Devastada por séculos e reduzida a apenas 12% de sua cobertura original, a Mata Atlântica tem ganhado um respiro em termos territoriais nas últimas duas décadas, com uma maior estabilidade e até recuperação na sua cobertura florestal no país. Essa constatação, entretanto, camufla uma dinâmica perigosa que tem ocorrido no bioma: a perda de florestas mais velhas. O alerta foi dado por pesquisadores que apontam que a suposta estabilidade na cobertura florestal nativa ocorre porque as florestas maduras – que continuam sendo desmatadas – estão sendo substituídas por florestas jovens, em recuperação. Esta equação, entretanto, não equilibra de verdade a balança ecológica, porque os ambientes mais maduros protegem uma maior biodiversidade de espécies e também as que estocam uma maior quantidade de carbono.
“Revelamos que a aparente estabilidade da cobertura de mata nativa observada nas últimas décadas escondeu a destruição de florestas antigas insubstituíveis. Nossos resultados indicam um processo alarmante de rejuvenescimento da cobertura florestal e distribuição espacial desigual em direção a áreas menos atrativas para a agricultura mecanizada, que podem ter efeitos deletérios na conservação da biodiversidade e nos serviços ecossistêmicos”, aponta o artigo, que foi publicado esta semana na revista Science Advances e é assinado por um grupo de 9 pesquisadores de diferentes instituições. Para levantar as informações, eles se basearam nos mapas anuais da MapBiomas de 1985 a 2018.
De acordo com o artigo, 11% da cobertura florestal de Mata Atlântica atual são florestas jovens, com menos de 20 anos, sendo que um terço delas possui menos de 10 anos. Foi notada praticamente a mesma quantidade de floresta recuperada e de florestas maduras desmatadas.
“Foi demonstrada a recuperação de florestas jovens, que são essenciais para aumentar a cobertura florestal e criar corredores entre fragmentos isolados, principalmente em Áreas de Preservação Permanente ao longo dos rios. Mas o estudo também comprova o desmatamento contínuo das florestas nativas mais antigas, com maior biodiversidade e carbono estocado, principalmente para ampliação da agricultura e plantio de florestas exóticas. Apesar dessa dinâmica de perda e ganho de florestas nativas ter mantido a quantidade de floresta praticamente estável nos últimos 20 anos, esse rejuvenescimento das florestas pode ser extremamente danoso para a conservação do bioma”, ressalta Marcos Reis Rosa, coordenador técnico do MapBiomas e um dos autores da pesquisa.
Os dados levantados no estudo permitem também fazer um mapeamento geográfico da dinâmica de ganho e perda de floresta nativa. De acordo com a pesquisa, a perda de floresta nativa se concentra na região centro-sul do Paraná e Santa Catarina, especialmente nas matas de araucárias, e na divisa entre Minas Gerais e Bahia, principalmente na região das Matas Secas. Já o ganho de floresta nativa é observado no interior do Paraná e de São Paulo, no sul de Minas Gerais e do Espírito Santo, além da região serrana do Rio de Janeiro e litoral de Pernambuco e Paraíba.
“A estabilidade na cobertura de Mata Atlântica passa a falsa impressão que o desmatamento está controlado. Infelizmente, não está. A análise separada das taxas de desmatamento e de regeneração mostra que o desmatamento no bioma ainda é significativo e afeta matas maduras, que são as matas mais importantes para conservação da biodiversidade e para a regulação climática e hídrica”, explica Jean Paul Metzger, do departamento de Ecologia da USP, que também assina o artigo.
A pesquisa reforça que, por mais que a riqueza de espécies de árvores em florestas em regeneração possa chegar a quase 80% dos níveis de florestas antigas em 20 anos, a recuperação total da composição de espécies de árvores pode levar séculos ou nunca ser alcançada; e que existem muitos animais e microorganismos incapazes de recolonizar florestas secundárias, que dependem de habitats mais antigos, menos alterados, estruturalmente desenvolvidos e biodiversos para persistir em paisagens modificadas pelo homem. A mesma lógica vale para os serviços ecossistêmicos, que dependem de florestas bem desenvolvidas e estruturalmente complexas para serem potencializados.
“As consequências da dinâmica florestal observada para a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos podem ser drásticas, incluindo o aumento do isolamento de habitat, a destruição de habitats e a perda de espécies endêmicas que ocorrem exclusivamente em áreas mais adequadas para a agricultura, bem como a redução da produção agrícola por perdas nos serviços do ecossistema. Embora a intensificação da agricultura tenha poupado terras para restauração, ela também promove a destruição direta e indireta de florestas mais antigas com valor de conservação potencialmente alto, tendo assim um impacto negativo líquido final para a biodiversidade”, conclui o artigo.
Metas de restauração florestal
O estudo destaca ainda os compromissos de restauração florestal, como por exemplo o Pacto pela Restauração da Mata Atlântica, que assumiu a meta de recuperar 15 milhões de hectares no bioma até 2050, e aponta que proteger não apenas as florestas nativas mais jovens, mas também as mais antigas, é uma etapa crítica para garantir a restauração florestal em larga escala e de longa duração.
“A recuperação da vegetação nativa deve se dar não apenas em quantidade, mas também em qualidade. Trocar floresta madura por florestas jovens é um risco para a biodiversidade e mitigação das mudanças climáticas. A recuperação florestal tem que acontecer, especialmente em biomas extremamente desmatados e fragmentados como a Mata Atlântica. Mas essa recuperação florestal tem que vir atrelada à manutenção das florestas maduras. Ou seja, nem sempre a transição florestal, ganho líquido de floresta, é um sinal de melhoria da qualidade ambiental”, afirma Renato Crouzeilles, diretor do Instituto Internacional para Sustentabilidade na Austrália, que também assina o artigo.
Fonte: (O) Eco
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