O administrador Marcelo Dutra tem uma experiência singular. Viveu o lado do setor público em diversos cargos de assessoramento e direção, que incluem passagens pelos órgãos estadual e federal de licenciamento ambiental, presidente do Ipaam e analista ambiental do Ibama. Neste momento, após conseguir compatibilizar assessorias públicas e gestão de empreendimentos privados, gasta parte de seu tempo como conselheiro do Cieam (Centro da Indústria do Estado do Amazonas). Nesta entrevista, Dutra compartilha sua experiência e dá algumas dicas para quem precisa entender e melhorar esta relação de quem produz riqueza e quem gerencia (ou deveria gerenciar) sua aplicação. Confira.
Follow Up – Com repertório de quem atuou no serviço público, e agora nas entidades do setor privado, como você desenha uma interlocução maior com geração de benefícios de parte a parte entre os dois segmentos?
Marcelo Dutra – A interlocução entre os setores público e privado é mais do que primordial. Eu diria que é a missão central do Governo e deve ser entendida pelo governante como o coração do Estado. É nessa junção de sociedade, território e governo que fundamos essa instituição chamada Estado. Quando não há esse exato entendimento, cria-se um pensamento equivocado de hierarquia do governo sobre a sociedade e aí, sem a vontade coletiva sobre a individual, tudo está perdido. Ao longo da minha vida profissional sempre tive o prazer de ter que enfrentar o desafio de pensar com os dois lados do cérebro, o público e o privado. Hoje, como empreendedor, faço parte do Conselho Superior do Centro da Indústria do Amazonas, mas também atuo com muita honra no Ibama, onde sou analista ambiental efetivo há 15 anos.
FUp – Como compatibilizar os dois interesses à luz da cidadania?
M.D – Na hora que nós acordarmos para a interdependência dos dois segmentos no cotidiano, vamos descobrir que, à medida que nos colocamos no lugar do outro, quem vai sair ganhando é a sociedade. Pra mim, esse desafio vem se repetindo ao longo de 5 cargos de primeiro escalão que ocupei, assessoramento, entre outros, sempre empregando a necessidade de reduzir os espaços e fazer o servidor entender que somos todos cidadãos, membros da Cidade, usuários e componentes ativos da sociedade. O servidor público é uma parte da sociedade e o governo é feito de homens e mulheres que sofrem os mesmos efeitos da falta ou dos acertos na interlocução da sociedade com o próprio governo. Ao longo de 40 anos de lutas e vitórias do CIEAM pelo estado do Amazonas e seu modelo de desenvolvimento econômico, muitos associados dedicaram partes significativas de suas vidas por uma coletividade. É só olhar pra história, para cada luta contra os ataques que tentaram desfigurar o polo incentivado da Zona Franca de Manaus. Nessas lutas vamos ver grandes nomes, profissionais abnegados que dividiram o tempo entre a gestão de suas empresas e os debates acalorados em inúmeras mesas em defesa de um modelo econômico regional.
FUp – Como você enxerga essa entidade chamada Cieam que tem nos seus estatutos o compromisso com seus associados e, principalmente, o interesse do Amazonas.
M.D – Independente do debate acerca de quem teve interesse na região e quem defendeu apenas seu capital, o fato mais importante é que existe um grupo de empresas que em toda a existência da Zona Franca de Manaus nunca se associou à defesa, nunca apostou uma moeda na região, nunca procurou uma entidade pra perguntar se faltava uma lata de leite para saciar a fome de uma criança. E isso resume o Cieam. Os associados do Cieam têm compromisso com a região, com o próximo e lotam o auditório da instituição todos os meses, demonstrando compromisso com esta terra.
FUp – Que tipo de serviço os associados podem usufruir na área pública para flexibilizar sua rotina de burocracia?
M.D – Penso que o Cieam, que representa todos os segmentos da indústria, pode estabelecer convênios com os diversos órgãos públicos de comando e controle, fazendários, de vigilância sanitária, engenharia, entre todos os que tem o poder de polícia administrativa e de fiscalização, para buscar uma melhor eficiência e eficácia nos diversos sistemas de governança. É interesse dos associados que os processos tramitem com mais agilidade e segurança, assim como deve ser interesse do Estado que o setor produtivo trabalhe sob todos os aspectos legais, conforme preveem as normas vigentes. Além de simplificar processos burocráticos, é claro.
FUp – Como modernizar e inovar esta relação?
M.D – Uma forma de serviço para os associados seria o assessoramento institucional com validação nos diversos sistemas informatizados de análises processuais, que quase todos os órgãos públicos hoje já utilizam. Desde a Junta Comercial até o Ipaam, passando por Sefaz, Semef, Implurb, Semmas, Bombeiros, Seminf, entre outros, todos buscam analisar processos que demoram meses para tomadas de decisões que, em muitos casos, são para simples demandas. Pelo instrumento do convênio, O Cieam pode atuar com consultorias junto a esses órgãos, criando bancos de dados dos associados e canais de comunicações e validações entre os técnicos e os associados para intermediar tanto a resolução de pequenos problemas, como a construção de pontes entre todos os envolvidos em todas as etapas dos processos administrativos. Quando tudo é feito de maneira rápida e mais segura, mais rápido gira a economia e se fortalece a sociedade, o território e o Estado.
FUp – Essa interlocução remete a um maior protagonismo do setor produtivo. O que você pensa a respeito?
M.D – O protagonismo do setor privado é fundamental para o próprio fortalecimento do setor público. Não acredito em uma sociedade forte quando não há uma economia forte que se contraponha ao governo. Não se contrapor como oposição, mas como formadora de opinião na sociedade como geradora de empregos e dos impostos que vão dar ao governo a garantia da prestação dos serviços que a sociedade espera. A Zona Franca de Manaus, que de franca só tem o nome, ainda guarda uma porção pequena de empresas que passam ao largo da história, sem o menor envolvimento com a causa e por consequência com a própria sociedade, considerando que nosso povo respira nosso modelo econômico. Nesse contexto, o Cieam, com seus 40 anos de lutas e vitórias, desde os primeiros passos, é um sem dúvida um patrimônio do povo do Amazonas, mais que dos empresários do polo industrial.
FUp- A Indústria paga integralmente a UEA e recolhe 1 bilhão/ano para interiorização do desenvolvimento. À exceção da Afeam, o Conselho Gestor desse volume de recursos não se reúne
M.D – Essa é a maior prova de que o setor econômico precisa se posicionar como contraponto ao setor político. Como pode alguém pagar a conta e não escolher o cardápio? A indústria é convidada a compor fundos específicos para que o Estado atue em setores que o orçamento público deveria atender mas há décadas não atende. De forma impositiva, o setor produtivo deposita quase um bilhão de reais por ano no Fundo de Fomento ao Turismo, Infraestrutura, Serviços e Interiorização do Desenvolvimento do Amazonas, que foi criado com o argumento de promover o desenvolvimento regional. Desde sua criação, esse fundo vem sendo manipulado pelo governo com aval dos deputados, mas sem nenhuma participação dos geradores. Do mesmo modo, o fundo da UEA, que tem aceitação ampla no meio industrial, não passa de uma obrigação da indústria, aumentada com os recursos de P&D, aumentando os aportes de recursos das empresas em uma instituição que é 100% alimentada pela mão que não pode participar de sua gestão.
FUp – Suas considerações finais sobre essa delicada e, às vezes, incômoda relação?
M.D – Volto a afirmar: não existe possibilidade de um Estado forte sem um poder econômico forte, que se contraponha ao poder político. O pagamento de taxas e impostos tem contrapartidas sociais e contribuições devem ter mais que transparências formais. O FTI e a UEA precisam de conselhos formados com a participação dos geradores dos recursos que os alimentam, para que o interesse público seja preservado e os objetivos originais sejam garantidos.
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