Com seu raciocínio cirúrgico e rigor nos argumentos, Higuchi analisa os discretos avanços e muito desperdício de energia. E faz alguns alertas, demonstrando porque o Brasil não tem estratégias para enfrentamento da questão climática. Confira a entrevista, e entenda porque o cientista concorda com a ativista Greta: a COP26 foi muito blá, blá-blá-blá!!!
Alfredo Lopes
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BrasilAmazôniaAgora – A dramaticidade colocada pelos anfitriões da COP26 teve, na sua opinião, efeito prático e factível para gestão da mudanças climáticas?
Niro Higuchi – Se fosse a segunda COP depois da Convenção do Clima de 1992, ou seja, num intervalo entre COPs de 15 anos, a dramaticidade seria oportuna. Em COPs anuais, essa dramaticidade não consegue revelar o tamanho do perigo da mudança do clima ocorrida a partir de 1880. Neste caso, eu sou obrigado a fazer coro com Greta Thunberg. Muito blá blá blá e muitos recursos despendidos (em geral, do contribuinte), sem contar com mais emissões de gases de efeito estufa (GEE) para a atmosfera. Os “side events” em tempos de pandemia e de mudança do clima, são dispensáveis.
A figura 1 mostra que há relação entre emissões de GEEs e aumento de temperatura de superfície, mas com efeito retardado. Um exemplo disso é o fato que em 2020 houve uma diminuição de 5% de emissões, mas a temperatura foi a segunda maior desde 1880. Isso pode significar que as emissões de hoje podem impactar a temperatura por mais alguns anos pela frente. Esse comportamento pode transmitir uma sensação de impotência àqueles que promovem a redução de emissões. Isso pode não ser saudável já que o mundo precisa diminuir o consumo e, consequentemente, as emissões de GEEs.
BAA – Os acordos endossados pelo Brasil de reduzir 30% das emissões de metano até 2030 e desmatamento zero até 2050 são viáveis são vitais/essenciais para redução da temperatura da Terra?
Niro Higuchi – São viáveis hoje. Isso é vital para o Brasil, mas não para a redução da temperatura da Terra. O desmatamento está destruindo a principal riqueza do Brasil, que é a biodiversidade.
A figura 2 ilustra o tamanho do problema com emissões de GEEs que o Brasil teria pela frente. Essas duas metas estão relacionadas com pecuária e desmatamento, que somados totalizam 8% das emissões globais, em queda; ainda sobrariam 92% das emissões que precisariam de solução. A tecnologia foi a principal responsável pelo desequilíbrio entre remoções e emissões de GEEs e eu tenho certeza de que a solução virá da tecnologia. O meu neto mais novo depois de formado, por exemplo, não deverá ser proprietário de um veículo automotor para a sua mobilidade; mesmo se for, o veículo não deverá ser movido por combustível fóssil. No setor de AFOLU (Agricultura, Floresta e Outros Usos da Terra), por exemplo, a utilização do papel está em baixa e a produtividade da agropecuária está em alta.
BAA- Com um país economicamente quebrado, vc acha que o Brasil avança em algum de seus compromissos? Quais são seus prognósticos?
Niro Higuchi – No Brasil, os três poderes da República estão sem estratégias para o cumprimento de acordos sobre o clima. Por justiça, isso não é um privilégio do Brasil em se tratando de mudança do clima global. As soluções para controlar as emissões brasileiras relacionadas com a agropecuária (desmatamento, inclusive) demandam pouco recursos. Com foco, desejo e tecnologia, a solução virá. Talvez, o grande dificultador seja o excesso de gente dando palpites sobre o tema; a ilusão do conhecimento é mais séria do que as fakes news. Até o papa Francisco resolveu dar palpites sobre a Amazônia. Chegamos em 2021 com a COP26 preocupados com as emissões de GEEs, que não param de aumentar. Fui ao Web of Science (12/11/2021) para uma busca com “climate change” e encontrei mais de 325 mil artigos publicados; para “Amazon deforestation”, foram 3.517 artigos. E as emissões continuam aumentando. Até quando? Sem foco e sem organização, as temperaturas tendem a aumentar até o início do próximo período glacial.
BAA – Para a Amazônia, transformada em vedete de importância indefinida, sobrou alguma esperança de alguma encrenca ser consertada? Por que o MFS não ganhou espaço de alternativa sustentável de exploração/proteção da floresta?
Niro Higuchi – A floresta remanescente na Amazônia ainda cobre uma área de mais de 300 milhões de hectares. A abundância sempre foi uma péssima referência para a gestão de recursos florestais. Assim foi no Japão no início do século XVII e na Suécia e na Alemanha no início do século XIX. Acabaram com as florestas nativas para depois praticarem o manejo florestal sustentável (MFS). Algumas civilizações, praticamente, desapareceram com o mau uso dos recursos florestais (os Rapanuis da Ilha de Páscoa, os Anasazis do Cânion Chaco do Novo México – EUA – e os maias de El Petén na Guatemala). Antecipar-se à escassez é preciso. Esses exemplos não podem ser negligenciados. No Brasil, há leis e algum conhecimento. A própria floresta é um bem de interesse comum a todos os brasileiros (Código Florestal) e a Amazônia é um patrimônio nacional (Constituição de 1988). Os discursos são maduros, mas as práticas estão verdes. O MFS na Amazônia é uma questão de foco e desejo de implementar. A minha intuição diz que ainda verei o MFS sendo implementado na Amazônia.
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