O Brasil inicia 2021 sem uma previsão concreta de quando vacinará sua população contra a Covid-19. Quase 50 países já começaram suas campanhas de imunização, mas o País ainda se vê envolto em impasses básicos – caso da dificuldade em comprar seringa – que impedem um cronograma efetivo de vacinações nos 27 estados brasileiros e Distrito Federal.
Além disso, até o momento, o Brasil não tem uma vacina aprovada. Há expectativas de que, em breve, formalize-se o pedido de uso emergencial da Coronavac, vacina da farmacêutica chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan e do imunizante da AstraZeneca com a Universidade de Oxford. A primeira apresentou eficácia de 78%.
O cenário preocupa o médico e escritor Drauzio Varella que faz questão de pontuar a má postura do governo Bolsonaro diante ao enfrentamento da pandemia do coronavírus.
“Tinha que ter havido uma estratégia do governo federal para acordos com as vacinas mais promissoras. A compra de agulhas e seringas, por exemplo, isso tinha que ter sido feito em maio, junho do ano passado, antes que faltem e os preços subam. Nós estamos chegando agora, na hora de vacinar, e agora que a gente descobriu que não tínhamos seringas e agulhas? Olha o ponto que nós chegamos”, critica.
Em conversa com CartaCapital, e no momento em que as dúvidas se acumulam, Drauzio elucida o que já é possível responder do ponto de vista da ciência. Mas reitera, entretanto, que não há como prever se o Programa Nacional de Imunização correrá bem.
“O Brasil tinha o melhor programa de imunização gratuita do mundo. O que aconteceu é que o desmontamos. Substituímos pessoas-chave por incompetentes, que não têm ideia do que estão fazendo. Isso foi um crime contra a saúde dos brasileiros. Se você me perguntar se vai correr bem o programa de imunização, eu não tenho a menor ideia, porque não dá pra confiar no Ministério da Saúde”.
Carta Capital: As vacinas são a única forma de interrompermos a circulação do coronavírus?
Drauzio Varella: Muito se discutiu essa história da imunidade de rebanho, uma imunidade coletiva. Veja, tivemos uma tragédia em Manaus no início da pandemia com número alto de infectados e depois esse número caiu significativamente e aí chegaram a dizer que na cidade já se tinha atingido essa imunidade de rebanho e se falou em quantos por cento das pessoas precisavam ser infectadas pra atingirmos esse patamar, falavam em ’30, depois 50, 60%. Todas essas presunções falharam, na verdade.
Veja o que está acontecendo em Manaus agora, começando tudo outra vez. Qual a doença viral em que a evolução natural levou à imunidade coletiva?
A varíola ficou aí milênios, a poliomielite também, o sarampo também. Não existe imunidade coletiva sem vacina. Como conseguimos eliminar a varíola do mundo:? Com vacina. Como eliminamos a poliomielite do Brasil? Com vacina. Olha o sarampo, fizemos desaparecer a doença do País, agora uma parte da população deixou de vacinar os filhos, voltou o sarampo E ele só vai ser eliminado de novo pela vacina. E assim será com o coronavírus. É a vacina que vai fazer a infecção desaparecer, se é que um dia desaparecerá, mas pelo menos fará com que esse vírus seja controlado e fique restrito a pequenas populações sensíveis pelo mundo todo.
CC: Há motivos para temer a vacina?
Sabe o que eu acho engraçado, quando começou essa pandemia, o que todo mundo dizia? Tomara que surja uma vacina! Não vejo a hora! Quanto tempo será que leva pra surgir uma vacina? A ciência hoje é muito ágil para a obtenção de vacinas, existe uma uma tecnologia muito desenvolvida. Tivemos um tremendo investimento de capital, em todas as empresas, o Instituto Butantan, a Fiocruz, pra não falar das multinacionais como Pfizer, AstraZeneca, Moderna. Governos investiram centenas e milhões de dólares. Conseguimos produzir vacinas em tempo recorde, dez meses depois que a pandemia surgiu, praticamente, estamos vacinando as pessoas. E aí agora pessoas dizem ‘Ah não, foi muito rápido!’. Mas não era isso que a gente queria?
Tínhamos que dar parabéns para a ciência, pela capacidade de elaborarem rapidamente as vacinas, porque isso vai ser a salvação de todos nós.
Ter medo da vacina? A chance de provocar algum risco colateral é mínimo. Já existem muitas pessoas vacinadas neste momento, e não tivemos nenhum caso de complicações graves. Ter medo da vacina, que não costuma dar complicação grave nenhuma e não tem medo da doença que mata uma porcentagem grande das pessoas que são hospitalizadas? Desculpa, mas isso é ridículo e sendo até um pouco rude, burrice.
CC: Após a segunda dose, as pessoas podem abandonar medidas como uso de máscara, álcool em gel e distanciamento social?
DV: Imagina, você tomou a vacina, está imunizada completamente, caiu naquela faixa de uma resposta imunológica sensacional. Aí você encontra comigo na rua, e você está sem máscara. Eu não estou sentindo nada, mas estou infectado, numa fase que eu transmito o vírus. Eu aperto a sua mão, te dou dois beijos, você entra em contato com o vírus. O vírus não vai conseguir provocar a doença em você pela sua boa resposta imunológica, mas você vai carregá-lo. Aí você chega na sua casa, encontra o seu avô, tem contato, leva o vírus pra ele. O fato de nós termos sido vacinados não quer dizer que teremos liberdade de andar por aí sem máscara e sem tomar as precauções. Aí você me pergunta, então qual será a vantagem? A vantagem é poder retomar a vida de maneira semelhante à de antes, com mais mobilidade, já que o risco de pegar a doença é menor. Isso não é pouco.
Não há previsão de quando poderemos relaxar com as medidas. Não sabemos como estará a nossa situação no final de 2021. Então quer dizer que eu terei que usar máscara até 2022? Quem sabe, né?
CC: Como as vacinas funcionam no organismo e por que são capazes de inibir a proliferação do coronavírus?
DV: Em relação ao coronavírus, nós temos várias tecnologias para obtenção de vacinas que vão desde métodos antigos e eficazes, caso do vírus morto na vacina do Butantan, até tecnologia absolutamente nova e revolucionária que é essa do RNA de memória, utilizada para obtenção das vacinas da Pfizer e da Moderna, que começam a ser aplicadas em vários países do mundo. Mas, em princípio, todas fazem a mesma coisa. O que faz a vacinação é mimetizar, imitar a infecção verdadeira e com isso informar o sistema imunológico, e fazem isso com muita eficácia e eficiência.
CC: Por que as vacinas serão fracionadas em duas doses? A imunidade já chega com a primeira dose, ou só com a segunda?
DV: Nós não temos todas as respostas, mas vou dar exemplos do que venho acompanhando de perto. A vacina da Astrazeneca, que vai ser fabricada pela Fiocruz no Rio de Janeiro, em Manguinhos, com uma dose dela você consegue produzir anticorpos, resposta. Quer dizer que uma dose protege 91%? Não é isso que estou dizendo. Uma dose só produz anticorpos e imunidade celular em 91% dos vacinados. Agora, se esses anticorpos vão ser capazes de evitar a doença, de me tornar imune ao vírus, não temos essa resposta porque os ensaios clínicos não exploraram essa possibilidade.
Mas o que acontece? Muito provavelmente nós temos com uma dose uma proteção bastante significante.
O cálculo do Butantan é que tenhamos 84 milhões de doses, a Fiocruz 200 milhões. Nenhuma dessas vacinas será suficiente pra imunizar a população brasileira toda.
A discussão que se coloca nesse momento é, vamos imaginar que eu tenha 100 milhões de doses. A vacina foi testada como? Tomo uma dose e depois de três, quatro semanas, dependendo da vacina, você faz uma segunda dose de reforço. Essas são as doses estudadas e que demonstraram esses graus de eficácia.
Será que não seria melhor, em vez de vacinar 50 milhões de pessoas com essas 100 milhões de doses, vacinar 100 milhões de pessoas mesmo que eu não tivesse uma resposta tão eficaz?
Mesmo que, vacinadas com uma dose, essas pessoas desenvolvessem a doença, será que elas não teriam uma doença menos grave? E aí com 100 milhões de vacinados, eu tenho uma proteção melhor da sociedade. Os ingleses estão considerando seriamente essa hipótese. Não é que deixarão de dar a segunda dose, mas adiam. Parece que se você administrar a segunda dose três vezes mais tarde, não há perda de atividade nesse período. O problema é que os estudos não foram feitos pra verificar essa possibilidade. Então há uma margem de risco aí. Aparentemente, você tem uma desvantagem não fazendo logo a segunda dose, que seria a obtenção de uma resposta menos eficaz, mas por outro lado, você teria a vantagem de poder vacinar o dobro do número de pessoas. Nós vamos aprender agora no decorrer desse processo.
CC: Se uma pessoa toma a primeira dose de um determinado fabricante, a segunda tem que ser do mesmo?
DV: Não temos resposta. Nenhum estudo foi feito com a primeira dose da vacina de uma procedência e a segunda dose de outra. Parece que a vacina da Fiocruz pode ser acoplada à vacina desenvolvida na União Soviética, que recebeu o nome de Sputnik, porque as duas usam a mesma tecnologia.
CC: Quanto tempo dura a imunidade adquirida com as vacinas? É possível que o País precise de novas campanhas de imunização?
DV: Essa é outra pergunta para a qual ainda não temos resposta. Vacinamos as primeiras pessoas um pouco antes do Natal no mundo, então temos duas semanas de experiência com a vacina. Vamos saber isso com o passar do tempo. Mas como é para outras doenças? Você tem doenças como o sarampo, por exemplo, que você vacina e essas pessoas nunca mais terão a doença. Com a poliomielite é a mesma coisa, ou mesmo vacinas como do HPV.
Muitas vezes essas vacinas são capazes de provocar uma imunidade melhor do que a causada pela doença. E você tem vacinas que a administração imuniza menos do que a doença. Nós sabemos que, no caso do coronavírus, é possível ter uma reinfecção, o que não sabemos é o número de pessoas infectadas.
CC: Os menores de 18 anos não foram considerados no Plano Nacional de Vacinação. Por que?
DV: O problema é que quando começaram os estudos da vacina na fase 3, todos eles pegaram pessoas acima dos 18 anos. Porque do ponto de vista legal, você trata com adultos, responsáveis, que podem assumir os riscos e entender o que representam esses estudos. As crianças dependeriam de autorização dos pais.
Além do que, o número de crianças pequenas que morrem em decorrência do coronavírus é muito baixo. Adolescentes sim, há vários que morrem com o coronavírus. Mas nós não temos um estudo nessa fase. Vamos ter, com quase certeza, quando houver vacina para vacinar todo mundo.
Interessa fazer agora esse estudo? Não, nós não temos vacina.
Não temos vacina sequer para as pessoas pertencem a grupos de risco, que têm um risco muito maior de morrer com a doença.
CC: Há contraindicações das vacinas para pessoas alérgicas ou que tomam medicamento de uso contínuo? Como as pessoas poderão saber sobre essas incompatibilidades?
DV: Elas não vão saber. Mas se elas tomam medicamentos continuamente, receberam transplante de órgão, se elas têm uma doença que debilita a imunidade humoral ou celular, ou as duas, isso forma um conjunto muito complexo de doenças e condições. É impossível você definir uma regra geral. Se eu tenho alergia, eu posso? Depende. Se eu como camarão e fico vermelho é uma coisa. Se eu já tive choque anafilático porque tomei uma injeção de penicilina é outra doença completamente diferente. Esses casos têm que ser analisados um por um. Então, se você toma um medicamento ou tem uma condição conhecida por um médico que te acompanha, um diagnóstico anterior, tem que discutir com esse profissional que vacinas você pode tomar e qual a necessidade de ser vacinado.
CC: Uma vez que os países contarão com mais de uma vacina, como determinar qual a vacina é mais eficaz para determinado grupo?
DV: Não existe nenhum estudo que tenha comparado a eficácia de duas vacinas diferentes. Nós não tivemos tempo de fazer essas análises. Pode ser que agora vacinando, seja possível fazer essa comparação. Até aqui, a corrida foi pra mostrar eficácia. Se a vacina protege contra a doença, vamos aplicar. Se você pensar que o mundo tem 7 bilhões de pessoas, olha o tamanho do problema que temos que enfrentar. O ideal é que vacinássemos essas 7 bilhões, o que é inviável. Mas temos que correr com isso.
CC: O que se sabe até o momento sobre as novas cepas do coronavírus?
DV: Os ingleses verificaram que a pandemia estava mais ou menos estabilizada no país inteiro, exceto no condado de Cambridge, no sudeste, perto de Londres. E aí fizeram uma pesquisa para ver o que justificava o aumento de casos nessa região. Eles foram estudar o genoma do vírus e verificaram que havia um número muito significativo ali de uma linhagem do vírus que tinha acumulado mutações e verificaram que a presença dessa linhagem se tornava cada vez mais frequente nos doentes infectados. O que isso significava? Que essa linhagem estava levando uma vantagem evolutiva sobre as demais. E o aumento foi muito significativo, os vírus que pertenciam a essa linhagem na região passaram rapidamente de 20% para 60, 70%. Aí concluíram que esse vírus tinha um poder de contágio 50 a 70% mais elevado do que os vírus que circulavam no resto do Reino Unido. Essa linhagem mostrou um outro aspecto. Tivemos mutações que levaram a 17 alterações em uma proteína que é da coroa do vírus. Isso nunca aconteceu, nem foi descrito em nenhum coronavírus. Então, estamos diante de uma linhagem do coronavírus que é mais contagiosa e é isso que está levando a Inglaterra a entrar nesse lockdown total agora.
Imagine o seguinte: que ela seja mesmo 70% mais contagiosa. Enquanto uma linhagem comum infecta 100 pessoas, essa infecta 170. É uma loucura.
Os vírus são seres mutantes, eles não se multiplicam sozinhos, eles têm uma molécula de RNA e o mecanismo de multiplicação deles é tão rudimentar que eles precisam usar as células para fabricar novas cópias dele. Esse processo, como é rudimentar, dá muito erro. Felizmente, a maior parte desses erros torna a partícula viral que os contêm inviável, porque a deixam defeituosa, mas algumas podem se tornar mais agressivas, outras podem se tornar mais contagiosas. E esse é o problema. E viemos mais ou menos tranquilos até aqui porque não havia esse tipo de discussão. Agora estamos diante de linhagens virais mais contagiosas. A doença, até agora, pelo menos, não parece ser mais grave. Mas se você tem 100 pessoas doentes é uma coisa. Se você tem 170 aumenta o risco de hospitalizações e morte.
CC: É possível que essas novas cepas se tornem resistentes às vacinas?
DV: Provavelmente não, porque a vacina provoca uma resposta imunológica que ataca várias partes do vírus, então uma proteína que foi modificada pode atrapalhar um pouco, mas essa resposta imunológica vai atacar outras partes. Vamos voltar ao sarampo, você acha que esse vírus não sofreu mutações ao longo do tempo? Claro que sofreu. Só que a vacina contra o sarampo mata todos os mutantes. Pode acontecer de termos uma variante aí mais pra frente que dê uma linhagem mais agressiva e provoque uma doença mais grave? Pode. A gente não sabe, mas esse perigo nós corremos.
CC: Quem já teve Covid-19 precisa se vacinar?
DV: Olha, eu diria o seguinte: se você tiver uma vacina só e duas pessoas – uma que já teve Covid-19 e outra que não teve –, dá pra que não teve. Agora, se você já teve a Covid e você tomar uma dose de vacina, o que vai acontecer é que sua resposta imunológica, teoricamente, vai ser muito mais intensa. O fato de ter tido Covid não interfere na aplicação da vacina. Provavelmente essas pessoas nem precisariam de uma segunda dose.
CC: Como o senhor avalia a batalha política pelas vacinas? E a condução do governo Bolsonaro?
DV: O que mais me preocupa é justamente a falta de uma coordenação do Ministério da Saúde nesse processo todo. O Brasil tinha o melhor programa de imunização gratuita do mundo, o que aconteceu agora é que o desmontamos. Tiramos pessoas chave e substituímos por pessoas incompetentes, que não têm ideia do que estão fazendo. Isso foi um crime contra a saúde dos brasileiros. Nós tínhamos que, nesse momento, ter uma coordenação central. São 27 estados e mais o Distrito Federal. Qual é o governador que não quer ver os seus governados imunizados? Todos querem, claro. Mas precisamos dessa coordenação para dizer quantas vacinas temos, como é que vamos distribuí-las, como está a situação nos estados. Temos que começar a vacinar as pessoas acima de 75 anos. Quais são os estados que têm mais população nessa faixa etária? Esses dados estão disponíveis. Sem essa coordenação, o Programa Nacional de Imunizações, construído durante décadas, com um trabalho árduo e até heroico do pessoal do Ministério da Saúde vai acabar.
CC: E quais seriam as consequências?
DV: Imagine só, São Paulo, o estado mais rico está à frente da Coronavac. Aí o governo federal, que tem demonstrado apoio à vacina da AstraZeneca, da Fiocruz, ligada ao Ministério da Saúde, não demonstra interesse e apoio pelo imunizante. Você acha que o governador vai pegar essas vacinas e jogar fora? Ele vai querer vacinar os paulistas. E aí imagina que outros estados, sabendo que São Paulo têm vacinas, vão querer levá-las para essa regiões. Com isso, cada um passaria a adotar uma estratégia particular. Uns vacinariam pessoas acima dos 75 anos, outros a partir dos 60, outros os trabalhadores. Isso seria a destruição do Programa Nacional de Imunizações. Sem contar que isso destruiria o princípio básico de tentar evitar desigualdade no País. Isso causaria uma desigualdade social horrível, que só acentuaria as diferenças regionais existentes entre nós.
CC: Clínicas particulares tem tentado negociar lotes de vacina? É bom ou ruim?
DV: Veja, eu posso pegar a minha netinha e levá-la na unidade Básica de Saúde para tomar a vacina contra o sarampo de graça. Agora, imagine que eu não queira ir a uma UBS, porque é longe, corre o risco de demorar. Aí tem uma clínica de vacinações, próxima de mim, eu vou lá, levo, e pago por essa vacina. Nessa situação, não vejo inconveniente nenhum. O dia que nós tivermos vacina para todos os brasileiros contra o coronavírus, as pessoas terão todo o direito de irem a uma clínica particular e tomar a vacina. Agora, numa fase como essa, em que nós estamos brigando para conseguir dois milhões de doses que não vão fazer nem cócegas na imunidade coletiva contra o vírus, estão vendo de trazer para cá um lote de vacinas que ainda nem foi aprovado pela Anvisa, pra vacinar pessoas privilegiadas?
Não tem cabimento. Isso demonstra essa mentalidade abjeta de certos setores das classes mais ricas da nossa população.
Se eles tivessem indo para a Índia negociar para comprar vacinas e isso chegasse pelo Ministério da Saúde, gratuito, tudo bem. Agora, usar como critério para vacinação o de quem paga a vacina, é um absurdo, eles deviam ter vergonha de se prestar a um papel desses.
CC: Qual o seu balanço final da conduta do Brasil frente a esse desafio?
DV: Estamos nos comportando de uma maneira muito negativa. Nós não temos vacina ainda. Estamos aqui discutindo imunização, mas o ponto é, qual é a vacina que o Brasil dispõe neste momento? Nenhuma. Talvez a semana que vem tenhamos a aprovação da Coronavac ou da vacina da AstraZeneca, mas por enquanto não temos nenhuma. Os demais países estão começando a vacinar, alguns já vacinaram uma proporção expressiva da população, como Israel, por exemplo. E nós estamos aqui, ainda nessa discussão. Nós desmontamos o Programa Nacional de Imunizações que é a coisa mais elementar. Quando começou a epidemia, e o empenho mundial pelas vacinas, todos nós sabíamos que elas chegariam depressa. Talvez a gente não tivesse percebido, de cara, que nós teríamos vacina ainda em 2020. Mas a gente achava que no primeiro trimestre de 2021, haveria vacinas disponíveis.
Tinha que ter havido uma estratégia do governo federal para acordos com as vacinas mais promissoras. A compra de agulhas e seringas, por exemplo, isso tinha que ter sido feito em maio, junho do ano passado.
Nós estamos chegando na hora de vacinar e agora que a gente descobriu que nós não tínhamos seringas e agulhas? Olha o ponto que chegamos. E ainda temos todas as fichas do governo federal na vacina da AstraZeneca, que eu acho uma boa vacina, um imunizante que tem a chance de ajudar muito, mas vai ser insuficiente. Nós não poderíamos ter, a essa hora, uma briga do presidente da República com o governador de São Paulo. Então, se você me perguntar se vai correr bem o programa de imunização, eu não tenho a menor ideia, porque não dá pra confiar no Ministério da Saúde.
Fonte: Carta Capital
Comentários