Os mais de mil quilômetros de extensão das linhas de transmissão que podem ser instaladas em áreas naturais de 27 municípios do Paraná pela multinacional francesa Engie podem provocar sérios danos à saúde do ser humano.
Pesquisadores de diversas instituições, ao longo de décadas, atestam que a proximidade da vida humana com linhas de transmissão de energia elétrica de alta tensão pode causar tumores, depressão, aborto espontâneo, esclerose lateral amiotrófica, mal de Alzheimer e problemas de coração, por exemplo.
O projeto, ironicamente chamado de Gralha Azul – a árvore dispersora do pinhão, semente da árvore Araucária – está dividido em sete grupos e, no total, pretende instalar mais de duas mil torres no estado do Paraná, provocando impactos devastadores e irreversíveis. Corte de vegetação nativa da Floresta com Araucária, ocupação de áreas de Campos Naturais, perda de habitats, morte de animais, degradação do solo e afetação de riquezas arqueológicas serão algumas das consequências provocadas pelo empreendimento.
Estima-se que um total de 14 mil araucárias, árvore que corre risco de extinção, possam ser derrubadas pela empresa. Seriam devastadas um total de 204 mil árvores nativas.
E o impacto vai além. Aproximadamente 30 comunidades tradicionais, como aldeias indígenas e grupos quilombolas, podem ser afetadas de alguma maneira pelo empreendimento. Perto de 30 delas vivem próximas à Área de Proteção Ambiental (APA) da Escarpa Devoniana, na região dos Campos Gerais, que é uma unidade de conservação de uso sustentável, protegida por normativa ambiental.
As torres teriam entre 285 a 500 metros de distância uma das outras e mais de 80 metros de altura. As linhas podem passar por mais de duas mil propriedades rurais, ou seja: irão ficar em contato direto com a população local. Isso, na visão de especialistas, implica em diversos riscos.
O pesquisador titular da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Sergio Koifman, fez uma análise histórica sobre dos efeitos da exposição do corpo humano à campos eletromagnéticos no mundo. Em uma de suas pesquisas, ele atesta a possibilidade de a exposição às linhas de transmissão estar ligada ao óbito de crianças por leucemia em municípios de São Paulo.
Desenvolvida entre os anos de 1992 e 2002 em 289 residências de diferentes municípios paulistanos, a pesquisa teve como objetivo investigar se o ambiente de exposição ao campo eletromagnético na região – onde 187 crianças com menos de 15 anos morreram em decorrência de leucemia – se diferenciava dos municípios onde 182 crianças da mesma faixa etária foram a óbito por causas diversas.
Segundo Koifman, a pesquisa constatou que ao contrário dos domicílios nos quais as crianças morreram por causas diversas, as residências dos menores que foram a óbito por leucemia eram mais próximas dos circuitos primários de energia (cabeamento que chega a transportar 3200 volts de energia) e dos transformadores de energia (responsáveis pela adaptação da voltagem para 110 e 220 volts utilizados nas residências).
Suspeitas na França
A Agência Nacional de Pesquisa do Câncer da Organização Mundial de Saúde (OMS) suspeita que a proximidade das linhas de alta tensão esteja ligada aos casos de tumores no mundo, mas ainda não há uma confirmação científica capaz de encerrar o debate.
“É o acúmulo de evidências que vai dar uma direção. O que se costuma fazer nessas situações é, na medida em que existem suspeições, em que existem evidências, procurar se limitar o tipo de exposição. Evitar a exposição desnecessária a algo que se suspeita como danoso à saúde”, concluiu o estudo da OMS.
Um fato divulgado em 2019 reforça essa suspeita. A Agência de Saúde Francesa (Anses) divulgou dados de que campos magnéticos de baixas frequências, emitidos, em particular, por linhas de alta tensão, representariam um risco de leucemia em crianças que moram nas proximidades.
O órgão francês recomendou como precaução não criar novas escolas perto das linhas de alta tensão, mesmo que não se tenha ainda demonstrado nenhum elo comprovado de causa e efeito direto entre os riscos para as crianças e os fios de alta tensão.
A Agência Nacional de Segurança Sanitária da França já havia alertado em 2010 sobre uma “possível associação entre a exposição a campos eletromagnéticos de baixa frequência e um risco a longo prazo de leucemia infantil”. O site do Instituto Nacional do Câncer (Inca) reforça que “as evidências sugerem que a exposição crônica à radiação não ionizante de baixa frequência e fontes de campos eletromagnéticos de frequência extremamente baixa pode aumentar o risco de câncer em crianças e adultos.
Parecer contrário
Em agosto de 2017, a Comissão de Saúde e Ambiente de Trabalho da Faculdade de Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), emitiu um parecer contrário à instalação de torres de alta tensão no ambiente acadêmico. A Comissão entendeu que “os limites de exposição a campos eletromagnéticos originados em linhas elétricas de alta tensão devem ser pautados sob o princípio regulatório da precaução”.
“O reconhecimento das incertezas sobre os problemas de saúde, assim como a impossibilidade de controlar possíveis riscos associados à saúde humana e o ambiente devem pautar tal questão”, aponta o documento. Segundo o parecer, a OMS e organismos de Saúde da Comunidade Europeia “consideram ser possível que campos magnéticos possam estar associados a formas de câncer, para o que recomenda a adoção de medidas de precaução, desde que não ponham em causa os benefícios sociais e para a medicina da eletricidade”.
Pesquisas alertam para riscos
Ao longo das décadas, diversas pesquisas alertam sobre os riscos que os campos de alta tensão podem provocar na saúde humana. Um estudo da Universidade de Berna, da Suíça, apontou, por exemplo, que quem reside a menos de 50 metros de uma linha de alta tensão pode duplicar o risco de desenvolver a doença de Alzheimer. O estudo foi publicado na revista norte-americana Journal of Epidemiology.
Os cientistas examinaram todos os óbitos causados na Suíça pela doença neuro-degenerativa entre 2000 e 2005, num total de 9.200 casos. E concluíram que 20 dos casos surgiram em pessoas que residiram durante 15 anos e mais a menos de 50 metros de uma linha de alta tensão, o que representa o dobro da prevalência registada no resto da população.
Diversos outros estudos correlacionam a influência de ondas eletromagnéticas e o surgimento de tumores. Em 1979, a bióloga e socióloga americana Nancy Wertheimer, da Universidade do Colorado, comparou 900 crianças que viviam perto das linhas de alta tensão e dos transformadores de rua, na cidade de Denver, com outras que moravam mais longe da rede elétrica. Descobriu-se entre as primeiras uma incidência duas vezes maior de casos de leucemia.
Outro estudo publicado pelo British Medical Journal, em pesquisa realizada por cientistas da Universidade de Oxford, avaliou 29 mil crianças com câncer – entre elas 9,7 mil com leucemia – nascidas entre 1962 e 1995. A conclusão foi de que as crianças que moravam a um raio de 200 metros de distância das linhas de alta tensão tinham risco 70% maior de desenvolver leucemia do que as que moram a mais de 600 metros.
Fonte: Conexão Planeta
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