Na primeira live após assumir a presidência da Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados, a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) divulgou informações falsas sobre preservação da Amazônia, desmatamento e regularização fundiária.
Em conversa com a deputada bolsonarista Paula Belmonte (Cidadania-DF), autora de projeto de lei para autorizar aplicação retal de ozônio como tratamento para Covid, Zambelli voltou a atacar ONGs e defendeu o garimpo em terras indígenas, definidas por ela como “áreas riquíssimas em minérios, ouro e pedras preciosas”.
A deputada do PSL admitiu que não sabia nada sobre um dos temas prioritários da comissão que preside, a grilagem de terras, ao assumir o cargo no último dia 12. “Para você ter ideia, eu não sabia o que era grilagem”, declarou. “Acho que tenho um pensamento pouco técnico, com pouco conhecimento, então ainda estou tomando pé.”
Zambelli anunciou que fará nesta semana uma viagem à Amazônia a convite de um “empreendedor” do setor madeireiro, classificado como vítima de ação considerada arbitrária – ela não especificou o caso, mas possivelmente referia-se à apreensão, realizada em dezembro pela Polícia Federal, de 131 mil metros cúbicos de toras no oeste do Pará. “Essa apreensão que a gente está indo ver na quarta-feira me parece que não é ilegal. É de reflorestamento, e foi designada como se fosse ilegal, mas não é. Preciso saber exatamente ainda o que é desmatamento ilegal de fato e quando é legalizado.”
Veja abaixo os principais trechos da live.
“Quando a gente fala em desmatamento ilegal, o maior motivo do desmatamento ilegal são as pessoas que moram na Amazônia e que, por não ter desenvolvimento econômico para aquelas pessoas, eles acabam tentando vender madeira ilegal para poder sobreviver (…) O (ministro) Ricardo Salles falou isso e achei muito interessante.”
FALSO – Na verdade, os grandes desmatadores da Amazônia são fazendeiros, mineradores e grileiros de terras. Desmatar custa caro: de R$ 200 a R$ 2 mil por hectare derrubado. Produtores pobres, que só contam com a própria mão de obra, não conseguem abrir grandes áreas, aponta o pesquisador Raoni Rajão, da UFMG. Segundo ele, desmatamentos em blocos de até 6,25 hectares não superaram 7% da área desmatada total. Por outro lado, o culpado pelo aumento do desmatamento total nos últimos anos tem sido principalmente os blocos de 25 a 100 hectares e maiores de 100 ha, acrescenta o professor. Além disso, análise do perfil dos imóveis no Cadastro Ambiental Rural (CAR) que mais desmatam mostra que apenas 2% dos médios e grandes concentram 62% de todo desmatamento potencialmente ilegal pós 2008 na Amazônia e no Cerrado.
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“A grande maioria do país hoje é preservado. O Brasil tem mais de 67% da área dos biomas naturais preservados.”
DISTORCIDO – Cerca de 67% do Brasil está coberto com vegetação nativa. Isso não significa dizer que essas áreas estão “preservadas”, como afirma a deputada. Parte da vegetação nativa está em áreas privadas, que podem ser legalmente desmatadas a percentuais que variam de 20% (na floresta amazônica) a 80% (nos demais biomas), de acordo com o código florestal. Mesmo nos 67% de vegetação nativa, cerca de 9% já foram desmatados pelo menos uma vez nos últimos 35 anos e mais de 20% estão degradados por fogo ou exploração de madeira.
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“Tem muita área que as pessoas falam que é desmatamento ilegal, mas não é, é desmatamento legal dentro do que a área permite. Quando a esquerda fala desmatamento ilegal, parece que a gente está derrubando a floresta. Você vai ver e na verdade não, está fazendo parte de um plano, está dentro da legislação. Ainda estou tomando pé disso tudo.”
DISTORCIDO – Segundo estimativas de especialistas, mais de 90% do desmatamento na Amazônia é ilegal. Levantamento preliminar realizado em 2018 pelo Ministério do Meio Ambiente indicou que 92% do desmatamento na Amazônia Legal no período de um ano era ilegal.
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“Eu estudei isso e fiquei perplexa. Mais de 85%, 88% aproximadamente, do bioma amazônico está preservado. Então você imagina que vivem ali acho que 23 milhões de pessoas, em 12% de uma área que é urbana ou que não está preservada na sua originalidade.”
FALSO – De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o desmatamento acumulado hoje na Amazônia corresponde a mais de 800 mil km2. A área original da floresta monitorada por satélite nos nove Estados da Amazônia Legal é de 3.994.454 km2. Ou seja, foram desmatados cerca de 20% da floresta, permanecendo 80% de pé. Isso não significa, porém, “preservados”, uma vez que há vastas extensões de floresta que estão degradadas por atividades humanas. Ninguém sabe precisar quanto, mas um estudo de 2014 indica que até 2013 havia 1,2 milhão de km2 degradados. Isso significa que 40% da Amazônia pode estar sob alguma pressão humana.
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“A regularização fundiária é importantíssima. Tem áreas que não são de ninguém. Está ali, área de preservação, e as pessoas acabam tendo desmatamento nessas áreas porque não é de ninguém. E você não tem como fiscalizar muito bem essas áreas. Se não tem um dono, vai cobrar de quem esse desmatamento?”
FALSO – Não é porque a terra não tem um dono privado que não se pode punir alguém por tê-la invadido e desmatado. Basta que as polícias e os órgãos ambientais façam seu trabalho. Mesmo assim, cerca de dois terços das áreas desmatadas têm ocupante reconhecido ou declarado. Ou seja, diferentemente do que afirma a deputada, em grande parte dos casos o governo sabe quem é o dono ou quem está reivindicando a posse de uma área. Segundo dados do Mapbiomas, 77% da área desmatada no Brasil em 2019 – 83% do desmatamento está na Amazônia – ocorre em áreas que se sobrepõem a pelo menos um Cadastro Ambiental Rural (CAR).
Bastaria aplicar as punições. No entanto, isso não tem ocorrido. As multas do Ibama por infrações contra a flora na Amazônia caíram pela metade (50,2%) em 2020 na comparação com 2018, último ano do governo Temer, apesar da alta recorde do desmatamento no período. Isso ocorreu mesmo com a informação disponível de quem são os responsáveis pelas áreas onde foi registrada a maior parte do desmatamento.
O governo Bolsonaro registrou o nível mais baixo na década de emissão de títulos definitivos de terra na Amazônia Legal: foram 553 em 2020 e apenas um em 2019, mostrou a pesquisadora Brenda Brito.
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“Tolerância zero com o desmatamento é uma pauta do presidente Bolsonaro e do ministro Ricardo Salles (…).”
FALSO – Com o desmonte dos órgãos ambientais sob Bolsonaro, o desmatamento explodiu na Amazônia: 34% de aumento em 2019, a maior elevação percentual no século, e 9,5% em 2020, o maior número absoluto desde 2008. Já as queimadas no bioma subiram 15% em relação a 2019. As multas do Ibama por infrações contra a flora em 2020 nos nove Estados da Amazonia Legal caíram pela metade em relação a 2018, último ano do governo Temer.
“Hoje a gente emite 3% dos gases de efeito estufa no mundo. A China emite 30%. A Europa emite cerca de 15%, 14%, EUA 15%, e a Índia 7%. Então, o Brasil emite 3%, e desse 3%, a metade, ou seja 1,5%, provem do desmatamento ilegal. Então, se a gente conseguir zerar o desmatamento ilegal já cai para 1,5%.”
FALACIOSO – O Brasil é o quinto maior emissor de gases de efeito estufa do mundo, e retrocedeu sua atuação sob Bolsonaro, justamente por causa do aumento do desmatamento e da mudança de metas. Segundo o SEEG, o Sistema de Estimativas de Emissões do Observatório do Clima, o Brasil lançou na atmosfera 2,17 bilhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (tCO2 e) em 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, um aumento de 9,6% em relação a 2018. É menos de 4% das emissões globais, mas isso torna o país o quinto maior emissor do planeta, atrás apenas da China (11,5 bilhões de toneladas), dos EUA (5,8 bilhões), da Índia (3,2 bilhões) e da Rússia (2,4 bilhões). O dado mostra que a tendência de redução das emissões no Brasil, verificada entre 2004 e 2010, está se revertendo – em 2020, o país não cumpriu a meta da Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC). As emissões per capita do Brasil também são maiores que a média mundial. Em 2019, cada cidadão brasileiro emitiu 10,4 toneladas brutas de CO2e, contra 7,1 da média mundial.
Do total de emissões brasileiras, 44% decorrem apenas de desmatamento, sobretudo na Amazônia e no Cerrado. Para conseguir um dia zerar o desmatamento, o Brasil precisa cumprir a meta estabelecida na PNMC, reduzindo a devastação, mas está fazendo o contrário disso.
Fonte: O Eco
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