“Um jornal que fez do comércio a universalização do conceito de mercadoria, seu valor de uso e de troca em todas as dimensões. Com simplicidade e comprometimento cívico, o JC acompanhou a ascensão e o tombo das folias do látex e ainda hoje defende, divulga, debate e estimula o Programa de Desenvolvimento chamado Zona Franca de Manaus.”
Alfredo Lopes (*)
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Como celebrar o 117º aniversário do Jornal do Comércio sem visitar a história que este matutino registrou em suas páginas centenárias? Com várias décadas sob a direção do historiador e jornalista Vicente Reis, pai do governador do Amazonas, Arthur Reis (1964-1967), o jornal vive desde suas origens o dia-a-dia dos paradoxos de nossa economia amazônica, sempre marcada por altos e baixos da presença tímida do Brasil em seu planejamento e gestão. Recomendo, a propósito , o acesso fácil de sua memória cotidiana no acervo digital da Biblioteca Nacional disponível de forma organizada e com boa qualidade de leitura na web. Ali veremos e revivemos a cultura, a contradição da vida política, a reclamação do povo contra a violência, os bondes e os ônibus precários, a tentativa de emancipação administrativa do Rio Purus, em suma, um cotidiano sem muitas diferenças estruturais com nossos dias. Um jornal que fez do comércio a universalização do conceito de mercadoria, seu valor de uso e de troca em todas as dimensões. Com simplicidade e comprometimento cívico, o JC acompanhou a ascensão e o tombo das folias do látex e ainda hoje defende, divulga, debate e estimula o Programa de Desenvolvimento chamado Zona Franca de Manaus.
O espelho quebrado
Recomendo, também, e sempre a obra “A Grande Crise”, de Antônio Loureiro(2008), leitura indispensável para o conhecimento sociológico, político e econométrico da debacle do extrativismo na Amazônia no início do Século XX. Entre diversos recortes, Loureiro reporta os segmentos que se beneficiaram com a comercialização da borracha, sem qualquer empenho em planejar seus desdobramentos: o aparelho estatal, que arrecadou 25% de impostos; os exportadores, que compravam a borracha dos aviadores (os intermediários) para revendê-la no mercado exterior; e os intermediários, especuladores das bolsas de Nova York e Londres. Esses lucros reverteram em benefício de outras regiões brasileiras, ampararam a produção cafeeira do Sudeste e serviram para desenvolver as empresas de plantação asiática. Nesse contexto, é injusto e insensato crucificar o mercenário inglês Henry Wickham pelo sequestro das sementes de seringueira, razão formal e aparente da decadência do Ciclo da Borracha e da consequente crise em que entraram os Estados da região.
O culpado (não) são os índios
Wickham foi ágil e talvez inescrupuloso para observar por longos anos e assimilar a tecnologia milenar das etnias Mura, inventores do paneiro feito de folhas secas e cipós para armazenar farinha, sempre seca – pois vedavam a umidade – que permitia atravessar o período das enchentes que tornam o alimento escasso na Amazônia. Se impedem que umidade estrague a farinha, pensou o mercenário inglês, ficou muito fácil transportar as sementes da seringueira, a Hevea brasiliensis, para Inglaterra e daí, depois de melhorar as sementes no Museu Botânico de Kew, o passo seguinte foi cultivar no modo extensivo as seringueiras nos domínios tropicais da Cora Britânica, deixando-nos literalmente a ver navios, o modal logístico montado na Escócia, sob encomenda, para as condições específicas dos rios da Amazônia.
Antes tarde do que jamais…
É importante destacar que, além da hévea, os viajantes europeus e suas expedições ditas científicas levaram cacau, batatas, tabaco, abacaxi, caju, goiaba, maracujá, mandioca, macaxeira, açaí, guaraná, pupunha, além de quinino, cinchona, ipeca, jaborandi, capim-santo… Muitas dessas espécies voltaram em forma de alimentos e medicamentos beneficiados, com agregação de valor, pela indústria estrangeira, europeia e norte-americana. Mais de 100 anos depois nós descobrimos a roda da Bioeconomia e queremos/precisamos, urgentemente, saber do que se trata. Sem o mesmo apetite empreendedor demoramos a transformar os itens que importamos para a Amazônia brasileira e países da América tropical. Alguns deles fizeram as bases do agronegócio brasileiro, ou da explosão do açúcar e do álcool a partir da cana e da economia cafeeira. Tecnologia e inovação, sobretudo após a consolidação da Embrapa, nos anos 70. Nesta escolha o Brasil abraçou um projeto e deu no benefício universal.
Sua Excelência, o JC
Com atraso e com definição e decisão de abraçar, a Bioeconomia na Amazônia tem tudo para empinar. A começar pela fruticultura com a grande variedade de produtos da Ásia e da África, tais como manga, jaca, arroz, banana, entre outros da biodiversidade na Hileia, geradores de economia em escala e commodities lucrativas do agronegócio. O que importa, nessa reciprocidade de bionegócios é identificar quem fez ou quer fazer o dever de casa e agregar inovação e valor a esses produtos. Temos um acervo infinito de opções que podem revelar-se Ovos de Colombo com investimento em inovação. É importante revisitar alguns lugares comuns da história da agro e da bioindústria para trazer à luz acertos e negligências, atitudes proativas ou condutas derrotistas. É neste contexto que se deve refletir a economia do látex e os fundamento da Bioeconomia na história do desenvolvimento da Amazônia, pela máquina de datilografia e a genialidade editorial e centenária de Sua Excelência, o Jornal do Comércio do Amazonas.
(*) Alfredo é editor-chefe do https://brasilamazoniaagora.com.br e consultor do CIEAM.
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