Segunda-feira de manhã com um acidente trivial provoca uma confusão infernal nesta cidade abandonada chamada Manaus. O estrondo da carreta que tomba traz à tona as incongruências desse faz-de-conta chamado Plano de Mobilidade Urbana de Manaus (Plan/Mob-Manaus), um plano gnomo, mais um, a adormecer nas gavetas do Além. Aprovado a toque da caixa, há quase dois anos, para cumprir tabela da demagogia federal, o tal Plano, no âmbito municipal, ganhou a engrenagem da burocracia pesada, inepta e onerosa que descreve a gestão pública. O colapso urbano decorrente da carreta tombada, numa das artérias mais movimentadas do escoamento diário, reafirma a certeza de que tudo seguirá como antes se o poder público seguir tratando a ZFM como mera obrigação federal.
E não é privilégio do município esse desleixo. O Estado, que recolhe 90% de seu ICMS a partir das atividades desenvolvidas no Polo Industrial, adota o lavar as mãos de Pôncio Pilatos. Como é possível tratar com tanto descaso a estrutura econômica responsável pela sobrevivência geral? A União confisca 60% de toda riqueza. E quem não fica atrás nos benefícios é o município. Sem dar, praticamente, nada em troca. Ali, entre ruas esburacadas, crateras lunares para acessar empresas de reputação mundial, escondidas por um matagal crescente, com seus colaboradores acusados pela violência incontrolável, os poderes públicas se entreolham para um apontar o dedo para o outro da omissão: “…toma que o filho é teu.”
Há um ano, depois de insistentes e recusados convites para receber e debater as propostas das entidades do setor produtivo para a mobilidade urbana de Manaus, o prefeito, em seu segundo mandato, segue indiferente. Por que não dar importância às oportunidades oferecidas pela conjugação do verbo governar na primeira do plural? “Contribuições do Setor Produtivo para a Mobilidade Urbana de Manaus” foi o documento elaborado por indicação do Comitê Cidadão, uma coalizão da sociedade amazonense organizada em defesa dos direitos civis.onde setores essenciais do tecido social estão representados. Elaborado por especialistas da academia com a presença das entidades do setor produtivo, o documento é um conjunto de sugestões para as ações de infraestrutura visando maior eficiência logística e de transportes, voltados ao Distrito Industrial. A premissa maior é tornar Manaus uma cidade mais humanizada e competitiva.
Entre as propostas, que considera o fato de 85% das receitas de Manaus vem do Polo Industrial (PIM), estão a criação de um anel viário com o propósito de reduzir o tempo de deslocamento nos extremos da cidade, tal qual adotado em diversas cidades do mundo; a permissão para trafegar nas vias com faixas exclusivas fora do horário de exclusividade para ônibus; zonas de carga e descarga e rotas alternativas para uma logística de transportes inteligente. O gestor municipal, entretanto, não considera que a capital amazonense é uma cidade industrial: restringe, em lugar de facilitar, a movimentação de cargas pelas vias públicas, aumentando o custo e reduzindo a competitividade já capenga da indústria. O município, se cuidasse de sua galinha dos ovos de ouro, a ZFM, não deixaria o polo industrial transformado em cidade fantasma. É dali que ele colhe mais da metade dos impostos que o sustentam. Em lugar de reconhecer, agradecer e expandir, a ação pública prejudica e inibe os novos investimentos.
É estranho, para não dizer inábil, do ponto de vista da lógica aristotélica, ignorar atores tão determinantes no resguardo da realidade onde existimos, da base econômica de que extraímos a sobrevivência social. Durante a elaboração do PlanMob, foram ouvidos diversos segmentos sociais. Todos, porém, tiveram suas sugestões incluídas na lógica da protelação e do não enfrentamento dos dilemas sócias. A carreta tombou e com ela entra em colapso a esperança do cidadão, empurrado pelos fatos a suprir sua necessidade de protagonismo civil, que se deve impor nas próximas eleições, para que alcancemos a inteligência viária, a mobilidade digna, a estruturação justa de uma cidade, a um tempo privilegiada de oportunidades, econômicas, sociais e ambientais e abandonada por suas representações.
(*) Alfredo é filósofo, ensaísta e consultor do CIEAM, Centro da Indústria do Estado do Amazonas
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