A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) sobre Outras Formas de Trabalho 2019 revela que a mulher tem peso importante no Brasil, sobretudo no que se refere a afazeres domésticos, enquanto a produção para consumo próprio é atividade mais masculina.
Divulgado hoje (4) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o levantamento abrange afazeres domésticos, cuidados de pessoas, trabalho voluntário e produção para consumo próprio. De acordo com a pesquisa, esse “trabalho invisível” não remunerado, que não se precifica nem conta como ocupação, pesa muito sobre as mulheres, que se dedicam cerca de 20 horas semanais a esse tipo de atividade.
Em entrevista à Agência Brasil, a economista Alessandra Brito, responsável pelo levantamento, disse que desde 2016 – quando o estudo sobre outras formas de trabalho começou a ser feito – embora o nível de realização desses serviços pelos homens tenha aumentado, os cuidados e afazeres pelos representantes do sexo masculino continuam desiguais em relação às mulheres.
Afazeres domésticos
No ano passado, 146,7 milhões de pessoas, ou o correspondente a 85,7% da população, realizaram afazeres domésticos no Brasil, com significativa participação das mulheres (92,1%), contra 78,6% de homens. Em relação ao ano anterior, entretanto, houve expansão para os homens de 0,4 ponto percentual (pp) – a taxa era 78,2% em 2018 -, enquanto as mulheres permaneceram estáveis (92,2% em 2018). O total de pessoas que se dedicavam a afazeres domésticos no país aumentou em 1,6 milhão de um ano para outro.
De acordo com a pesquisa, a maior diferença da taxa de realização de afazeres domésticos entre homens e mulheres, de 21 pp, foi encontrada na Região Nordeste: 69,2% para homens, contra 90,2% para as mulheres. Também no Norte foi observada grande diferença por sexo: homens com 76,9%, contra 91,4% de mulheres. A Região Sul apresenta maior percentual de homens fazendo serviços domésticos: 84%, contra 93,6% de mulheres.
Alessandra Brito afirmou que além da questão regional, a prática de afazeres domésticos por homens no Norte e Nordeste tem a ver com a questão da escolaridade. “A gente vê que pessoas com menos escolaridade tendem a fazer menos afazeres do que pessoas de mais alto nível de instrução. Nessas regiões, o nível de instrução é um pouco menor. Isso pode estar influenciando”.
A economista avaliou que a mentalidade do homem, em especial, vai mudando com a escolarização. A taxa de realização de afazeres domésticos pelos homens, que alcança 74,1% para os sem instrução ou com nível fundamental incompleto, sobe para 85,7% no caso dos que têm ensino superior completo. No mesmo comparativo, as mulheres ascendem de um patamar de 89,6% para 93,4%.
Faixa etária
Por grupos de idade, mulheres e homens acima de 25 anos e maiores de 50 anos praticam mais afazeres domésticos do que os mais jovens, com 89,2% e 86,4%, respectivamente. Em termos de cor ou raça, a pesquisa revela relativa estabilidade entre as mulheres brancas (91,5%), pretas (94,1%) e pardas (92,3%), e entre os homens brancos (80,4%) e pretos (80,9%), com redução entre os pardos (76,5%). “A pessoa parda faz menos. É mais o caráter regional”, disse a analista.
De acordo com a condição no domicílio, a maior diferença por sexo de realização de afazeres em casa é encontrada entre filhos e enteados (18,3 pontos percentuais), do que entre responsáveis (8,7 pp) e cônjuges e companheiros (14,8 pp). “Os filhos ajudam menos”, comentou Alessandra.
A análise por tipo de afazer doméstico mostra que as principais diferenças por sexo são encontradas em cozinhar (33,5 pp), lavar roupas e calçados (36,6 pp) e fazer pequenos reparos (27,5 pp). Preparar alimentos é a atividade mais realizada pelas mulheres brasileiras,com 95,5%, enquanto os homens fazem mais compras e pesquisam preços para o domicílio (73,5%). Os homens representam quase o dobro das mulheres na realização de pequenos reparos: 58,1%, contra 30,6%. “Mas as mulheres fazem mais quase todas as atividades”, disse a economista.
Quando mora sozinho, o homem tende a preparar seu próprio alimento (92,6%), cuidar da limpeza e manutenção de roupas e sapatos (88,7%) e limpar e arrumar a casa (86,9%). Alessandra comentou que pesquisa do IBGE divulgada no mês passado já mostrou que em domicílio com um só morador, em geral homens e mulheres fazem afazeres de forma equiparada. Se o homem estiver em coabitação ou for o cônjuge, as taxas diminuem bastante, exceto no que se refere a pequenos reparos, que os homens fazem mais.
Cuidado de pessoas
No item referente ao cuidado de parentes moradores no domicílio, que envolve crianças, idosos, pessoas enfermas ou com deficiência, o Brasil contabilizou 54,1 milhões de pessoas (31,6% da população) em 2019, indicando queda em comparação ao ano anterior (31,8%). As mulheres predominam, com 36,8%, contra 25,9% de homens.
Por regiões, o Nordeste e o Norte apresentaram as maiores diferenças de taxa entre homens e mulheres, de 13,7 pp e 13,5 pp, respectivamente. “O Nordeste mostra a menor taxa de realização entre os homens (24,1%)”, destacou a economista. Já no Norte, a taxa de realização das mulheres é a mais alta do país (41,2%) porque há maior cuidado com crianças na faixa etária de zero a 14 anos de idade. “O Norte é a região que tem mais crianças até uma faixa mais jovem. Esse cuidado é esperado”.
Por grupos de idade, a pesquisa destaca que a realização de cuidados é maior entre 25 e 49 anos (43,4%), possivelmente ligada à presença de filhos. As mulheres são maioria nesse tipo de ocupação, com 49,3%, contra 36,9% dos homens. Por cor ou raça, observa-se que esse tipo de cuidado é feito mais por mulheres negras (39,6%) e pardas (39,3%), do que por brancas (33,5%).
Entre os homens, no entanto, a proporção é considerada equilibrada. Por nível de instrução, a pesquisa mostra que, em geral, quanto maior é o grau de escolaridade, maior o cuidado dispensado a outras pessoas no domicílio (33,4%). O mesmo se aplica aos homens com ensino superior completo (30,3%). Entre as mulheres, a maior taxa de realização ocorre entre aquelas com ensino fundamental completo e médio incompleto (41,1% e 40,9%, respectivamente).
Segundo o levantamento do IBGE sobre outras formas de trabalho não remunerado, diminuiu em 2019 o cuidado de crianças de até 5 anos de idade em relação a 2018 (de 50,7% para 49,2%). Em contrapartida, aumentou a taxa de realização de cuidados com crianças e adolescentes de 6 a 14 anos de idade (de 51,1% para 52%) e também de pessoas de 15 a 59 anos de idade (de 11,9% para 13,3%) e maiores de 60 anos de idade (de 9,7% para 10,5%).
Por sexo, a prática de cuidados foi maior em 2019 tanto para homens (87,6%) quanto para mulheres (91,6%), na tarefa de monitorar ou fazer companhia dentro do domicilio. Nos demais tipos de cuidados, nota-se maior diferença entre mulheres e homens, com destaque para o auxílio de mulheres nos cuidados pessoais e nas atividades educacionais. “Pesa mais para a mulher”.
Cuidados e afazeres
Quando se alia os cuidados aos afazeres domésticos, descobre-se que a taxa de realização é maior entre as pessoas ocupadas (89,6%) do que entre as não ocupadas (84,1%). As regiões Centro-Oeste e Sul tiveram as maiores taxas de realização no ano passado (90,1% e 89,9%, respectivamente), enquanto o Nordeste teve a menor taxa (82,2%). Analisando a média de horas dedicadas aos afazeres domésticos e/ou cuidados de pessoas, que muitas vezes podem ser feitos simultaneamente, como cozinhar e monitorar o filho, por exemplo, o que se percebe é que os homens dedicam 11 horas semanais, contra 21 horas, em média, das mulheres. “Essa diferença persiste desde o ano passado”.
Alessandra Brito acrescenta que, considerando homens e mulheres ocupados, a diferença de horas é de 8,1 a mais para as mulheres; entre os não ocupados, a diferença alcança 11,9 horas. “A diferença está se mantendo e é mais difícil mudar a intensidade de horas na realização ou não de cuidados e afazeres pelos homens”.
A pesquisa indica ainda que a diferença de horas no mercado de trabalho entre mulheres que fazem ou não afazeres e cuidados foi maior na Região Norte, com três horas a mais para as que não fazem. “A mulher trabalha três horas a menos no mercado de trabalho do que aquela que não realiza”, explicou a analista do IBGE. No Brasil, a diferença é, em média, de uma hora a mais para aquela que não está no mercado de trabalho.
Produção para consumo
No item relativo à produção de bens para consumo próprio, a pesquisa indica que houve queda tanto em termos nacionais quanto regionais. Em 2019, 12,8 milhões de pessoas realizavam produção para próprio consumo das pessoas de 14 anos ou mais de idade, o que correspondia a 7,5% da população do país. Em 2018, essa taxa atingia 7,7%. A maior retração em relação ao ano anterior foi observada no Norte brasileiro, onde caiu de 10,2% para 9,8%. A menor ficou com o Sudeste: de 4,7% para 4,5%.
A taxa de realização de produção para o próprio consumo é maior entre homens (8%), do que entre mulheres (7%) e cresce com a idade (10,6%) para os maiores de 50 anos ou mais. A taxa é mais alta também entre pessoas pretas (7,5%) e pardas (8,6%) e entre as não ocupadas (8,6%) – pessoas fora da força de trabalho ou desocupadas. A taxa de realização cai com o nível de instrução. Esse tipo de produção para consumo próprio é mais observado nas regiões Norte e Nordeste, sobretudo para cultivo, pesca, caça e criação de animais. Essas atividades incluíram um total de 77,9% de pessoas no ano passado, com taxa de 81,4% entre os homens e de 74,3% entre as mulheres.
Voluntariado
O trabalho voluntário envolveu 6,9 milhões de pessoas no Brasil em 2019, correspondendo a 4% da população. Alessandra observou, porém, que a taxa de realização vem caindo desde 2017. O Centro-Oeste apresentou a maior redução, de 4,6% em 2018 para 3,9% no ano passado.
Do total de voluntários, a mulher predomina, com 4,8%, contra 3,2% dos homens. Por grupos de idade, destacam-se os que se encontram na faixa de 25 a 49 anos (4,2%) e de 50 anos ou mais (4,7%). O trabalho voluntário é menor entre pessoas de cor parda (3,5%) do que entre pretos (4,8%) e brancos (4,5%). Do mesmo modo, a taxa de realização é maior entre os ocupados (4,5%) do que entre os não ocupados (3,5%), ampliando-se com o nível de escolaridade. Entre as pessoas com ensino superior completo, a taxa de realização do trabalho voluntário alcança 7,6%. “Em geral, pessoas mais escolarizadas tendem a realizar esses trabalhos voluntários”, afirmou a economista.
Do total dos voluntários, 90,7% realizaram trabalhos por meio de organizações não governamentais, congregações religiosas, partidos, sindicatos, entre outros tipos de instituições ou entidades. A média de horas dedicadas ao trabalho voluntário cresceu no Brasil de 2018 para 2019, de 6,5 horas semanais para 6,6 horas/semana, exceto no Sudeste, onde caiu de 6,7 horas semanais para 6,4 horas/semana.
Fonte: Agência Brasil
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