O igarapé da Água Branca é considerado o único igarapé limpo existente em área urbana da capital amazonense.
Quando o assunto é água, as nascentes são consideradas as partes mais importantes, pois são elas que fornecem água para os córregos e rios que abastecem toda a cidade, além de serem fonte de vida para outros organismos. Para que as nascentes continuem vivas, é necessário cuidar de seu entorno, considerado legalmente como uma Área de Preservação Permanente (APP).
O maior exemplo disso é o cuidado que o jornalista Jó Farah tem com a nascente do igarapé Água Branca, localizado no Tarumã, em Manaus (Amazonas). O Igarapé Água Branca tem nascentes dentro da reserva permanente do Aeroporto Internacional Eduardo Gomes e Clube da Jibóia da Aeronáutica, localizado na Avenida Turismo.
Ele atravessa pela galeria subterrânea a Avenida Turismo, passa por trás do Condomínio Mediterrâneo e se encontra com vários pequenos igarapés com nascentes nas matas da estrada do Cetur e segue para desaguar no igarapé da Cachoeira Alta do Tarumã.
É considerado 100% urbano porque nascentes estão dentro da cidade. Também é um importante contribuinte de água limpa e fria para a Bacia Hidrográfica do Rio Tarumã-Açú, extremamente poluída porque recebe águas de igarapés da Ponte da Bolívia, Cachoeira Baixa, Cachoeira Alta e Cachoeira das Almas, todos tomados por lixo, esgotos e poluentes químicos.
Jó Farah conta que quando chegou para morar no Tarumã, não havia nada que o impedisse de construir sua casa ali, logo, acabou desmatando uma parte. Ao longo do tempo, ele foi percebendo o que tinha causado ao meio ambiente e por ter tirado algumas árvores, uma nascente secou. O ocorrido fez um mal imenso para ele, então tomou a iniciativa de plantar novas árvores.
“Uma vez eu li sobre um homem australiano, que construía rios. Ele chegava em rios completamente secos e começava a plantar árvores nas nascentes, reconstruir florestas, pois lá é sempre úmido. Assim, ele fez renascer alguns rios na Austrália. Sendo assim, eu pensei, se é possível lá, é possível aqui, então vou fazer”, afirmou.
Atualmente, a nascente do igarapé Água Branca completa sete anos e segundo Jó, depois que encheu, nunca mais secou. “Nós revitalizamos, tiramos algo que estava seco, apenas plantando árvores, e mais nada. Nós apenas replantamos o que tiramos. E a água voltou”, comemorou.
Uma vez eu li sobre um homem australiano, que construía rios. Ele chegava em rios completamente secos e começava a plantar árvores nas nascentes, reconstruir florestas, pois lá é sempre úmido. Assim, ele fez renascer alguns rios na Austrália. Sendo assim, eu pensei, se é possível lá, é possível aqui, então vou fazer
Jó Farah
Segundo o jornalista, já foram feitos três estudos universitários no igarapé Água Branca, como por exemplo, pesquisas de Engenharia Civil da UFAM, que medem volume de água, velocidade do fluxo e topografia das margens. Com a análise dos dados, ficou comprovado que o igarapé sozinho, lança cerca de 4 bilhões de litros de água limpa, anualmente no sistema do Rio Tarumã Açu.
O igarapé da Água Branca é considerado o único igarapé limpo existente em área urbana, porém, em uma cidade como Manaus, a urbanização, o desmatamento da área verde e a poluição, causaram graves consequências ao meio ambiente, mas principalmente, ameaçaram a “a qualidade de vida” desses cursos d’água.
Para Jó Farah, o motivo pelo qual Manaus não tem mais igarapés limpos, está estampado, e o fato de não ter mais florestas nas margens é o principal deles.
“Onde a cidade diz que está revitalizando, ela está só enfeitando, maquiando. Se tirassem todo esgoto, não deixassem água de sarjeta cair dentro deles e sem lixo, Manaus ia virar uma Veneza depressa, porque essas nascentes se recuperam muito rápido. Elas só precisam de sossego. As árvores chamam água. A raiz do buriti, por exemplo, é ‘ôca’ (vazia por dentro), ela vai crescendo até o lençol freático e quando chega lá embaixo, ele puxa toda a água pra cima. Por isso, o igarapé Água Branca é um dos últimos que leva água limpa, fria e rica em oxigênio. Vários igarapés contribuintes, como o Água Branca, formam o igarapé do Tarumã Açu, que dentro dele existem dois igapós, ameaçadíssimos”, explicou o jornalista.
Ameaças
Segundo Jó Farah, as ameaças ao Água Branca são muito graves. Ele contou à equipe do Portal Amazônia, que atualmente a empresa Oliveira Energia se instalou nas APPs de nascentes do igarapé e desmatou uma enorme área que está lançando barro para dentro do leito.
Não se sabe como conseguiram licença ambiental para se instalar na APA-TARUMÃ, porque a empresa trabalha com manutenção de gigantescas máquinas geradoras de energia movidas à diesel e este tipo de atividade é proibido dentro de qualquer área de proteção ambiental. Ainda segundo Farah, muitas delas estão jogadas a céu aberto na área do enorme desmatamento que fizeram alcançando as margens de nascentes. “Basta apenas um derramamento de óleo e será o fim do Água Branca”, assegurou.
Por isso, falar de água, é necessário muita atenção, principalmente quando ela está correndo perigo. Se tratando da Amazônia, é ainda mais importante, pois estamos falando da maior bacia hidrográfica do planeta, responsável por 20% da água doce que chega aos oceanos. O desmatamento e as queimadas não são as únicas preocupações, mas a perda de água é a ameaça mais silenciosa à maior floresta tropical do planeta.
Um estudo da WWF-Brasil (World Wildlife Found) publicado na revista científica Water/MDPI revelou dados extremamente preocupantes: em média foram perdidos 350 km² de área coberta por ambientes aquáticos, por ano, desde a década de 1980 – áreas úmidas como várzeas, mangues e lagos.
Outro estudo da NASA comprovou os dados do estudo do WWF-Brasil. O documento mostra que, nos últimos 20 anos, a atmosfera acima da floresta amazônica está secando, aumentando a busca por água e deixando os ecossistemas vulneráveis a incêndios e secas. Também assegura que esse aumento na secura é principalmente o resultado de atividades humanas. “A mudança na aridez atmosférica está muito além do que seria esperado da variabilidade natural do clima”, diz Armineh Barkhordarian do JPL, principal autor do estudo.
“É uma questão de oferta e demanda. Com o aumento da temperatura e o ar seco por cima das árvores, as árvores precisam de mais água do solo para transpirar. Mas o solo não tem água extra para as árvores”, explica Sassan Saatchi, co-autor do estudo. “A demanda está aumentando, a oferta está diminuindo e, se isso continuar, a floresta poderá não ser mais capaz de se sustentar”, completa.
As árvores e plantas retiram água do solo e liberam vapor de água por meio dos poros das folhas na atmosfera, onde esfria o ar e, eventualmente, sobe para formar nuvens e chuva – as florestas tropicais geram até 80% de sua própria chuva, especialmente durante a estação seca. A diminuição de água na superfície causa a diminuição de vapor na atmosfera e, consequentemente, menos chuvas. Ou seja, é possível afirmar que a água das pequenas nascentes ou rios são extremamente importantes e responsáveis não só pelas chuvas, mas pelo sustento das florestas.
Jó Farah ainda destacou o perigo de ter casas, prédios e shoppings ao lado ou em cima de igarapés e o fato de todos terem cometido crime ambiental e não terem sido punidos.
Logo, o que mantém um igarapé limpo? Segundo Jó, ele precisa de floresta, uma área de 100 metros de cada lado para manter as nascentes vivas.
Pensando nisso, Jó abriu um trabalho na internet, onde consegue ajuda da ciência, da mídia e de voluntários para monitorar as ameaças. “Por isso nós criamos a página no Facebook, ‘Água Branca Online’. Esse igarapé agora tem voz. Lá nós contamos o dia-a-dia, temos o histórico de tudo que enfrentamos e todo tipo de crime ambiental cometido ao redor dele, nós denunciamos” informou.
“Manaus matou todos os igarapés que cortaram seu caminho. Todos morreram calados, sem voz, sem autores do crime. Dar voz ao Água Branca e visibilidade à sua beleza rara é nossa missão jornalística proativa”, assegurou o jornalista.
Fonte: Portal Amazônia
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