Arquiteto e urbanista de obras icônicas no Amazonas, Severiano Mário Porto, 90 anos, faleceu nesta quinta-feira (10), de complicações decorrentes do Covid-19, no Rio de Janeiro, às 11h. Em nota divulgada pela família Porto lamentando a morte do arquiteto nascido em Uberlândia (MG), o velório, devido à pandemia, será reservado à família somente. Seu sepultamento ocorrerá no cemitério Parque da Colina, em Niterói. Este ano, ele foi homenageado em Manaus com a exposição “Severiano 90 anos”, no Centro Cultural Palácio da Justiça (avenida Eduardo Ribeiro, 901, Centro), com uma mostra de fotografias das obras e também joias inspiradas no estilo do arquiteto. Arquiteto premiado Entre alguns edifícios projetados por Severiano estão a sede da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), uma agência da Caixa Econômica Federal, o Fórum Henoch Reis, a Igreja de Cavaco, o antigo estádio Vivaldão, demolido, entre outras obras. Severiano Mário Porto mudou-se com a família para o Rio de Janeiro aos 5 anos de idade. Formou-se na Faculdade Nacional de Arquitetura – FNA, da Universidade do Brasil, em 1954. Como estudante fez estágio na Construtora Britto e como arquiteto responsável pelo desenvolvimento de obras permanece na empresa por cerca de 11 anos. Em 1965 foi convidado pelo então governador do Amazonas, Arthur Cezar Ferreira Reis (1908 – 1993) – pai de um colega do Colégio Brasil América -, a realizar a reforma do palácio do governo, 1965, e o projeto da Assembleia Legislativa do Estado, 1965. No período em que permaneceu em Manaus para o desenvolvimento desses projetos, que não se concretizam, Severiano Porto recebeu outras encomendas e então mudou-se para a cidade, em 1966.
No Rio de Janeiro Manteve o escritório do Rio de Janeiro com a coordenação de seu sócio, o arquiteto Mário Emílio Ribeiro (1930), colega de turma da FNA e co-autor em projetos importantes, como o Estádio Vivaldo Lima, 1965, o Campus da Universidade do Amazonas, 1970/1980, e a Pousada na Ilha de Silves, 1979/1983, todos construídos no Amazonas. Muitos dos projetos desenvolvidos na região foram premiados pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil – IAB, como o Restaurante Chapéu de Palha, 1967 (demolido), a Residência do Arquiteto, 1971, e a Pousada da Ilha de Silves. O conjunto de sua obra é premiado na Bienal Internacional de Arquitetura de Buenos Aires, em 1985, e ele alcançou renome internacional, que foi confirmado em 1987, quando foi homenageado como o homem do ano pela revista francesa L’Architecture d’Aujourd’hui.
Um ano antes a parceria de Severiano e Ribeiro acabou reconhecida pelo prêmio Personalidade do Ano, que os arquitetos recebem do departamento carioca do IAB. Professor Em Manaus, Severiano também exerceu a função de professor de arquitetura e urbanismo na Faculdade de Tecnologia da Universidade do Amazonas, de 1972 a 1998. Depois de 36 anos vivendo em Manaus, o arquiteto retornou ao Rio de Janeiro, e transferiu o escritório para Niterói, onde ficou residindo. Em 2003 recebeu o título professor honoris causa da Universidade Federal do Rio de Janeiro – URFJ. A diversidade revelada pelo conjunto de sua obra e a capacidade de enfrentar diversos programas e sistemas construtivos com a mesma desenvoltura comprovam não só a versatilidade desse arquiteto, a importância de sua experiência pregressa no canteiro de obras como também o fato de que “normas estéticas, doutrinas, conceitos ou filiação a escolas e tendências, nunca foram a sua preocupação”. Nota de pesar Nesta quinta-feira, o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Amazonas (Crea-AM) – do qual Severiano Mário Porto foi um dos fundadores – lamentou a morte do arquiteto e urbanista, por meio de uma nota assinada pelo presidente da instituição, Afonso Lins. “O Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Amazonas (CREA-AM) manifesta seu mais profundo pesar pelo falecimento do arquiteto Severiano Mário Porto, um dos fundadores do Crea Amazonas e uma das maiores personalidades do Amazonas no último século”, diz a nota. “Em nome de todos os servidores, inspetores, conselheiros e diretoria do Crea-AM, o presidente, engenheiro Afonso Lins, manifesta sua solidariedade aos familiares e amigos, neste momento de profunda dor e perda.”
Veja matéria da TV Amazonas sobre suas obras, clicando aqui
Em homenagem a Severiano Mário Porto: O arquiteto da sustentabilidade amazônica
Alfredo MR Lopes – 15 de julho 2009
Justas e oportunas serão todas as homenagens que deveriam ser prestadas a Severiano Mário Porto, contanto que elas possam resgatar a obra deste arquiteto da sustentabilidade amazônica, para as novas gerações. Por sua inspiração na cultura e bioma Amazônia, cabe pensarum conjunto de programas de pesquisa que faça associação de sua obra à necessidade conservação de espécies naturais, pesquisas sobre a biodiversidade e educação ambiental, para fomentar e expandir o amor à natureza, da qual a Amazônia é a mais doce demonstração. Ensaia-se, assim, a recuperação de uma trajetória de vida e compromisso com a condição humana e seu habitat, deste mineiro de origem nordestina, como a absoluta maioria dos nativos miscigenados da Amazônia.
Formado no apogeu da arquitetura brasileira, cujo paradigma é a projeção e construção de Brasília nos Anos Dourados de JK, Severiano veio para a Amazônia e conseguiu, de modo harmônico e genial, conjugar a modernidade de sua bagagem com a biodiversidade e a homodiversidade que o
acolheu, centralizando na figura do homem amazônico seu referencial de inspiração e criatividade.
“Acreditamos que à medida que formos assumindo a responsabilidade de nos situarmos no momento presente, com a imensa quantidade de informações de tudo o que foi feito até os dias de hoje, de todas as técnicas locais e regionais e mais ainda os novos materiais, os equipamentos
de apoio de que dispomos, as novas técnicas construtivas, estaremos coerentes com o momento atual, nossa época, livres para criar, de uma forma mais bela, racional, mais adequada às regiões, à ecologia, às identidades regionais e ao seu homem”. Esta revelação de princípios e visão de
mundo reflete a história viva de Severiano Mário Porto, revela o modo de sua presença e se confirma nos quase 40 anos de conduta ativa e criativa do arquiteto na região, cujos frutos as novas gerações precisam e devem visitar, conhecer e se apropriar nessa escassez de modelos e referenciais de atitudes comprometidas em que vivemos.
Fruto da observação atenta e do envolvimento integral com os nativos, seus hábitos, necessidades e desejos, a obra de Severiano começa a ser entendida nessa premissa determinante do comprometimento com as demandas do lugar e sua gente. “Quando o rio sobe, o caboclo constrói um assoalho mais alto, quando o rio desce, ele desfaz o assoalho, adaptando a casa ao movimento das águas… No interior da floresta, a casa é
feita de palha, com aberturas para sair o ar quente e a própria palha agindo como elemento isolante”. A “arquitetura do tapiri”, como ele costumava
descrever, foi decisiva na invenção da sustentabilidade ambiental de suas edificações. Com ela, Severiano ganhou reconhecimento e prêmios no Brasil e no exterior. Além de valorizar o conceito arquitetônico de caboclo, ele influenciou positivamente na atitude de descoberta e valorização da genialidade nativa.
Com Severiano, passamos a ter orgulho da casa de madeira, uma opção material disponível em abundância e de baixo custo, que era vista com restrições, por ser usada apenas pelos pobres para construírem suas próprias moradias.
De seu “Chapéu de Palha”, um restaurante lendário da Vila Municipal, e uma arquitetura revolucionária fundada nos conceitos de harmonia ambiental e equilíbrio climático restaram – por descaso imperdoável – apenas restou o prêmio do Instituto dos Arquitetos do Brasil, em 1966 e a demonstração da genialidade que se curva ao meio ambiente e ao bem estar das pessoas. E foi nesse paradigma inovador de valorização da ecologia pela ótica da antropologia que as diversas obras e prêmios se sucederam. A sede da Suframa, o campus da Universidade Federal da Amazônia, Centro de Proteção Ambiental de Balbina, a pousada na Ilha de Silves, a própria residência do arquiteto, entre tantas outras, traduzem a intimidade responsável e competente com que deu à luz a arquitetura da sustentabilidade na floresta, antes da adoção universal deste conceito que busca harmonizar Natureza e Cultura.
Severiano desembarcou no Amazonas pouco antes da implantação do modelo de desenvolvimento conhecido por Zona Franca de Manaus e sua presença pode ser anotada emtodos os momentos decisivos da consolidação do crescimento da região. Sua obra coincide com ações de infra-estrutura de educação, cultura, fomento, energia, comunicação… e revela os avanços de ocupação econômica no vazio amazônico, sempre sacudida pelo alerta permanente da necessidade de combinar progresso com respeito aos valores e demandas locais. Ele destacou em sua obra o conhecimento tradicional aliado à conservação dos parâmetros da ecologia sob o prisma da priorização do fator humano, “o ser mais nobre da
cadeia evolutiva”, sua história, cosmovisão e cultura, como se pode inferir do currículo de realizações desse genial arquiteto da floresta – Severiano Mário Porto.
Comentários