“Estimar o valor da floresta e o custo do desmatamento adquiriu maior relevância com aprovação do Projeto de Lei 5.028”.
Joaquim Levy (*)
Como para qualquer bem precioso e insubstituível, o valor da Amazônia é inestimável e provavelmente infinito. Mas algumas indicações podem ajudar. O Produto Interno Bruto (PIB) da Amazônia está perto de R$ 600 bilhões. A maior parte dele, como em outras regiões, vem do setor de serviços nas cidades, tendo relação apenas indireta com a floresta. A cadeia da pecuária, muito proeminente, soma cerca de 5% daquele PIB, ou uns R$ 30 bilhões por ano.
Estimar o valor da floresta e o custo do desmatamento adquiriu ainda maior relevância com a aprovação do Projeto de Lei (PL) n.º 5.028, que institui o Programa Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais. Uma abordagem conservadora para essa avaliação partiria da quantidade de carbono na floresta, que se traduziria por 350-400 toneladas de CO2 emitidas por hectare desmatado. Considerando o preço de US$ 30 por tonelada de CO2 que vige na Europa, chega-se a um custo implícito de R$ 50 mil por hectare.
Um pasto tradicional precisaria de 50 anos para render os US$ 10 mil perdidos por hectare desmatado. No entanto, o Brasil permitiu o desmatamento de 1 milhão de hectares no ciclo de 2020, a grande maioria em terras públicas. Onde um boi leva até quatro anos para alcançar os 500 kg para o abate, e as 15-17 arrobas de carcaça resultantes valem perto de R$ 4 mil, o rendimento acaba em R$ 1 mil anuais por hectare – afora os custos da terra, de obter o novilho ou pagar juros. Por isso, muita terra desmatada será abandonada, a não ser quando há a expectativa de o governo recompensar quem as invadiu, dando-lhes títulos de propriedade.
O valor da Amazônia excede aquele do carbono que ela contém, devendo incluir, além de intangíveis como as culturas locais, o valor da biodiversidade e da regularização das chuvas no território nacional. A pouca chuva em 2020, por exemplo, além de atrasar a safra de soja, baixou os reservatórios dos rios formados no centro do País, levando o governo a aumentar o preço da eletricidade em R$ 60/MWh. Tomando-se o consumo anual de 140 TWh pelo setor residencial, isso pode pesar R$ 9 bilhões para as famílias brasileiras, sem contar o impacto indireto na indústria e nos serviços.
Implementar o Código Florestal de 2012 ajudaria a revelar o valor da floresta. Ele prevê compensar a insuficiência de reserva legal em uma propriedade com a proteção da vegetação nativa excedente em outra. Com o PL 5.028, a renda obtida pela prestação de serviços ambientais (PSA) como este, assim como de instrumentos financeiros que facilitem sua dinamização, poderá atrair vantagens tributárias. Mecanismos assim estimularão o investimento para aumentar a produtividade da terra e a pecuária integrada à lavoura e à floresta, diminuindo a demanda por terras virgens e aumentando a oferta de áreas para regeneração. Mas seu sucesso dependerá da conformidade de todas as propriedades com o Código Florestal.
Também é preciso enfrentar os problemas fundiários da Amazônia para o desenvolvimento sustentável e o PSA, especialmente pelo governo, vingarem. Novas tecnologias, com a digitalização dos títulos de propriedade na região, e sua integração com várias bases de dados, tais como o cadastro ambiental rural, são chave e urgentes, inclusive para o setor financeiro ajudar na transformação da economia regional. Este choque tecnológico não custa caro. A experiência (por exemplo, em alguns municípios do Pará) indica que ele também pode criar opções para superar os conflitos e lacunas na comprovação da propriedade que emerjam, orientando as políticas públicas. Surgirá daí a informação para contratos bilaterais de PSA, investimentos na terra e ações que estabilizem o pequeno produtor e protejam o bioma. Sem falar na transparência para um eventual gasto público valorizando a floresta.
(*) JOAQUIM É DIRETOR DE ESTRATÉGIA ECONÔMICA E RELAÇÕES COM MERCADOS DO BANCO SAFRA.
Fonte: O Estado de S.Paulo
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