Agronegócio é um dos setores mais impactados no Brasil pelo aquecimento global
Com a intensificação do aquecimento global, as mudanças climáticas extremas como ondas de calor, secas prolongadas, enchentes e ciclones podem se tornar cada vez mais frequentes. No Brasil, o agronegócio é um dos setores mais afetados diretamente por essas alterações no clima. Uma estimativa feita por pesquisadores da Empresa Brasileira de Agropecuária (Embrapa) mostra que o impacto financeiro para o setor pode ser superior a US$ 7 bilhões por ano.
“O Ministério da Agricultura disse que os prejuízos são incalculáveis. Mas, algumas associações de produtores de grãos já mostraram que as perdas com soja chegaram a 5 milhões de toneladas e com o milho foram 8 milhões de toneladas. Isso dá mais de 7 bilhões de dólares ao ano só com soja e milho, se incluir o café fica mais alto ainda. Não se falou em feijão, arroz e pecuária. Desde 2016 temos visto um impacto maior, principalmente por conta da deficiência hídrica. A tendência é aumentar cada vez mais”, diz Eduardo Assad, pesquisador da Embrapa, especialista em agricultura e mudanças climáticas.
O relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), da Organização das Nações Unidas (ONU), divulgado no dia 09 de agosto, mostra que os últimos cinco anos foram os mais quentes desde 1850 e a previsão é de que até 2040 a temperatura do planeta aumente pelo menos 1,5º C, podendo subir a até 2º C ainda neste século, se não houver uma redução drástica nas emissões dos gases de efeito estufa. Caso as reduções ocorram, pode demorar até 30 anos para as temperaturas se estabilizarem.
Para a América do Sul, as projeções do IPCC indicam a possibilidade de um aumento das secas no Nordeste brasileiro e em partes da Amazônia e do Centro-Oeste do país, com consequências para a agricultura. Isso significa que, na prática, a ausência de chuvas durante longos períodos atrapalha o desenvolvimento das plantações, como o enchimento de grãos e o crescimento de frutos, além de reduzir a qualidade das pastagens para a alimentação animal.
Na avaliação de Eduardo Assad, devido às mudanças climáticas o cenário para o futuro do agronegócio no Brasil não é dos mais otimistas. “Para os próximos anos, a situação não vai ficar mais amena. A tendência é piorar. Vai continuar tendo ondas de calor, temperaturas elevadas, chuvas intensas. É bom que o agronegócio fique mais atento e as ações para mitigar ou reduzir um pouco esses impactos devem ser tomadas”, alerta.
As ondas de calor muito fortes, segundo o pesquisador da Embrapa, podem provocar também a morte de bovinos, pintinhos e o aborto de suínos, além da perda de produtividade. Culturas como soja, milho e café seriam as mais afetadas.
“Nos últimos 10 anos nós tivemos seis eventos com estiagem no Centro-Oeste, Sul e parte do Sudeste. As lavouras mais afetadas foram soja e milho. E neste ano, para complicar um pouco mais, a gente teve a deficiência hídrica e a geada”, disse.
GEADA AFETOU 9.500 PRODUTORES
Em Minas Gerais, a geada do mês de julho afetou cerca de 173,6 mil hectares de café no Sul do Estado, Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, trazendo prejuízos para 9.500 produtores que tiveram suas plantações atingidas pela onda de frio, conforme dados da Empresa de Assistência Técnica de Extensão Rural de Minas Gerais (Emater-MG).
Em Patrocínio, no Alto Paranaíba, a estimativa de perda é de 30% da área de cafeicultura, segundo a Associação dos Cafeicultores da Região. “Nunca vi um tempo doido como esse. Jamais esperava que seria tão forte. Trabalho minha vida toda com plantação, não sei como vai ser o futuro se continuar assim”, diz o produtor Aparecido Lopes, 68.
Ele estima que perdeu 70% da produção de café, além de mais de 5.000 pés de tangerina. “Minha família toda vive disso há três gerações. Corta o coração ver o trabalho de meses queimado”, lamenta.
Segundo o pesquisador da Embrapa, Eduardo Assad, as perdas nas lavouras provocadas pelo aquecimento global podem ser minimizadas com a adoção de práticas do Plano de Agricultura de Baixo Carbono (ABC) do Ministério da Agricultura, que visa reduzir as emissões de CO2 a partir de técnicas de produção voltadas para a sustentabilidade.
“A integração entre lavoura, pecuária e floresta, o plantio direto e sistemas agloflorestais devem ser adotadas pelos produtores. Isso vai reduzir as emissões de gases e minimizar os impactos das mudanças climáticas. Não há como reduzir os impactos do clima sem plantar árvores”, orienta.
MINIENTREVISTA
Williams Ferreira, pesquisador da Embrapa/Eamig na área de Agrometeorologia e Climatologia
Quais as possíveis soluções para frear esses acontecimentos no que tange também a políticas públicas?
O mundo já está atrás de tecnologias e da redução dos efeitos estufas há 30 anos. Já existem processos ambiciosos, mas esse tipo de solução não acontece em curto e médio prazos. Ações voluntárias independentes muitas vezes podem ser vazias, como um grupo pequeno de pessoas pararem de usar automóvel. Isso exclusivamente não tem efeito. Mas tudo que diz respeito ao cuidado com o meio ambiente, como reduzir o consumo de energia em casa, empresas estudarem diminuir a emissão de produtos que poluem, são ações ordenada e fazem a diferença. A política pública entra de forma a incentivar e premiar ações de empresas e consumidores para reduzir os impactos ambientais.
Há um ponto em que a situação não terá mais volta? Qual é a tendência para os próximos anos?
Hoje, estamos em sinal vermelho, não temos tempo para esperar o início dessas mudanças. Mesmo que ocorram mudanças aceleradas imediatas, a natureza tem o tempo dela para reequilibrar, então, qualquer ação positiva será perceptível daqui a 30 anos. A tendência para os próximos anos é o aumento dos aquecimentos, eventos extremos climáticos vão continuar a se intensificar, como enchentes, deslizamentos.
Quais os principais motivos para constantes mudanças climáticas, com aumento de queimadas, geadas e temperaturas fora do normal?
Existe no clima uma condição variável, é um ciclo que se repete a cada dez anos, que independe do aquecimento global. Por isso que tem períodos que chovem mais e depois acontecem as secas. Mas as mudanças climáticas que estamos vendo, como a intensificação das geadas e das queimadas, por exemplo, têm como o principal causador a atividade humana. O aumento da população tem feito aumentar o consumo, o que consequentemente produz mais lixo e poluentes.
Fonte: O Tempo
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