Parceiro de longa data dos debates jurídicos sobre a economia do Amazonas, atento aos acertos e paradoxos de nossa contrapartida fiscal, o jurista Marco Aurélio Greco, professor-doutor renomado e respeitado internacionalmente, veio a Manaus, no dia 15 último, para integrar a mesa principal dos debates sobre Reforma Tributária e a Zona Franca de Manaus. Ele veio ao Amazonas para uma discussão que envolve, além de segurança jurídica, o arcabouço constitucional que há tempos obriga os atores locais a recorrer à corte suprema.
Em sua palestra, ele focou na proposta mais avançada, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC 45), que já tem aprovação da Comissão de Constituição e Justiça, Comissão mista montada, e as definições estão caminhando numa velocidade preocupante. Em suas observações, abordando a questão jurídica, foi além do texto, encarecendo a atenção dos presentes em relação as três grandes interfaces do Direito: a política, a econômica e a social. A eficácia da norma jurídica, a segurança que dela se espera, advêm da melhor sintonia com a três interfaces. Desse ponto de vista, o grande personagem da história foi simplesmente ignorado no texto da PEC 45. Ele levantou o ponto da uniformidade em si. E comentou que a uniformidade é proposta numa tributação de consumo, com uma visão muito simplista. Essa tributação de consumo, alcança de modo enviesado o personagem principal: a população. E a partir disso, o jurista desenvolveu sua abordagem.
O que importa é só arrecadar?
Para o professor Greco, um constitucionalista respeitável, há muita preocupação e muito de debate sobretudo o quanto vai ser arrecadado, o quanto vai perder de arrecadação, como ficaram as contas públicas? Tudo sugere que o personagem principal é o Estado. Ora, o centro de discussão não é o poder público. A rigor, precisamos responder a uma pergunta: qual perfil da população que nós temos, e saber se essa população é compatível com uma tributação uniforme, ou seja, igual para pobres e ricos. Para ele, uma tributação uniforme sobre consumo é incompatível com a realidade brasileira. Toda a uniformidade é sedutora, agrada a todos no mundo das ideias, entretanto ela leva a paradoxos e distorções. Foi lembrado o exemplo histórico: no período do terror, 4 ou 5 anos após a Revolução Francesa, um padeiro colocou na sua padaria uma plaquinha dizendo “melhor padeiro de Paris” e ele foi guilhotinado pois ninguém pode ser melhor que o outro, ou seja, quando se faz um corte uniforme, nós estamos desconsiderando realidades.
Quatro premissas
O professor Marco Antônio Greco alerta que a uniformidade da tributação no consumo depende pelo menos de quatro pressupostos: 1) nível de renda da população tem que ser razoavelmente uniforme 2) perfil de consumo da população deve ser razoavelmente uniforme 3) a distribuição territorial da população e do consumo deve ser razoavelmente uniforme 4) dimensão territorial não pode atrapalhar, se nenhum desses pressupostos são atendidos no Brasil. E quando se fala de pirâmide de renda, diz ele, há pessoas que ganham um ou dois salários mínimos enquanto outros ganham 500 salários mínimos. Os perfis de consumo são completamente diferentes e totalmente variados. Daí a pergunta: como ter uma tributação uniforme? Dizer que isso vai ser neutralizado por uma despesa pública é gerar mais dependência do poder público, é criar uma bolsa IBS. A perspectiva do consumidor, então, está sendo reduzir o consumo ou depender do estado, além disso na PEC 45 consta que haverá uma suplementação de renda para o contribuinte de baixa renda por família. Isso traz uma nova preocupação, pois, para uma suplementação dessa natureza, vamos precisar de um número de identificação individual que seja apresentado em todas as transações com o governo, tendo acesso a todas essas informações e podendo consolidar e controlar tudo. Isso tem um efeito que extrapola a questão tributária e compromete a privacidade. Antes de começar uma reforma é preciso enxergar a realidade brasileira.
Dados de irrealidade
Outro ponto é a materialidade que está no texto, comenta o jurista, a existência de um imposto sobre valor agregado que, juridicamente, não é um imposto sobre valor agregado. Há um problema de ordem técnica na definição do Tipo legal que é um princípio da legalidade que exige do Estado a previsão em lei da proteção dos bens jurídicos mais importantes e que, por conseguinte, merecem a tutela do Direito penal. Nas definições dos tipos tributados podem ser usados tipos materiais ou tipos funcionais. Para ele, outro aspecto é a adequação ao futuro, considerando o que a Constituição é feita não só para resolver problemas presentes mas também projetar soluções para o futuro. Ocorre que a PEC 45, não está adequada para o futuro, a incidência apoiada em tipos materiais tendem a caducidade com o tempo, o exemplo muito simples é a LC 87 de 1996 que está em vigor até hoje. Essa lei prevê dois dispositivos sobre ficha telefônica fato que não é mais aplicado hoje em dia. Os conceitos e o mundo estão mudando. Qual foi a data do lançamento do primeiro iPhone, 2007? Pois é, em apenas 12 anos, tudo já mudou muito.
Futuro
E, por fim: o contencioso judicial está esquecido na PEC 45, ao prever que o comitê gestor vai se representar ativamente em seu acompanhamento judicial com uma coordenação entre as procuradorias e assim por diante. Por acaso a litigiosidade irá acabar? Claro que não! E existem vários pontos de atritos atuais que continuam no modelo da PEC 45, a saber, a diferença de crédito, insumo e consumo final, entre local da prestação de serviço, caracterização de um estabelecimento, sem dizer o que é um estabelecimento. Hoje temos até estabelecimento virtual, e quais os elementos de conexão tributária nesse mundo virtual? Como ficam atividades remotas na nuvem? Tudo isso já existe e vai continuar, só que não vai continuar em cima de um conceito, vai continuar em cima de seis tributos. É ingênuo pensar que a litigiosidade irá acabar, talvez até aumente, onde haver incidência tributária haverá contencioso, quando se fala de contencioso, o que significa o contencioso judicial de ICMS e ISS?
Na medida que se pretende transferir esse tributo para competência federal, o CNJ diz que a justiça estadual, que cuida de ICMS e ISS, está em 2697 municípios mas não será mais competente. A justiça federal, que passará a ser competente, terá que ser competente pelo IBS inteiro, e hoje ela está em 279 municípios, 10 vezes menos, ou seja, é preciso pensar no dia seguinte e nos custos que serão gerados para todos. Em suma, há muita coisa para ser feita sem mudança constitucional, e há três focos de preocupação: modo de pagamento, obrigação acessórias e penalidades tributárias onda há uma desproporção de penalidades. Vamos focar onde estão os problemas reais e não simplesmente passar uma borracha no sistema tributário que está ai e implantar um novo que não sabemos qual vai ser.
(*) Marco Aurélio Greco é Advogado, Doutor em Direito. Foi Professor da PUC-SP e da FGV Direito SP. Membro Associado da EATLP-European Association of Tax Law Professors, entre outros itens de uma vasta experiência
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