A bioeconomia converteu-se numa das mais importantes fronteiras da inovação científica e tecnológica global. Estados Unidos, União Europeia e, cada vez mais, a China empenham-se na implantação de programas governamentais voltados à substituição de combustíveis fósseis, à produção de novos materiais com base na biomassa vegetal, à descoberta de moléculas capazes de gerar alimentos, fármacos e cosméticos e à síntese em laboratório destas moléculas.
Um dos traços mais chocantes, porém, da literatura internacional sobre o tema é a ausência das florestas tropicais, tanto nas pesquisas de ponta como nas descobertas recentes da bioeconomia. Reduzir a distância é fundamental, não só para a Amazônia, mas para o conjunto da América Latina. Aí é que se encontra a oportunidade de que o continente ganhe alguma relevância na economia global.
Mas como assim? Recursos naturais podem ser base significativa de crescimento econômico e de prosperidade?
Carlota Perez, professora da Universidade de Sussex, no Reino Unidos, e uma das mais respeitadas pesquisadoras sobre revoluções tecnológicas, responde à pergunta mostrando que, na era da revolução digital (a quinta revolução tecnológica pela qual passa o mundo desde o século 18), a oportunidade da América Latina está na unidade entre o “inteligente”(smart) e o verde (green)”. Recursos naturais, nesse sentido, não representam apenas as matérias-primas que serão transformadas em alimentos, fibras, materiais e energia. Nisso o Brasil mostra competência, resultante do trabalho da Embrapa na emergência da mais importante agricultura tropical do planeta.
Mas é preciso ir além, caso a ambição seja, ao mesmo tempo, impedir a destruição da floresta e fazer de sua diversidade um fator decisivo de inovação científica e tecnológica. Recursos naturais podem abrir à América Latina a chance de ser parte da vindoura revolução tecnológica em quatro segmentos: biotecnologia, nanotecnologia, bioeletrônica e novos materiais, como mostra Carlota Perez.
Quando se fala de Amazônia, a diversidade se reveste de alguns atributos básicos, que formam a base de seus potenciais.
O primeiro atributo é de natureza social: o conhecimento detido pelos povos da floresta oferece pistas promissoras na descoberta de propriedades moleculares dos elementos naturais com os quais convivem há milênios. Mais do que a dimensão prática e instrumental de sua cultura material, eles são portadores de uma espiritualidade que se traduz nas línguas que falam, nos rituais que praticam e em modos de vida cheios de ensinamentos e que têm sido sistematicamente desrespeitados e agredidos.
Mas o conhecimento da floresta não depende apenas, é claro, dos povos que nela habitam. As universidades, a Embrapa e diversas organizações não-governamentais são hoje produtoras de conhecimento científico de alto nível, publicado nas melhores revistas internacionais. E esses pesquisadores mantêm vínculo estreito, tanto com os povos da floresta como com agricultores familiares e fazendeiros que ocupam áreas cuja regeneração florestal tem um potencial imenso na oferta de produtos e serviços da biodiversidade. Trabalho recente da Secretaria de Ciência e Tecnologia do Amazonas mostra a importância da interiorização de mestres e doutores pelo interior do Estado.
Além disso, o Estado do Amazonas é hoje um dos mais importantes centros de produção de tecnologias digitais do Brasil. É fundamental multiplicar os investimentos em educação, ciência e tecnologia. Mas a região possui um contingente importante de pesquisadores que se dedicam de forma significativa ao conhecimento, tanto das práticas sociais como das propriedades e atributos da biodiversidade da Amazônia.
O uso sustentável da sociobiodiversidade (um passo fundamental para que a Amazônia reduza sua distância da fronteira científica e tecnológica global da bioeconomia) apoia-se sobre uma forma de ativismo cada vez mais importante na Amazônia e que se volta ao mundo dos negócios. O Idesam, por exemplo, recebeu financiamentos pelos quais abre editais em que startups apresentam projetos voltados à utilização sustentável da biodiversidade e à solução de problemas de infraestrutura da região.
O Selo Origens Brasil ganhou em 2019 importante prêmio internacional por seu trabalho de certificação de produtos vindos da relação entre grandes empresas e povos da floresta. O Programa Sementes do Xingu (também premiado) oferece a fazendeiros tecnologias de reflorestamento apoiadas na coleta de sementes feita por populações que vivem na floresta, em conjunto com pesquisadores da Embrapa. A Conexsus, também em 2019, identificou 250 empresas com potencial de comprar produtos da bioeconomia, das quais quais 82 apontaram demanda por 290 produtos.
O mundo da ciência e do empreendedorismo sustentável está hoje na raiz das mais importantes organizações ativistas da Amazônia. E isso traz duas consequências fundamentais.
A primeira é que, como bem mostra Carlota Perez, o Brasil e a América Latina não vão alcançar a fronteira da inovação tecnológica global na produção de microchips, televisores ou automóveis. É na aplicação de ciência e tecnologia ao conhecimento e ao uso da biodiversidade florestal que estão as maiores chances de que a economia do continente ganhe relevância global. As organizações que hoje fomentam o empreendedorismo sustentável na Amazônia estão contribuindo para a emergência de um ambiente de negócios favorável a essas conquistas.
A segunda consequência da junção entre ativismo, ciência e empreendedorismo está no substrato ético das iniciativas atuais das organizações que fomentam o empreendedorismo na Amazônia. Elas não se pautam apenas por respeito à natureza, mas também pelo protagonismo das populações tradicionais da região nas iniciativas empreendedoras. É um empreendedorismo em que povos indígenas, ribeirinhos, agricultores familiares têm papel central.
Num país tão marcado pela destruição e pelo racismo, os negócios que surgem na Amazônia representam um passo fundamental no surgimento de uma vida econômica marcada pela unidade orgânica entre a inovação e a luta contra as desigualdades.
Fonte: Outras Palavras
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