O professor da USP Hugo Fortes mostra suas “Florestas do Isolamento” até 30 de outubro na Escola de Botânica
Adentrar uma floresta não é tarefa fácil. É preciso ter cuidado e estar sempre atento às trilhas para não se perder. O artista e professor do Departamento de Artes Plásticas da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP Hugo Fortes viveu essa experiência em 2018, durante um programa de imersão de dez dias na Floresta Amazônica promovido pelo Labverde – Programa de Imersão Artística na Amazônia, uma plataforma multidisciplinar “para o desenvolvimento do pensamento crítico sobre a natureza e a ecologia”, como se lê no site desse programa. O professor e um grupo de cerca de 15 artistas internacionais, de países como Estados Unidos, Alemanha, Itália e França, participaram da residência artística. Na ocasião, Fortes produziu um vídeo e grande quantidade de fotografias, que serviram de base para suas pinturas mostradas na exposição Florestas do Isolamento, que está em cartaz até o dia 30 de outubro na Escola de Botânica, em São Paulo.
Com curadoria de Ana Carolina Ralston, a montagem pretende recriar o ambiente da floresta. Nela, cerca de 20 obras de diferentes tamanhos formam um grande painel visual. São pinturas em acrílica e ecoline sobre papel que estão penduradas no teto em diferentes alturas e profundidades, criando camadas de imagens sobrepostas que, segundo o artista, remetem à experiência de se estar na floresta. “Assim, algumas obras estão mais perto do observador, outras mais longe e para se deslocar o visitante precisa tomar cuidado para não esbarrar nelas. Essa espécie de confusão visual, provocada pelas sobreposições e as diferentes percepções da distância e da proximidade, nos lembra a sensação de caminhar por entre as árvores da floresta, sendo rodeados por elas por todos os lados”, comenta Fortes.
Depois de sua inauguração, no dia 28 de setembro passado, a visualização da exposição passou a ser feita através da vitrine da Escola de Botânica, para que não haja aglomeração de pessoas por causa da pandemia de covid-19, como explica o artista. Entretanto, diz ele, essa visualização através do vidro, além de permitir que a exposição seja vista por todos os passantes da rua, também cria um isolamento das imagens, que dialoga com o próprio título da exposição. “É como se a floresta que se encontra ali na vitrine pudesse ser preservada através de seu isolamento”, observa.
Imersão na floresta
Entre agosto e setembro de 2018, o grupo de artistas chegou à Amazônia. “Nos primeiros três dias da imersão, ficamos em um barco navegando pelo Rio Negro e seus igarapés, conhecendo a floresta através de suas águas e parando em alguns lugares para realizar trilhas ou mergulhar nas praias fluviais”, conta Fortes. “Posteriormente, ficamos mais sete dias residindo em algumas casas da Reserva Adolpho Ducke – homenagem ao botânico e etnólogo austríaco considerado um dos pioneiros no estudo da flora amazônica –, uma imensa área de floresta virgem pertencente ao Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa)”, diz. Ali, acrescenta, puderam vivenciar a floresta em toda a sua intensidade, rodeados pela mata densa e seus animais.
“Além de realizarmos trilhas para conhecer a floresta, acompanhados por guias e biólogos, tivemos algumas palestras com cientistas e artistas amazônicos”, informa Fortes, dizendo que havia também tempo livre, usado para captação de imagens e impressões para o desenvolvimento de trabalhos artísticos. Segundo o professor, a interação entre os participantes ainda hoje rende colaborações artísticas. “Fiz muitas fotografias e também um vídeo, que foi editado por mim lá mesmo e projetado no quarto em que dormi, fazendo uma relação entre a paisagem da floresta e a intimidade e criando uma atmosfera de sonho amazônico”, lembra Fortes. Depois, o vídeo intitulado Amazônia Insomnia foi retrabalhado e exibido em exposições no Brasil e no exterior. Tanto as fotografias quanto o vídeo serviram de base para a produção das pinturas que originaram a exposição Florestas do Isolamento.
Processo de criação
No período em que esteve na Amazônia, Fortes não imaginou que realizaria uma série de pinturas a partir dessa experiência. “Eu tinha a sensação de que nenhuma imagem era capaz de captar a experiência de estar ali. Para mim, parecia que as fotografias davam apenas uma vaga ideia do que eu estava realmente vivenciando”, relata. E foi apenas dois anos mais tarde, durante os primeiros meses de isolamento provocados pela pandemia, que o artista resolveu olhar novamente para aquelas fotografias e reinterpretá-las através da pintura. “Acredito que através da pintura posso traduzir melhor a experiência de imersão vivida na floresta.”
“O fato de termos que ficar fechados em nossas casas nos fez voltar para uma reflexão interna e uma outra percepção do tempo, e para mim a arte foi uma possibilidade de repensar esse momento e reencontrar a vida em um momento em que estávamos sendo bombardeados pelas mortes de entes queridos, ao mesmo tempo em que víamos nossas florestas serem destruídas de forma acelerada”, lembra Hugo Fortes. Para o professor, o isolamento social permitiu um tempo disponível para se dedicar à concentração que a pintura exige. “Após uma primeira leva de obras realizadas em algumas semanas em 2020, retomei o trabalho no início de 2021, produzindo as pinturas maiores.”
Atualmente, o professor continua a produzir novas pinturas dessa série, que devem ser apresentadas em outra exposição, ainda sem data definida. Além disso, a imersão na Floresta Amazônica deu origem a algumas fotografias e trabalhos gráficos inéditos, e ainda surgiram ideias para a criação de instalações. “Creio que essa experiência permanecerá por muito tempo em minha memória e ainda vai gerar diversos outros trabalhos, já que a vivência na floresta é uma fonte de criação inesgotável e um assunto cada vez mais urgente, em vista da destruição que vem ameaçando nosso ambiente.” Como escreve a curadora Ana Carolina Ralston no site da Escola de Botânica, a exposição é “um louvor à luz e à vida presente na floresta”.
A exposição Florestas do Isolamento está em cartaz até 30 de outubro, de terça a sexta-feira, das 11 às 17 horas, e sábados, das 11 às 14 horas, na Escola de Botânica (Rua Imaculada Conceição, 30, Santa Cecília, em São Paulo). Por medida de segurança, a mostra só pode ser vista através da vitrine da Escola de Botânica. Mais informações estão disponíveis no site da escola.
Fonte: Jornal da USP
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