“Em seu último artigo, Impactos da Reforma Tributária, o prof. Márcio Holland, PhD em Economia, responde ao artigo “Tributação do consumo e distribuição de renda”, Estadao, 10/11, de Bernard Appy, mentor da PEC 45/2019, proposta paga pelos parceiros da CCiF, ONG que ele dirige e que diz ter “…como referência os interesses difusos da população brasileira, não defendendo o interesse específico de qualquer empresa, grupo ou setor econômico.” Confira!”
Por Alfredo Lopes
Márcio Holland (*)
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Em artigo “Tributação do consumo e distribuição de renda”, publicado no jornal O Estado de São Paulo, de 10 de novembro de 2020, Bernard Appy, um dos proponentes e defensores de linha de frente da PEC 45/2019, insiste em defender a reforma tributária baseada em estudos, muitos deles contratados pelo órgão que ele próprio dirige, o CCiF. Nesta coluna vou apresentar rapidamente as limitações das metodologias utilizadas nos estudos tão recorrentemente utilizados por Appy como se fossem verdades exatas e definitivas.
Não vou rebater os resultados tão amplamente repercutidos por Appy. Já tratei aqui, diversas vezes, dos riscos que a PEC 45/2019 traz ao país em termos de gerar ainda mais insegurança jurídica e sua alta probabilidade de aumentar a carga tributária, amplificar a rigidez orçamentária, entre outros.
Hoje a ideia é falar das metodologias que levaram a esses resultados repercutidos por Appy. Mas, em nenhum momento, gostaria de passar desprezo pelas técnicas econométricas utilizadas nos estudos; muito pelo contrário. Muitas delas eu uso e aplico em meus estudos também. Estou mais preocupado com o descuido recorrente em fazer uso destes estudos sem alertar para as suas limitações.
Estudos, em geral, são sempre muito bem-vindos. Da mesma forma, são sempre objetos para reflexões e passíveis de críticas, o que é algo absolutamente saudável. Recorrentemente, ao reportar seus resultados, os defensores negligenciam algum tipo de “disclaimer” e não falam de “caveats”. É preciso alertar a sociedade que os estudos têm limitações, como todo e qualquer estudo empírico, sem exceção. Isso me faz lembrar uma grande frustração de Katherine Juselius, uma grande expoente em metodologia econométrica, em artigo de 2009, pouco após a grande crise financeira de 2008, quando escreveu, com co-autores, que os economistas falharam em não comunicar sobre as limitações de seus modelos.
A literatura econômica é rica em evidências empíricas robustas que mostram que melhores instituições promovem crescimento econômico de longo prazo. Da mesma forma, esse tema sofre de um interminável e controvertido debate sobre possibilidades de causação reversa, ou seja, pode ser que seja o crescimento econômico que estimula o país a aperfeiçoar suas instituições, ou talvez os países tenham melhores instituições porque, na verdade, tenham melhores níveis educacionais.
A reforma tributária no Brasil caminha no esteio de aperfeiçoamentos das instituições. Qualquer reforma tributária que garanta menor insegurança jurídica, maior simplicidade sobre a base de incidência de tributos, menos conflito entre a administração fiscal e os contribuintes, menos obrigações acessórias, maior justiça fiscal e minimize a alocação ineficiente de fatores, certamente estará no caminho da prosperidade. A questão, então, é: qual reforma tributária será capaz de tanto?
O CCiF tem patrocinado estudos para demonstrar que a proposta apresentada por seus membros, na forma da PEC 45/2019, tem impactos econômicos positivos para o conjunto da economia, para todos os setores econômicos e para a redução das desigualdades.
Inicialmente, o CCiF patrocinou o estudo realizado por Bráulio Borges, com o título “Impactos macroeconômicos estimados da proposta de reforma tributária consubstanciada na PEC 45/2019”. Trata-se de um estudo que se baseia em análise de séries temporais e, apesar de pouco transparente, sem clareza dos seus procedimentos econométricos, parece que o autor faz uso de dados desde 1996. Fala em análise de cointegração, mas não reporta resultados e testes associados, fala que os modelos “foram escolhidos com base na capacidade de previsão”, mas não reporta resultados usuais para tal, fala-se também que “são apresentadas algumas figuras revelando a acurácia desses modelos em termos de explicar o comportamento passado (“dentro da amostra”) bem como de projetar o futuro (“fora da amostra”)”, mas sabemos que não são “figuras” que atestam isso, mas testes econométricos, etc.
Esse estudo assume que o Índice Business Regulations, do Fraser Institute, “tem o papel, nas simulações realizadas, de refletir não apenas a percepção empresarial sobre a complexidade do sistema tributário” e que a PEC 45/2019 é capaz de fazer o Brasil convergir para padrões internacionais de grau de complexidade tributária, conformidade e distorções alocativas. Mas, não fica claro como tratam essa variável dada a frequência temporal das demais, ou o quanto ela varia no tempo. São hipóteses, e sobre elas repousam dúvidas e restrições. Não são verdades matemáticas e exatas. São exercícios empíricos legítimos, com os famosos intervalos de confiança.
Mais recentemente, o CCiF patrocinou outro estudo, de Edson Domingues e Débora Cardoso, com o título “Simulações dos impactos macroeconômicos, setoriais e distributivos da PEC 45/2019”. Os autores apresentam projeções dos impactos macroeconômicos, setoriais e distributivos de uma reforma tributária nos moldes da proposta na PEC 45/2019, conforme a abordagem do Equilíbrio Geral Computável (EGC). Trata-se de abordagem em linha com a tradição das análises de insumo produto, com contribuições remotas à Walras e seu equilíbrio geral e à matiz de Leontief, com preços fixos e coeficientes constantes. Essa metodologia requer “calibração” com base em um dado ano. Ou seja, os parâmetros são calculados a partir de uma única observação das variáveis exógenas em dado ano base; se esse ano for atípico, compromete todos os resultados.
A abordagem de equilíbrio geral computável não é apropriada para “previsões” econométricas. A maioria das versões não incorpora fatores como rendimentos de escala, concorrência imperfeita e afins. Pode ser um bom exercício geral do fluxo da renda na economia, mas quanto mais desagregado é mais difícil confiar nos resultados. Os próprios autores falam em simulação em estática comparativa, o que é uma grande limitação. Afinal, a “simples” inclusão de um novo imposto, aqui, no caso o IBS, de características supostamente tão distintas dos existentes, pode alterar toda a dinâmica setorial ao longo do tempo.
Esses estudos partem também da hipótese heroica de que não haverá aumento na carga tributária total da economia, mas apenas realocação da carga tributária dos cinco principais tributos (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) para a base de um imposto, o IBS, de modo neutro. Por conta disso, inclusive, um outro estudo, de Rodrigo Orair e Sergio Golbetti, com o título “Reforma tributária e federalismo fiscal: uma análise das propostas de criação de um novo imposto sobre o valor adicionado para o Brasil”, Texto para Discussão IPEA no. 2.530, conclui que a PEC 45/2019 reduz a regressividade relativamente ao sistema vigente. Mas, não se pode descartar que a tributação sobre o consumo com o novo IBS não será regressiva. Sob hipótese de aumento da carga tributária sobre o consumo, o resultado pode não se manter.
Até aqui estamos discutindo propostas de reformas tributárias sem estudos robustos e com resultados indefinidos. Não sabemos se estamos tomando boas decisões com eventual aprovação da PEC 45/2019. Mas, já sabemos que a base retórica de seus defensores é de baixo alcance analítico.
(*) Márcio Holland é professor na Escola de Economia de São Paulo da FGV, onde Coordena o Programa de Pós-Graduação em Finanças e Economia e escreve artigos para o Broadcast quinzenalmente às quartas feiras.
Fonte: Jornal O Estado de São Paulo – Broadcast | Publicação autorizada pelo autor
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