Foto: Edwin Schroeder
Se estivesse entre nós, GILBERTO MESTRINHO faria 92 anos, neste domingo, 23 de fevereiro. Em sua homenagem, nosso portal Brasil Amazônia Agora publica um trecho de seu livro Amazônia Terra verde, sonho da humanidade, do qual tive a honra de ser o editor responsável.
Alfredo Lopes
Os fundamentos éticos e antropológicos de minhas posições sobre o homem da Amazônia – isso me perguntam sempre – são exatamente aqueles encontrados em todas as religiões e correntes clássicas do pensamento ao longo da história, ou seja, o homem é a medida de todas as coisas existentes no universo. A natureza só tem sentido na exata consideração da existência do homem e a ele deve estar submetida. A vigência dessa relação, entretanto, tem demonstrado que o homem se desumaniza na proporção direta de seu descuido com a natureza. Em outras palavras, como medida, princípio e fim de todas as coisas, o homem percebeu ao longo de sua trajetória que a realização plena está condicionada à capacidade de estabelecer uma relação saudável com o meio ambiente.
Escala natural de valores
Lamentavelmente, alguns movimentos contemporâneos pretendem inverter a escala natural de valores, colocando o meio ambiente de forma absoluta ao conferir-lhe sentido por ele mesmo, à revelia das aspirações, das necessidades e dos interesses humanos. Ora, não faz sentido contemplar. sob árvores frondosas, um caboclo debilitado pela falta de alternativas sociais e econômicas, por imposição de uma ordem social desumana. No clima da onda verde que marcou a Rio-92, um mendigo foi preso em São Paulo, por denúncia do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) – crime inafiançável-, por haver capturado uma garça para mitigar sua fome.
A desova das tartarugas(**)
(**)Tartaruga: trata-se da tarlaruga-da-amazônía (Podocnemis expansa) da família dos pelomedÍlcídeos;.réptit:di:t·em dos quelônios.cA carne e os.oses dessa espécie, atualmente protegida por lei. são muito apreciados peles habitantes da região. Um dos pratos típicos é o sarapatel
Em meio à expectativa geral, inicia-se a coleta criteriosa dos ovos escondidos sob a areia. São milhares e milhares, suficientes para atender à necessidade das famílias e, além disso, permitir a perpetuação do ciclo vital daquela espécie. Minha mãe, seguindo os costumes locais, usava-os para fazer iguarias, manteiga e óleo para os lampiões. Era esse o combustível que iluminava as noites em que ela me fez aprender as primeiras letras, o segredo das palavras e sua função de apreender o mistério.
“ Conheço toda Amazônia“
À medida que fui crescendo, busquei conhecer fisicamente as demais localidades que compõem a região amazônica. Mais tarde, já como homem público, em visitas de trabalho procurava conversar sobre tudo o que diz respeito à região, até para poder responder às questões que me eram colocadas. É assim a vida de um homem que optou por se abrir ao desafio público. Posso dizer, portanto, que conheço toda a Amazônia, não só a brasileira mas a que se espalha pelos territórios da Colômbia, Bolívia, Peru, Equador, Guianas e Venezuela. Aprimorei esse sentimento de mundo e a ele acrescentei os conhecimentos adquiridos através da literatura sobre história da região, antropologia, botânica, paleontologia,arqueologia e áreas afins. Restava a mim conhecer depois as demais florestas do planeta, para estabelecer parâmetros de comparação. O que não tardei a realizar.
Presença humana no Brasil
Busquei na arqueologia investigar as origens históricas e culturais dos povos que aqui habitaram, especialmente a experiência de agricultura dos rios Mamoré e Beni na Amazônia boliviana, as civilizações que habitaram ao longo do rio Amazonas e aquelas que se localizavam entre Santarém e a Ilha de Marajó há 8.000 anos. É preciso revisitar a cultura Tapajó para constatar alguns avanços cívilizatõrios aqui existentes. Na região do Piauí, nordeste brasileiro, na chamada pré-Amazônia, foi encontrado nos anos 80, por uma missão científica franco brasileira coordenada por Niêde Guidon do Museu Paulista, um sítio arqueológico que recuou de 20.000 para 70.000 anos a presença dos primeiros homens na América e que demonstra o quanto se desconhece a respeito da ocupação humana pré- colombiana na Amazônia, fator decisivo na elucidação de sua efetiva identidade (Folha de S. Paulo, 23/9/84).
Civilização Marajoara
Recentes descobertas na Amazônia desconcertaram os arqueólogos mais ortodoxos que estudam as civilizações pré-colombianas. A cerâmica marajoara ‘, belíssima expressão cultural do vale amazônico, não é maia, nem asteca nem tampouco incaica. É anterior a todas elas. Parece intrigante que essa civilização, ao desaparecer, tenha dado lugar a culturas tão primitivas e empobrecida, com expressões artísticas tão tímidas e sem linguagem escrita, como as que hoje habitam a Amazônia. A explicação pode ser encontrada no fato de essas tribos precisarem deslocar-se rapidamente em função da presença genocida da cultura branca que ameaçava sua sobrevivência.
(*) Gilberto foi governador três vezes pelo estado do Amazonas, deputado federal, prefeito de Manaus e senador da República.
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