobre o episódio nos Estados Unidos, Guillermo Estupiñán alerta sobre os cuidados com manejo de espécies de uma região em outros países. Confira o artigo na íntegra.
O pirarucu do mundo
Guillermo Estupiñán
Nos últimos dias muitos meios de comunicação noticiaram um misterioso acontecimento nos rios da Flórida, nos Estados Unidos da América: um pirarucu foi encontrado morto na beira do Rio Caloosahatchee nos limites do Parque Cape Coral’s Jaycee.
Muito se falou a respeito dede tema, afinal, o que um pirarucu estaria fazendo por aquelas águas e como chegou até lá? O pirarucu já está disseminado nos USA? Haverá um desequilíbrio ecológico na região? E o manejo do pirarucu na Amazônia, estaria ameaçado?
Bom, vou contar a vocês que o pirarucu já não ocorre apenas na Bacia Amazônica, onde ocorre naturalmente e tem ampla distribuição. Sua utilização em criadouros em outras bacias não só no Brasil, transformou-o também em espécie invasora. Por exemplo, na porção da Amazônia boliviana onde não ocorria naturalmente, foi introduzido em fazendas de piscicultura de onde escapou e acabou por se dispersar por rios onde não ocorria, e fora da Amazônia, sendo o mesmo registrado em bacias e estados brasileiros no Sudeste e Centro-Oeste.
A principal causa desta dispersão descontrolada é o manejo inadequado que permitiu escapes de indivíduos de estações de piscicultura ou mesmo descarte acidental ou intencional de peixes comercializados para fins ornamentais/aquariofilia.
Dentro deste contexto, vou focar em algumas questões sobre como um pirarucu pode ter chegado naquela região e gerar algumas discussões na web.
O pirarucu (Arapaima spp.) é o maior peixe amazônico conhecido e muito apreciado na culinária da região que por bastante tempo sofreu exploração intensa e teve suas populações reduzidas e a manutenção de seus estoques ameaçada pela sobrepesca desde o século XIX chegando a ser considerada comercialmente extinta nas proximidades de grandes cidades na década de 1970.
Dentro deste cenário medidas de proteção foram propostas e implementadas e em 1996 sua pesca foi completamente proibida no Brasil e atualmente sua captura é permitida apenas em Unidades de Conservação, Terras Indígenas e áreas manejadas com Acordos de Pesca, em todos os casos dependendo da aplicação de um sistema de manejo controlado, além dos que são produzidos em pisciculturas.
Em 1999, após a realização de pesquisas que validaram um método tradicional de contagem de pirarucus em lagos de várzea na RDS Mamirauá, no médio Solimões, associado a uma organização comunitária forte e interesse em recuperar esta espécie o Ibama autorizou uma cota de captura de 3 toneladas de carne (aproximadamente 120 pirarucus) beneficiando 4 comunidades ribeirinhas.
Era o inicio do estabelecimento do maior sistema de manejo pesqueiro da Amazônia, que hoje é implementado em mais de 30 áreas (entre Unidades de Conservação, terras Indígenas e Acordos de Pesca) envolvendo mais de 4 mil pescadores e pescadoras que, anualmente, têm autorizações de cotas de captura de aproximadamente 60 mil peixes, produzindo em torno de 2 mil toneladas de pescado e gerando uma renda bruta de mais de R$7 milhões.
Estes indicadores demostram que medidas de conservação ambiental com sistemas de manejo, vigilância e monitoramento associados com arranjos de governança e parceiras fortes entre comunidades locais, sociedade civil organizada e governos trazem excelentes resultados ambientais, sociais e econômicos.
Mas o pirarucu do manejo no Brasil atualmente abastece o mercado local, regional e novamente ganhando espaço em nível nacional, mas também tem potencial para ser comercializado com maior volume fora do país, tanto para fins alimentícios como ornamentais, cimo vem ocorrendo em maior quantidade em países vizinhos como o Peru.
Em 1975 o pirarucu foi incluído no Apêndice II da Convenção sobre Comércio Internacional das Espécies de Flora e Fauna Silvestres em Perigo de Extinção – CITES, que lista espécies que não estão necessariamente sujeitas à extinção, mas que podem vir a ser extintas caso o comercio internacional não seja controlado. Cites então recomenda que os países da sua área de ocorrência natural implementem e melhorem os sistemas controle e registro do comercio internacional, tanto de exportação como de importação.
Esta exportação pode ser tanto de carne como de peixes vivos, que podem ser utilizados na piscicultura para consumo e para uso ornamental.
Por conta disso o pirarucu pode ser encontrado em diferentes países nas prateleiras de mercados, em restaurantes e em aquários com fins científicos e ornamentais cujo comercio é controlado pelos países que participam da CITES.
Apesar das recomendações e cuidados para um controle deste comercio ainda é difícil ter um registro do que de fato sai da região por conta do Tráfico Internacional de Vida Silvestre, principalmente nas fronteiras amazônicas.
Assim, o famoso pirarucu da Flórida pode ser provavelmente algum individuo proveniente de algum aquário da região e o fato de ter sido encontrado morto, pode demonstrar que o mesmo tenha sido solto ou escapado e não resistiu à mudança de ambiente. No entanto, há a possibilidade de também já ser um indivíduo nascido nos rios da região, mas para se confirmar esta segunda hipótese, mais indivíduos precisariam ser encontrados e uma avaliação mais minunciosa ser efetuada para se entender se o mesmo já estaria se adaptando e se reproduzindo na região, indicando uma introdução de espécie exótica que sim deveria gerar mais preocupações (ambientais e socioeconômicas) e medidas de controle.
Guillermo Estupiñán é biólogo formado pela Universidade Federal do Mato Grosso e mestre em Biologia de Água Doce e Pesca Interior pelo Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia). Desenvolve ações de manejo e conservação de recursos pesqueiros e paisagens aquáticas na Amazônia pela Wildlife Conservation Society – WCS Brasil.
Fonte: Amazonas Atual
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