Hidrovias, a mina da competitividade
A organização da Companhia de Navegação a Vapor do Amazonas (1852), uma intuição arrojada e visionária de Irineu Evangelista de Souza, o lendário Barão de Mauá, contava com embarcações a vapor fabricadas no estaleiro da Ponta da Areia, em Manaus. Éramos, então, uma Província independente, havia 2 anos, depois do fim da Cabanagem, um episódio dos mais tristes da memória de luta, cujos reflexos se fazem sentir passados quase dois séculos.
O Grão-Pará e Rio Negro havia relutado em aderir ao Império em 1822, pois já respirava ares do liberalismo da Revolução Francesa. Mauá se agradou do empreendimento, saudado pelos governantes locais como herói e desbravador. Aguentou até 1871, depois que o Império tirou-lhe as vantagens competitivas e concedeu a liberdade de navegação do rio Amazonas a todas as nações. Para não quebrar, Mauá desistiu do empreendimento, transferindo os seus interesses a uma empresa de capital britânico. Ou seja, não quebrou o monopólio apenas o transferiu aos estrangeiros.
Esse laissez-faire crônico da governança brasileira permanece e tem estimulado a venda do patrimônio nacional de qualquer jeito. Basta avaliar as concessões. Os ingleses, porém, não se fizeram de rogados. Com a concessão dada aos negócios da Coroa Britânica, os ingleses investiram £20 milhões de libras esterlinas e agregaram 60% de valor ao próprio PIB com os negócios daí decorrentes.
Livre concorrência
Ninguém está propondo a xenofobia nem o nacionalismo, posturas estranhas e omissas da modernidade. Entretanto, não dá para ignorar que, no âmbito logístico portuário de Manaus, duopolizado e soberano, sem presença de Gestão competente do poder público, vamos continuar com o gargalo logístico, um custo que chega a alcançar 20% da planilha da competitividade impossível.
Desde 2005, quando este Cieam investigou os embaraços da competitividade entre seus associados, defendemos, pelo menos, o reinvestimento de 3% da receita fiscal da ZFM para enfrentar os gargalos, uma decisão estratégica, assumida pela China e que lá é tratada com prioridade. Lá, os investimentos são robustos, e permitem não 3% mas 6% a 7% do PIB.
O país em geral, e a Amazônia em particular, padecem a falta dessa prioridade vital para seus empreendimentos e tem visto a protelação dessa expectativa. Basta olhar e chorar a prioridade que tem sido proposta e a efetiva aplicação dos investimentos do PNLT – Plano Nacional de Logística dos Transportes. Na descrição deste plano logístico federal está uma explicação, entre outras, de um Brasil que encolhe sua indústria a cada ano e insiste em não crescer, a despeito de uma arrecadação fiscal nacional que bate recordes a cada ano, mesmo vivendo, ainda, os danos recessivos da Economia.
De cócoras para o Norte
Mesmo sem ter os dados da recessão iniciada em 2014, o PNLT propôs naquele ano um investimento de R$ 680 milhões para o modal hidroviário no vetor amazônico. No final do exercício aplicou apenas R$ 3,8 milhões, num ano de restrição eleitoral e de demanda infraestrutural para se contrapor ao encolhimento econômico que se agrava. Este é um país que adia o olhar para si mesmo e para o enfrentamento de suas obviedades.
Desde os anos 70, verificou-se que a diminuição do nível de investimentos em infraestrutura de transportes nos diversos modais, ocasionou problemas no sistema em todo o país. Daí a ineficiência crônica do transporte, custos adicionais dos investimentos, perda de competitividade, aumento nos tempos de deslocamento, acidentes de toda ordem e incapacidade de planejar qualquer projeto no médio e longo prazo. A adoção de uma matriz de transporte focada no modal rodoviário é parte decisiva dessa contradição. Basta ver os resultados de desempenho, publicados nesta semana pelo IBGE. São Paulo e Paraná, dependentes crônicos de rodovias, desceram ladeira a baixo.
Com um modal de transporte desbalanceado, impossível competir com os emergentes ou com países de dimensões semelhantes como Canadá, EUA e Austrália. Quem tem ferrovia e navegação marítima ou fluvial deu risada, como o Pará, que cresceu sozinho 9,3%. Com a greve, ocorrida nos últimos 11 dias de maio, a produção nacional teve queda de 10,9% na comparação com o mês anterior, o pior resultado desde dezembro de 2008, quando o recuo havia sido de 11,2%.
Gestão logística, vesga e danosa
O desbalanceamento dos modais de transporte de carga do país está assim distribuído: 52% rodoviário, para uma estrutura viária precária e temerária, 30% ferroviário, 8% navegação de cabotagem, 5% navegação interior e 5% duto-viário, conforme o Plano Nacional de Logística e Transportes (PNLT), num país que tem a malha fluvial mais ampla do planeta, onde o transporte fluvial em comparação com o transporte rodoviário apresenta vantagens como economia, segurança e sustentabilidade, no sentido do menor impacto na flora e fauna, emissões de CO² e no atendimento às demandas sociais.
Na Amazônia, os modais possíveis têm a função inteligente de integrar a logística da navegação de cabotagem. Além dos ingleses, franceses e holandeses perceberam, desde o século XVIII, a importância da navegabilidade dos nossos rios e deles fizeram a infraestrutura inteligente de agregação de valor e riqueza no escoamento de cargas e transporte de pessoas. Só o Brasil não prioriza equacionar seu custo Brasil de transportes. A meta de priorizar o modal aquaviário na matriz de transportes, dos atuais 13% para 29%, até 2031, foi posta no PNLT em 2008 e o modal não tem demonstrado a previsibilidade dessa progressão. Hoje, nem mais se fala em PNLT. Lamentável!
Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do CIEAM. Editor responsável: Alfredo MR Lopes. [email protected] |
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