Grandes incêndios são cada vez mais comuns em savanas tropicais, como o Cerrado e o Pantanal. Novas descobertas científicas revelam que esses incêndios podem representar uma ameaça aos sensíveis ecossistemas de floresta ripária. Em outubro de 2017, um grande incêndio se espalhou pelas savanas do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, em Goiás, queimando mais de 86 mil hectares de vegetação nativa e preservada (80% da área original do parque).
Agora, um estudo publicado na revista britânica Journal of Applied Ecology mostrou que esse grande incêndio causou uma alta mortalidade de árvores em algumas florestas ripárias do parque. “Para nossa surpresa, as florestas mais impactadas foram aquelas que inundam durante a estação chuvosa”, explica Bernardo Flores, primeiro autor do artigo e pesquisador colaborador do Laboratório Interdisciplinary Environmental Studies (IpES/UFSC). Em algumas florestas, o incêndio causou um impacto leve, mas em outras, o incêndio foi destrutivo, matando quase todas as árvores e permitindo que gramíneas invasoras e outras plantas oportunistas, como cipós e samambaias, em poucos meses começassem a dominar o ecossistema. O incêndio também liberou nutrientes da floresta sobre o solo, que agora ficarão expostos à erosão.
O estudo surgiu de uma demanda dos gestores do parque, preocupados com os impactos do incêndio de 2017, e envolveu a colaboração de 20 cientistas de diferentes instituições brasileiras e internacionais. Primeiro, os autores usaram imagens disponíveis pelo Google Earth para quantificar a perda de cobertura florestal na paisagem entre 2003 a 2019, em uma área de 90 hectares. As imagens de satélite foram comparadas com dados de campo, coletados em 36 florestas espalhadas pela paisagem queimada, incluindo informações detalhadas sobre todas as árvores, plantas herbáceas e o solo.
A floresta ripária é um habitat vital para grandes animais, como as onças, pois servem de abrigo em meio às savanas abertas. Florestas ripárias acompanham e protegem rios e outros tipos de cursos d’água, explica a professora da UFSC e também co-autora do artigo, Michele Dechoum. Quando incêndios reduzem a cobertura dessas florestas, eles podem desequilibrar cadeias alimentares e gerar efeitos em cascata, alterando ecossistemas inteiros.
“Uma parte dessas florestas ripárias fica inundada na estação chuvosa, mas outras não. E nós comparamos o efeito desse incêndio entre esses dois tipos de florestas – as inundadas e as não inundadas – para saber se os efeitos variavam, onde seriam mais drásticos. As florestas temporariamente inundadas são mais impactadas do que as não inundadas – em algumas florestas inundadas, a mortalidade de árvores chega a 100% e o solo superficial foi queimado, levando à perda de nutrientes e a processos erosivos”, explica Michele.
Além disso, essas florestas reduzem a erosão do solo, mantendo a qualidade da água que flui pelos riachos e alimentam grandes reservatórios de água do Brasil. No entanto, Rafael Oliveira, co-autor do artigo e professor da Unicamp, explica que “a governança ambiental do Brasil tem enfraquecido nos últimos anos, resultando num aumento de focos de incêndio”. A expansão da agropecuária vem permitindo que gramíneas invasoras se espalhem, tornando as paisagens mais inflamáveis. Com as mudanças climáticas, secas extremas estão deixando as savanas tropicais ainda mais vulneráveis a grandes incêndios com impactos catastróficos que podem persistir por décadas.
“Agora, queremos monitorar se essas florestas serão capazes de recuperar ao estado original, ou se ficarão aprisionadas em um estado de vegetação aberta”, conta Bernardo Flores. A perda dessas florestas ripárias pode ter consequências negativas para a fauna e equilíbrio ecológico do parque, e para o abastecimento de água na região. Os resultados do estudo também ajudarão nas estratégias de manejo do fogo nessas paisagens, visando manter as florestas ripárias mais resilientes no futuro.
Michele destaca que, no regime natural de fogo (fundamental para a dinâmica e renovação da vegetação das formações abertas do Cerrado), as florestas ripárias dificilmente são incendiadas. “A grande preocupação nesse momento é o que vai acontecer com essas florestas daqui para frente, tendo em vista que já vemos plantas nativas oportunistas e plantas exóticas invasoras ocupando o espaço das árvores nativas, e talvez fazendo com que esses sistemas não voltem a ser florestas tão cedo”.
Fonte: Ciência e Clima
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