Em tempos de polarização, de fake news e de acirradas disputas ideológicas por assuntos de menor importância, a depender daquelas iniciativas, o futuro da Amazônia brasileira é bastante promissor.
Márcio Holland (*)
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A Amazônia brasileira já foi objeto de análise nesta coluna algumas vezes. Volto ao tema, desta vez, de modo mais enfático,
alertando para a urgência em estabelecermos estratégias para o desenvolvimento da região. Não há preservação da Amazônia sem desenvolvimento. Não há desenvolvimento para a região que não seja primordialmente inclusivo. O desenvolvimento sustentável da região combina com o respeito à diversidade sociocultural e com a preservação da floresta em pé.
Manter o aquecimento global abaixo de 1,5ºC é tarefa para lá de desafiadora. China e Estados Unidos lideram as emissões de CO2. Anualmente, a China manda para o espaço mais de 10 bilhões de toneladas de CO2 e os Estados Unidos emitem outros 5,2 bilhões de toneladas de CO2. Comparando com o valor adicionado da produção bruta anual, seus respectivos PIB, China e Estados Unidos têm uma longa jornada de descarbonização para contribuir com o equilíbrio climático do planeta. São dois casos de pontos fora da curva. União Europeia, Índia, Brasil e Rússia formam o segundo pelotão dos maiores poluidores do planeta. Todos estão com emissões acima das projetadas pelo que geram de valor adicionado anual.
Dos países acima, o caso brasileiro talvez seja o mais facilmente remediável. Mas, é preciso clareza de propósitos e boas práticas ambientais, em âmbito do Estado e no setor privado. Toda boa prática será amplamente recompensada. Estudo da McKinsey (How negative emissions can help organizations meet their climate goals, de 30 de junho de 2021) aponta para algumas soluções de emissões negativas para realizar compensações ambientais. A primeira delas, reflorestar, entra no rol das chamadas soluções naturais.
Desde 1977, já foram desmatados 815 mil quilômetros quadrados (km2) da Amazônia Legal. Desde o recrudescimento do desmatamento na região, após 2012, já foram derrubados mais de 65 mil km2 de árvores, sem nenhum ganho social. Das árvores derrubadas, sobrou apenas queda da reputação do País perante os mercados mundiais.
É tempo de reflorestar. Emissões negativas serão fundamentais para acelerar a descarbonização e garantir as metas climáticas sustentáveis, sob sérios riscos de o aquecimento global ultrapassar os 1,5ºC antes de 2040, de acordo com o relatório da McKinsey.
No Brasil dos vários biomas, da maior sociobiodiversidade do planeta e da maior riqueza hidrográfica em águas doces, é possível construir diversas soluções, muitas delas associadas com as soluções naturais, como reflorestar e promover os pagamentos por serviços ambientais, devidamente regulamentos pela Lei 14.119/2021. De acordo com essa legislação, em texto próximo da lei, o pagamento pelos serviços ambientais poderá ser de várias formas com, por exemplo: “direto” (monetário ou não); prestação de melhorias sociais a comunidades rurais e urbanas; compensação vinculada a certificado de redução de emissões por desmatamento e degradação; comodato; títulos verdes (green bonds) e Cota de Reserva Ambiental instituída pelo Código Florestal.
o caso do bioma Amazônia, a promoção da bioeconomia e da biotecnologia é a grande solução. Ou seja, a diversificação produtiva baseada em recursos naturais típicos da região e voltados para o desenvolvimento de cadeias produtivas como a dos cosméticos, fármacos, óleos essenciais, fitoterápicos, alimentação, incluindo bebidas e sucos naturais, proteína, especialmente a vegetal e da piscicultura, entre outras. O desenvolvimento destas atividades econômicas requerem recursos, em especial, para pesquisa e desenvolvimento, e formação e capacitação profissional. Da mesma forma, são cruciais os investimentos em infraestrutura, como a pavimentação da BR-319; em energia, como investimentos no Linhão Manaus-Boa Vista; em tecnologia de informação e comunicação, promovendo ampla conectividade em toda a Amazônia brasileira; além de transportes fluviais, nas hidrovias do Madeira e do Amazonas, no balizamento, sinalização e dragagem em áreas que facilitarão a navegação na estiagem.
Novamente, não há solução para a Amazônia brasileira que não seja o seu desenvolvimento. O mais incrível é que não há falta de recursos financeiros e pessoas com talento desejando construir um futuro melhor para a região. Nesta coluna, já citei os vultosos recursos produzidos a partir do Polo Industrial de Manaus, graças ao programa da Zona Franca de Manaus. Me refiro aos fundos FTI (Fundo de Fomento ao Turismo, Infraestrutura, Serviços e Interiorização do Desenvolvimento do Amazonas) e FMPES (Fundo de Fomento às Micro e Pequenas Empresas), e além de todo o financiamento da UEA (Universidade Estadual do Amazonas). Juntos, totalizam R$ 1,7 bilhão ao ano. Há, ainda, outros quase R$ 900 milhões anuais na forma de contrapartidas em investimentos em P&D. São recursos advindos das empresas instaladas no PIM, como contrapartidas aos incentivos fiscais que recebem. As empresas instaladas no PIM ainda geram mais de R$ 23 bilhões em impostos e contribuições para os três entes federados.
Contudo, muito pouco destes recursos voltam para a promoção da interiorização do desenvolvimento e para a melhoria na qualidade de vida dos 30 milhões de brasileiros que habitam a Amazônia Legal. O documento Amazônia do Futuro: desenvolvimento que cuida do meio ambiente , produzido por um grupo de especialistas e empresários, apresenta um conjunto amplo e integrado de propostas para mudanças na governança dos recursos acima, definição de metas em termos de IDH (índice de desenvolvimento humano) e mecanismos de prestação de contas. Há outras importantes iniciativas, como o Plano de Recuperação Verde (PRV), do Consórcio dos Governadores da Amazônia Legal, e o projeto Amazônia 4.0, do Instituto Arapyau.
A boa notícia é que são iniciativas independentes e incrivelmente convergentes. Em tempos de polarização, de fake news e de acirradas disputas ideológicas por assuntos de menor importância, a depender daquelas iniciativas, o futuro da Amazônia brasileira é bastante promissor.
Márcio Holland é professor na Escola de Economia de São Paulo da FGV, onde coordena os “Diálogos Amazônicos” e o Programa de Pós-Graduação em Finanças e Economia (Master). Escreve artigos para o Broadcast quinzenalmente, às quartas-feiras.
(*) Márcio Holland é professor na Escola de Economia de São Paulo da FGV, onde Coordena o Programa de Pós-Graduação em Finanças e Economia e escreve artigos para o Broadcast quinzenalmente às quartas feiras.
Fonte: Jornal O Estado de São Paulo – Broadcast | Publicação autorizada pelo autor
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