Sob secas mais intensas, 77 espécies do interior da Amazônia apresentaram 2% de redução de peso por década desde 1979
Naturalmente pequenos, rechonchudos e de peito com pelagem alaranjada (fêmeas) ou preta (machos), os chupa-dente-de-cinta (Conopophaga aurita) que vivem atualmente no interior da Amazônia brasileira são 6,2% mais leves e têm asas 2,3% mais longas que os exemplares da mesma espécie medidos na década de 1980. “A diferença pode parecer pequena, mas são organismos perfeitamente ajustados ao seu ambiente e à física do voo”, diz o biólogo checo Vitek Jirinec, do Centro de Pesquisa de Ecologia Integral, uma organização não governamental da Califórnia, Estados Unidos.
Jirinec coordenou um estudo publicado hoje (12) na revista científica Science Advances mostrando uma redução do peso e um alongamento das aves em 77 espécies de regiões da Amazônia distantes de cidades, provavelmente em consequência das secas e chuvas mais intensas nas áreas onde vivem.
As conclusões se apoiam nas medidas de massa corporal de 14.842 aves, da envergadura de 11.582 e da proporção entre massa e comprimento da asa de 11.009 exemplares coletados de 1979 a 2019 pelo Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (PDBFF), sediado no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus. As análises revelaram uma redução de 5,4% a 10,5% no peso e um aumento de 6,3% a 12,2% no comprimento das asas.
“Mostramos que a variação na massa, no comprimento das asas e na proporção entre massa e asa está ligada à temperatura e precipitação no intervalo de curto prazo, correspondente às estações do ano”, diz Jirinec, que coletou dados de aves na Amazônia de 2017 a 2019. Na região em que vivem as espécies analisadas, a precipitação média aumentou 13% na estação chuvosa e caiu 15% na estação seca desde 1966. A temperatura média aumentou 1 grau Celsius (°C) na estação chuvosa e 1,6 °C na estação seca.
A redução da massa corporal, em média de 2% por década, mostrou-se maior após secas mais intensas. “Tornar-se mais leve e ter asas mais longas pode ser uma vantagem quando a estabilidade do ambiente se perde, porque favorece os voos mais longos e a busca de alimentos ou de abrigo em outros lugares”, explica o biólogo Mario Cohn-Haft, também do Inpa, que não participou da pesquisa.
A bióloga Bruna Rodrigues do Amaral, atualmente na Universidade do Estado da Pensilvânia, nos Estados Unidos, e uma das autoras do estudo, observa: “As aves podem perder peso por não estarem bem adaptadas a mudanças abruptas de temperatura e precipitação”. De 2015 a 2019, ela participou em expedições de coleta de dados, que começavam às 4 da madrugada; depois de serem pesadas e medidas e de receberem uma anilha, um anel colocado em um dos pés com um número de identificação, as aves eram soltas novamente.
Seu colega Gilberto Fernández, da Universidade Federal de Mato Grosso, que participou das coletas e do artigo, diz: “Pensávamos que as aves estariam protegidas no interior das florestas, mas os impactos da ação humana estão chegando lá”. Segundo Amaral, o fato de não haver desmatamento nas áreas estudadas não é o suficiente para livrá-las dos efeitos das variações do clima. “Mesmo a floresta aparentemente boa está com problemas”, diz ela.
“O estudo na Science Advances é uma demonstração admirável dos efeitos silenciosos do aquecimento global sobre a biodiversidade, que só podem ser demonstrados por meio de amostragens longas em áreas remotas”, comenta o biólogo Everton Miranda, da organização não governamental The Peregrine Fund, dos Estados Unidos, que não participou do estudo. “Não estamos falando do Arco do Desmatamento ou das imediações de grandes cidades como Belém, no Pará, Sinop, em Mato Grosso, ou Manaus, mas de mudanças no âmago da maior floresta tropical do mundo.”
A bióloga do Inpa Camila Ribas, que também não participou do trabalho, reconhece a consistência da associação entre mudanças corporais e oscilações climáticas, ainda que os autores do artigo tenham obtido “os dados de temperatura e precipitação a partir de modelos globais, que são pouco precisos para a Amazônia porque na região há poucas estações de medição”, diz ela. “A diminuição do tamanho das aves acompanhou as variações do clima, indicando uma correlação cuja causa poderia estar relacionada com mudanças na vegetação ou na disponibilidade de alimento devido às secas ou chuvas mais intensas.”
Cohn-Haft concorda: “A possibilidade de haver outra explicação para esse efeito nas aves além do clima é muito pequena. Só mesmo variações no macroclima do planeta poderiam explicar as mudanças no microclima de áreas do interior da floresta distantes da ação humana direta”. Reforçando a conclusão, em um artigo publicado em outubro de 2020 na Ecology Letters, o grupo de Jirinec já havia mostrado uma redução no tamanho das populações de aves da Amazônia com base nos registros do PDBFF dos últimos 35 anos.
Não é só na Amazônia. Pesquisadores da Universidade de Michigan, Estados Unidos, analisaram as medidas de 70.716 exemplares de 52 espécies de aves migratórias da América do Norte, coletadas durante quatro décadas, e observaram redução do tamanho corporal e aumento da envergadura em aves migratórias. Esse trabalho, publicado em dezembro de 2019 na Ecology Letters, atribui as mudanças a variações do clima.
Fernández comenta que as aves poderiam voltar a encorpar se o clima deixasse de oscilar, mas a persistência e intensificação das secas e das chuvas poderia agravar a situação. “Muitas espécies incapazes de encolher provavelmente vão desaparecer”, sintetiza Miranda.
Fonte: Revista FAPESP
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