Ministro britânico Alok Sharma diz que encontro na Escócia é a “última melhor chance” de atacar a crise do clima, mas rixas entre países pobres e ricos ameaçam resultado; observadores são barrados das salas de negociação.
Com mais de uma hora de atraso e um minuto de silêncio pelos mortos na pandemia, a COP26, a conferência do clima de Glasgow, foi aberta na manhã deste domingo (31), Dia das Bruxas, com um alerta contra a extinção da humanidade e alguns fantasmas pairando sobre a negociação.
Tanto a secretária-executiva da Convenção do Clima da ONU, a mexicana Patricia Espinosa, quanto o presidente da COP, o britânico Alok Sharma, ressaltaram em seus discursos na plenária de abertura o desafio que será cumprir uma agenda imensa de trabalho e entregar resultados diante da urgência apontada pela ciência, da insuficiência das metas propostas pelos países e da desconfiança, renovada pela pandemia, entre nações ricas e pobres. Mas a alternativa ao sucesso, disse Espinosa, é a catástrofe.
“Ou optamos por reconhecer que o `business as usual´ não vale o preço devastador que estamos pagando e fazemos a transição necessária para um futuro mais sustentável, ou aceitamos que estamos investindo em nossa própria extinção”, discursou a Espinosa, citando o poeta escocês Robert Burns: “Agora é o dia, agora é a hora.”
A chefe da diplomacia climática da ONU acrescentou que “cada dia que passa sem que o Acordo de Paris tenha sido totalmente implementado é um dia perdido”, principalmente para os mais vulneráveis. “É muito mais do que uma questão ambiental, é uma questão de paz”, declarou, a uma plenária esvaziada numa conferência que começou um dia mais cedo – sob chuva, frio, filas e testes de Covid para os participantes – justamente para dar conta da agenda.
Sharma disse que se trata da “última melhor chance” de limitar o aquecimento global a 1,5º C, como preconiza o Acordo de Paris. “Podemos lançar uma década de ambição e ação cada vez maiores. Juntos, podemos aproveitar as grandes oportunidades de crescimento verde, de empregos verdes, de energia mais barata e mais limpa. Mas devemos começar a trabalhar rapidamente para desenvolver as soluções de que precisamos. E esse trabalho começa hoje”, afirmou. “Nós triunfaremos ou fracassaremos coletivamente.”
Embora o ministro britânico tenha instado a comunidade internacional a deixar para trás os “fantasmas do passado”, alguns deles apareceram na manhã de Halloween para assombrar a plenária.
A Bolívia, falando em nome do chamado Grupo Like-Minded (a linha dura dos países em desenvolvimento), insistiu em invocar uma terceira fase do Protocolo de Kyoto, o acordo do clima da década de 1990 que vive hoje uma existência zumbi.
Os Like-Minded gostam de Kyoto porque ele desobriga os países em desenvolvimento de metas. Esse bloco, que tem membros como a China e a Arábia Saudita, também reclama (com razão) de que os países desenvolvidos usaram a maior parte do espaço de carbono disponível para a humanidade. A delegada boliviana sugeriu que os países desenvolvidos descarbonizem suas economias nesta década, para deixar para os países em desenvolvimento as 400 bilhões de toneladas que o mundo ainda pode emitir antes de estourar o limite de 1,5oC.
O aparente despautério mal esconde a estratégia de negociação dos países em desenvolvimento de esticar a corda no tema da ambição para conseguir concessões dos países ricos no segundo fantasma a assombrar a medieval Glasgow: o financiamento climático. Espinosa destacou que sem o apoio financeiro das nações desenvolvidas não será possível realizar as transformações necessárias para atingir a meta de 1,5º C. Com efeito, em Glasgow os países desenvolvidos precisam provar que têm um plano para botar na mesa US$ 100 bilhões por ano até 2025 e multiplicar essa cifra após 2025. Isso ainda não aconteceu, e pode fazer a coisa toda desandar.
Para Espinosa, porém, o sucesso da COP26 “é possível porque temos a ciência e já conhecemos o caminho para as soluções”, mas as emissões continuam aumentando, como mostrou recente relatório da ONU sobre as NDCs dos países. “Precisamos de ainda mais ambição de todas as nações, especialmente dos maiores emissores do G20.”
E como precisamos: logo depois da plenária de abertura, a OMM (Organização Meteorológica Mundial) apresentou em entrevista coletiva a compilação das desgraças climáticas do ano de 2021. O relatório preliminar Estado do Clima mostra uma série de verdades inconvenientes num ano em que eventos extremos se sucederam um ao outro como copos de cerveja nos pubs escoceses.
Mesmo com a pandemia, que derrubou as emissões, as concentrações de gases de efeito estufa cresceram acima da média no ano passado, atingindo 413 partes por milhão. Este ano registrou uma chuva sem precedentes no alto do manto de gelo da Groenlândia, secas devastadoras, dois meses de chuva caindo em duas horas na China e enchentes mortíferas na Europa. Só não estará entre top-3 os recordistas de calor por causa do fenômeno La Niña, que derrubou as temperaturas no hemisfério Sul e colocará 2021 “apenas” entre o quinto e o sétimo lugar (os seis primeiros ocorreram todos neste século).
O diretor-geral da OMM, o finlandês Petteri Taalas, também citou em sua apresentação os dados do Inpe que mostram como a combinação entre desmatamento e mudança climática está mudando o clima regional da Amazônia e fazendo com que partes da floresta emitam CO2 em vez de absorvê-lo. “Essa região não é um mais um sorvedouro de carbono tão eficiente quanto era no passado”, disse.
Outra assombração que apareceu na COP neste Dia das Bruxas foi a da falta de inclusão. Membros de organizações observadoras da negociação, como ONGs ambientalistas, descobriram no domingo que não podiam entrar nas salas onde os diplomatas se reuniam. Como o nome diz, a sociedade civil é oficialmente convidada pela ONU a observar o processo, para dar-lhe transparência. O veto, que também se aplicará ao encontro de chefes de Estado na segunda e terça-feira, é considerado sem precedentes e aumenta o grau de estresse de uma conferência já bastante restritiva – em especial para representantes de países em desenvolvimento e indígenas – por conta das regras sanitárias e dos custos aterrorizantes de passagem, hospedagem e alimentação na Escócia.
A COP26 deve reunir cerca de 20 mil pessoas até o dia 12 de novembro.
Fonte: Observatório do Clima
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