Decisão é novo capítulo de novela jurídica em torno das UCs de Rondônia. Leis posteriores à norma agora considerada inconstitucional ainda colocam em risco áreas protegidas
O Tribunal de Justiça de Rondônia (TJRO) declarou inconstitucional a Lei Complementar Estadual nº 999/2018, que extinguiu 11 unidades de conservação do Estado. A decisão, tomada nesta segunda-feira (20), foi concedida pela maioria dos juízes e desembargadores que formam o Tribunal Pleno do órgão, em Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) proposta pelo Ministério Público de Rondônia. Segundo apurou ((o))eco, ainda cabe recurso.
A decisão sobre a Lei 999/2018 é mais um capítulo de uma longa novela jurídica que tem se desenrolado no estado desde 2017 e que não dá mostras de estar perto do fim.
Cinco das 11 UCs extintas em 2018 pela lei nº 999 – agora julgada inconstitucional – foram recriadas pela Lei nº 1.089, de maio de 2021, sendo que duas dessas cinco foram extintas ou reduzidas por leis posteriores (confira abaixo na matéria o histórico de extinção e recriação de UCs no Estado).
De iniciativa do Poder Executivo, a norma declarada inconstitucional nesta semana pretendia extinguir apenas a Estação Ecológica Soldado da Borracha. No entanto, no curso de sua aprovação, foi inserida em seu texto, pela Assembleia Legislativa, artigos que extinguiam outras 10 unidades de conservação.
Segundo o Ministério Público de Rondônia, a Lei 999/2018 fere a Constituição Federal e do Estado de Rondônia. Na ADI, o MP afirmou ter havido grave vício na norma em questão, já que ela foi publicada sem realização de estudo técnico adequado, e “sob o simples argumento de que o ente público não teria orçamento para realizar a desapropriação de uma das áreas de proteção”, diz nota do órgão.
Além da falta de estudos prévios, o MP-RO também argumentou que não foram feitos debates parlamentares sobre o tema, com a participação da sociedade civil e dos órgãos e instituições de proteção ao meio ambiente.
Na ação, o órgão ainda fez referência ao não atendimento do princípio da proibição do retrocesso socioambiental, ao princípio da precaução e, ainda, ao princípio da equidade intergeracional, que tem o objetivo de garantir a oportunidade de desenvolvimento socioeconômico no futuro a partir de boas práticas no presente.
Novela jurídica
A novela jurídica em torno da extinção de UCs em Rondônia começou em dezembro de 2017, com a lei nº 4.228, aprovada pela Assembleia Legislativa do Estado. Formada em grande parte por parlamentares defensores do agronegócio, a Assembleia instituiu que a criação de reservas florestais em Rondônia deveria ser feita através de lei “devidamente deliberada pela Assembleia”.
Isto é, diferente do que acontece em outros estados e no âmbito federal, qualquer criação de nova UC em Rondônia deveria passar pelo Legislativo. A independência dos poderes executivos na criação de áreas protegidas está prevista na Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC).
Na época, foi apontado que os deputados teriam corrido com a aprovação desta lei ordinária devido aos rumores de que o então governador de Rondônia, Confúcio Moura (MDB), estava prestes a criar mais UCs no estado.
De fato, em março do ano seguinte, o governador assinou – sem o crivo dos parlamentares – os decretos de criação de nove unidades de conservação e de regulamentação de outras duas que, somadas, protegeriam um território de cerca de 530 mil hectares. A reação dos deputados foi imediata, com a aprovação de decretos legislativos que revogaram as 11 áreas protegidas.
A Procuradoria Geral do Estado de Rondônia, então, protocolou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra tais normas. Esta ação foi julgada em 8 de junho de 2021. Na data, o Tribunal de Justiça do Estado declarou inconstitucional tanto a Lei 4.228/2017, que tirou a autonomia do Executivo, quanto os decretos legislativos que extinguiram as UCs.
Bem antes disso, porém, ainda em 2018, quando as evidências apontaram que um parecer favorável à inconstitucionalidade dos atos era questão de tempo, os parlamentares se movimentaram novamente e aprovaram a Lei Complementar 999/2018, norma que foi considerada inconstitucional nesta segunda-feira pelo TJ-RO. A integridade das UCs em Rondônia, no entanto, não está garantida.
Ataques recentes contra UCs
Em maio de 2021, outra Lei Complementar no Estado, a Lei nº 1.089/2021, de autoria do governador Coronel Marcos Rocha, filiado ao PSL até 2020 e atualmente sem partido, desafetou quase 220 mil hectares de outras duas unidades – a Reserva Extrativista Jaci-Paraná e o Parque Estadual Guajará Mirim
Como forma de “compensar” a redução dessas duas unidades mencionadas, a Lei “recriou” cinco das 11 áreas protegidas que haviam sido extintas em 2018 – os parques estaduais da Ilha das Flores (89.789 hectares) e Abaitará (152), a RDS Bom Jardim (1.678), a RDS Limoeiro (18.020) e a Reserva de Fauna Pau D’Óleo (10.463).
As cinco áreas protegidas instituídas pela Lei nº 1.089 representam aproximadamente 120 mil hectares, o que corresponde a cerca de 22% do total que seria protegido pelas 11 UCs que seriam criadas em 2018, caso os parlamentares não tivessem publicado decretos para sua extinção.
No início de julho de 2021, as UCs do estado sofreram outro golpe. Na época, os parlamentares apresentaram dois projetos de lei complementar (PLC), o nº 104/2021, que extingue na totalidade o Parque Estadual Ilha das Flores e seus 89.789 mil hectares, e o nº 105/2021, que desafeta 6.566 hectares da Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Limoeiro. Ambas as leis foram sancionadas, na íntegra, após o governador Marcos Rocha não se manifestar dentro do prazo que é dado ao Executivo.
As três normas aprovadas em 2021 – Lei nº 1.089/2021, de autoria do Executivo, e os PLC nº 104/2021 e nº 105/2021, de autoria do Legislativo, são questionadas pelo Ministério Público Estadual em Ações Diretas de Inconstitucionalidade, ainda sem data para serem votadas.
A ADI em relação à lei 1.089/2021 não questiona os artigos sobre as unidades criadas na Lei, apenas as desafetações.
Fonte: O Eco
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