Para psicólogo, história de Boris Casoy, que iniciou curso de veterinária aos 80 anos, é importante exemplo para outros idosos
Após anunciar que, aos 80 anos, havia voltado a frequentar uma universidade, o jornalista e apresentador Boris Casoy virou a banca e, em vez de noticiar, tornou-se notícia. Isso porque, ao se matricular e iniciar o curso de veterinária, ele pôs em xeque o mito de que, aos mais velhos, no lugar de quaisquer expectativas para o futuro, deveria restar apenas uma passiva postura de contemplação do passado.
Ao contrário do que pressupõe essa lógica, Casoy não se furta ao direito de fazer planos – assim como outros mais de 33 mil idosos que também estão matriculados em cursos de graduação no Brasil, conforme censo do ensino superior de 2019 do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade). “Estou realizando um sonho e espero terminar o curso e clinicar. Vou frequentar as aulas normalmente quando voltarem ao presencial, tanto que fiz questão de procurar a faculdade mais próxima da minha casa”, disse o octogenário em uma entrevista.
Mas, em um universo de mais de 32 milhões de pessoas com mais de 60 anos, segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2017, a verdade é que histórias como a de Casoy ainda são uma exceção no país.
O psicólogo social Cláudio Paixão Anastácio de Paula explica que uma série de fatores sociais, culturais e econômicos inibem os idosos de olhar para o futuro. Falando detidamente sobre os aspectos socioculturais, que são o foco desta reportagem, ele explica ser comum que pessoas mais velhas convivam com sentimentos de culpa e arrependimento por conta de escolhas feitas no passado e se percebam em uma condição em que acreditam não ter mais o que fazer.
“Esses sujeitos manifestam um tipo de remorso que tem particularidades, lamentando menos pelo que fizeram e mais por decisões que não tomaram”, expõe.
“Alguém que passou anos em um trabalho ou em uma relação que considera ruim pode pensar: ‘E se, na juventude, eu tivesse pedido demissão e corrido atrás daquele meu sonho, será que eu seria mais feliz hoje?’ ou ‘e se eu tivesse terminado esse casamento anos atrás, será que minha velhice seria melhor ao lado de outra pessoa?’”, cita, acrescentando que, ao mesmo tempo, ainda que se sinta infeliz por pensar que é tarde demais para tomar uma atitude, essa pessoa pode insistir naquela relação ou continuar naquele trabalho.
O psicólogo Wellington Amaral, especializado em gestão em saúde e que trabalha com o público idoso, também percebe esse fenômeno. “Com a chegada da terceira idade, pode haver um declínio emocional, assim como o cognitivo. Por isso, sentimentos como frustração, medo e privação passam a ser manifestados com mais frequência. É nesse contexto que vemos ampliar as manifestações de culpa sobre algo que aquela pessoa não fez, que vem sempre acompanhada de uma ideia introjetada de que não há mais tempo para tomar uma atitude”, detalha.
O ‘tarde demais’ pode chegar mais cedo.
Para alguns grupos sociais, a sensação de ausência de perspectiva de futuro em função da idade chega mais cedo. Sobre esse fenômeno, a terapeuta ocupacional Patrícia Catarina, especializada em saúde mental e mestre em gerontologia social, propõe um recorte de gênero. Habituada a trabalhar com mulheres com mais de 40 anos, a mentora lamenta que muitas delas cheguem a essa idade duvidando de si. “Muitas têm a ideia de que não há mais tempo para mudanças ou para se começar algo novo”, pontua, assinalando que, no caso daquelas com mais de 60, essa sensação se torna mais recorrente.
Anacronismo
Na avaliação de Letícia Ciscouto, preceptora de estágio em psicologia do Uni-BH, para escapar dessa imobilizante sensação de arrependimento por decisões que não foram tomadas, que abate sobretudo idosos, é preciso fugir do anacronismo, buscando ter clareza sobre o momento histórico vivenciado no momento daquele fato que, agora, é fonte de sofrimento. Ela descreve ser comum a manifestação de mal-estar ante ações que, vistas agora, podem parecer erradas, mas que, contextualizadas, talvez fossem a melhor saída dentro de todas as limitações daquela ocasião.
Wellington Amaral também reforça a importância de se colocar em perspectiva as situações vivenciadas que, no presente, geram culpa. “Hoje, o divórcio está muito naturalizado, já não choca. Mas houve um tempo em que a separação representaria um grande estigma. Não significa que a pessoa não poderia, eventualmente, terminar um casamento. Mas é preciso considerar que momento era aquele”, pondera.
O psicólogo expõe que esse fazer as pazes com o passado é essencial para, então, voltar o olhar para o futuro. “Eu costumo falar com meus pacientes que nossa vida é composta de ciclos, que precisam ser encerrados, sejam eles bons ou ruins”, situa. “Se estamos falando de um ciclo que foi muito bom, podemos ficar tentando reviver aquela história sem nos permitir novas experiências. E, se estamos falando de um ciclo ruim, corremos o risco de nos fechar e de não nos perdoarmos, ficando igualmente presos ao passado”, assevera.
Culpa e ressentimento, aliás, trazem aos indivíduos consequências graves e sistemáticas. “Diversas pesquisas já demonstraram que a incapacidade de se perdoar causa danos à autoestima e está por trás de distúrbios de ansiedade, que podem se desdobrar em problemas cardiovasculares, por exemplo”, alerta.
Exemplo
“Considerado todo esse cenário, exemplos como o de Boris Casoy e reportagens como esta são muito importantes, porque inspiram outras pessoas a também não se contentarem com a passividade da contemplação do que passou e demonstram que, indiferente à idade, novos caminhos podem, sim, ser trilhados, e novos sonhos podem, sim, ser buscados”, garante Wellington Amaral.
Citando a midiática história do apresentador, o psicólogo reflete que a decisão dele de iniciar a graduação em veterinária está na contramão da culpa imobilizante. “Talvez, no passado, por diversas razões, ele não conseguisse se dedicar ao curso. Mas, se hoje ele pode, então nada mais justo que – em vez de se contentar com o lamento, com o ‘e se’ – ele se proponha a correr atrás desse desejo”, conclui.
Fonte: O Tempo
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