A Amazônia tornou-se um dos principais assuntos de 2021. Nesse contexto, é muito discutido como preservar essa região essencial para o planeta, mas pouco é falado sobre como as iniciativas em inovação e empreendedorismo promovem seu desenvolvimento sustentável. Para trazer os holofotes a tantos projetos importantes da Amazônia, a AUSPIN entrevistou a renomada antropóloga Maritta Koch-Weser que lidera no IEA (Instituto de Estudos Avançados da USP) o programa “Amazônia em Transformação”, com iniciativas como a Amazônia 4.0 (liderada pelo Professor Carlos Nobre) para o desenvolvimento sustentável na Amazônia.
Maritta foi uma das pioneiras na área de desenvolvimento social pelo Banco Mundial, tendo participado de diversos projetos ambientais pelo mundo. Sua história no Brasil começou nos anos 70, ao fazer sua pesquisa de doutorado, e continuou nos anos 80, já pelo Banco Mundial, na Amazônia e no Nordeste. Na época, sua primeira ligação com a USP surgiu em Rondônia e Mato Grosso, através de um projeto em conjunto com a FIPE, para monitorar o desenvolvimento socioeconômico na Amazônia. Atualmente, Maritta faz parte do grupo de fundadores da Rainforest Social Business School e participa no programa Amazônia 4.0 do IEA. Em conjunto com Carlos Nobre e Adalberto Luis Val, ela também é idealizadora do projeto Amazonia Institute of Technology (AmIT) para o desenvolvimento da bioeconomia da floresta em pé e fluência dos rios na bacia da Amazônia.
Segundo Maritta, Amazônia 4.0 é um programa disruptivo, com o objetivo de propor alternativas ao avanço da fronteira do desmatamento e a mudanças irreversíveis, levando a um possível “tipping point” (ponto de virada) no ecossistema. Ciência, novas tecnologias e novos produtos devem viabilizar as oportunidades únicas e especiais oferecidas pela biodiversidade da região, beneficiando suas comunidades e engajando o setor privado num crescimento em conjunto com a sustentabilidade na Amazônia. O Amazônia 4.0 forneceu os pilares para a construção da primeira faculdade de negócios de florestas tropicais do mundo, a Rainforest Social Business School da Universidade do Estado do Amazonas (UEA). A ideia é fomentar projetos que fortaleçam a economia local da região de forma sustentável, investindo na qualificação de empreendedores locais.
Na bioeconomia sustentável, o açaí é um caso de sucesso, devido a sua alta procura no mercado nacional e internacional, movimentando mais de US$1 bilhão por ano. Apesar de seu êxito, Maritta destaca que grande parte do valor gerado pelo açaí tende a ser retido no mercado internacional. Para exemplificar, ela cita o exemplo de uma compra do produto em seu país, a Alemanha: “Em Berlim, um pote de altura de 6cm de açaí, custa €12, mas eu não sei quantos centavos o produtor recebeu pelo fruto original” e conclui “com isso, você desenvolve os produtos da floresta, mas não a valorização desses produtos, nem benefícios socioeconômicos satisfatórios”.
O MIT é um parceiro na elaboração do Feasibility Study (estudo de viabilidade) para o Amazon Institute of Technology (AmIT), que visa avanços ambiciosos em pesquisa básica e aplicada, com desenvolvimento de novos produtos, mercados e programas acadêmicos. O MIT traz sua experiência e expertise na construção de programas similares em outros países, como a China e outros países da América Latina. Maritta ressalta que “O MIT tem muitas competências na área técnica multidisciplinar; hoje temos um overlay, por um lado a biodiversidade, a genética, a microbiologia, a nanobiologia estão no auge, por outro há uma disposição do mundo em pagar para a floresta em pé, ou seja, a floresta pode produzir na bioeconomia, e ao mesmo tempo beneficiar-se dos objetivos de equilíbrio climático”. Parcerias multidisciplinares são bem-vindas. Maritta destaca que muitas oportunidades estão à espera de um melhor aproveitamento: “há uma série de projetos e patentes registradas na Amazônia que não são realizados em termos de produtos e mercados. Esperamos que o MIT facilite o desenvolvimento de novos processos e produtos”. Para Maritta, a colaboração entre os melhores institutos do Brasil e os de fora será essencial. Ela sugere uma ambição compartilhada quase ao nível da NASA: “A humanidade investe muito para ver se tem micróbio na lua ou água em marte, enquanto investiu-se tão pouco em realmente conhecer a Amazônia, o maior tesouro de biodiversidade no mundo – algo com tamanho continental, inclusive com sabedoria indígena, tão importante, detalhada, milenar”. Segundo ela, hoje há uma disposição no mundo em pagar para produtos “da sustentabilidade”, referindo-se à floresta amazônica em pé.
A ideia do Feasibility study para o Amazon Institute of Technology é mobilizar fundos internacionais significativos para promover uma década transformadora, caracterizada pelo desenvolvimento da bioeconomia sustentável e a recuperação de áreas degradadas na Amazônia. Maritta destaca, “esperamos que a colaboração com o MIT acelere inovações em vários respeitos tecnológicos, inclusive aspectos de energia sustentável, transporte e criação de mercado.”
Ao falar da Amazônia, Maritta lembra a liderança anterior de Bertha Becker, autoridade acadêmica na sua época, que traçou os caminhos da bioeconomia e apontou o papel chave do setor privado na realização de um desenvolvimento sustentável. “Ela conhecia a Amazônia e defendia que além da preservação da Amazônia, era preciso uma economia que sustentasse o povo que vive lá”. Em 2012, uma fala de Bertha Becker em um seminário na USP deu os primeiros impulsos para a incubação da Rainforest Business School no IEA.
Maritta ressalta, “todo mundo fala em bioeconomia, sem necessariamente lembrar exemplos específicos. Na Rainforest Social Business School já contamos com 5 estudos de caso recentes, patrocinados pela GIZ (Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit) da Alemanha, inspirados nos estudos de caso da “Harvard Business School”; eles fornecem documentações da bioeconomia de hoje, com produtos da Amazônia como café, cacau e cupuaçu, demonstrando a complexidade dos processos. Estes casos mostram como é difícil, porém viável, todo o processo de estabelecimento das cooperativas, do mercado e do próprio produto.” A Rainforest Business Collaborative é mais um desdobramento da Rainforest Social Business School em Manaus, que facilitará intercâmbios e colaborações na grande região da bacia da Amazônia com universidades da América Latina e outros colaboradores internacionais, como a Universidade do Colorado-Boulder, o MIT, e possivelmente também Harvard, Yale School of Environment, a Universidade de Freiburg, entre outros. Por fim, nos próximos meses, o Amazônia 4.0 lançará a Amazônia Business School Online. Esta plataforma complementa a Rainforest Social Business School, por facilitar o acesso a uma gama de informações estruturadas pelo público e pelo mundo, as quais atualmente encontram-se dispersas em muitas instituições, visando a bioeconomia da floresta-em-pé na Amazônia; no site estarão disponíveis gravações, vídeos, webinars, material, links e publicações disponíveis na internet de forma gratuita, e um currículo adicional (em construção), com cursos e eventuais certificações próprias.
Na medida que o “Rainforest Business” surge como um campo próprio, sui generis, programas acadêmicos aprofundados devem ser cada vez mais estruturados, formando e aperfeiçoando o currículo desta nova “quase disciplina”.
Fonte: AUSPIN
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