Entrevista com Mariano Colini Cenamo (Idesam)
Engenheiro florestal formado pela Universidade de São Paulo (ESALQ-USP), com militância socioambiental na Amazônia desde 2005, Mariano Colini Cenamo é reconhecido por sua autoridade acadêmica e civil nos temas e problemas como mudanças climáticas, conservação florestal e projetos de carbono. Há 13 anos fundou o Idesam (Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas) e tem se dedicado a projetos e iniciativas de REDD+, participando ativamente das reuniões e processos da Convenção da ONU sobre Mudanças do Clima. Foi painelista da Conferência de Gestão da Amazônia, entre 29 e 31 de agosto último, sobre o papel do terceiro setor neste desafio. Logo após, recebeu a Follow Up para uma reflexão conjunta. Confira.
FOLLOW Up – Debater gestão da Amazônia, provavelmente, é uma das questões prioritárias do Brasil para olhar para esta parcela maior de sua territorialidade e identidade. Como você enxerga essa questão?
Mariano Colini Cenamo – Infelizmente estamos passando por uma enorme crise política que debilita a gestão em praticamente todos os níveis da administração pública no Brasil. Na Amazônia isso não é diferente. O desafio de se compatibilizar as necessidades de desenvolvimento social e econômico com a conservação ambiental na Amazônia é enorme e demanda maior envolvimento e protagonismo do setor privado. Não podemos esperar todas as respostas do poder público.
FUp – A Amazônia foi incluída como ativo ambiental decisivo nos compromissos do Brasil no Acordo do Clima, entretanto, o Brasil de Brasília e o Brasil do Sudeste permanecem de costas e de cócoras para o entendimento e encaminhamento dessa questão. Como podemos pautar essa discussão na Agenda dos próximos governantes?
MCC – A Amazônia brasileira detém o maior ativo ambiental do Brasil, quiçá do mundo. É a maior área de floresta tropical do planeta e o maior bioma do Brasil, com mais de 4,1 milhões de km2 de extensão, cerca de 60% do território nacional, e nela vivem em torno de 20 milhões de pessoas. Entretanto, gera menos de 8% do PIB brasileiro e enfrenta sérios problemas sociais e ambientais. Sua economia depende basicamente da exploração de recursos naturais, minerais e do agronegócio, que já levou à substituição cerca de 20% de sua cobertura florestal original por pastagens e outros cultivos agrícolas.
FUp – Como desenvolver a economia da região sem destruir suas florestas e biodiversidade?
MCC – Nos últimos anos a Amazônia gerou a maior contribuição já feita por um país para combater as mudanças climáticas. Em 2004, as emissões totais do Brasil foram de 3,8 GtCO2e (gigatoneladas de dióxido de carbono equivalente), sendo mais de 70% do setor de mudanças no uso da terra (SEEG – Sistema de Estimativa de Emissão de Gases de Efeito Estufa). A derrubada de florestas na Amazônia é o maior responsável por essas emissões. Devido a uma série de fatores econômicos, sociais e principalmente de esforços coordenados do governo federal, estados, municípios, sociedade civil e populações tradicionais e indígenas, conseguimos reduzir o desmatamento na Amazônia em cerca de 80%, quando comparado as taxas de 10 anos atrás. Foram mais de 5 GtCO2 que deixaram de ser lançadas para a atmosfera, valor próximo do que a União Europeia emitiu em 2013 (4,4 GtCO2e). Com isso, o Brasil ganhou enorme destaque e reconhecimento internacional. Tal feito era para ser comemorado, se não fosse um problema: esse gigantesco ativo ambiental e contribuição climática não foram reconhecidos e valorizados e o desmatamento voltou a crescer nos últimos três anos.
Com raras exceções, o cenário e os desafios socioeconômico continuam praticamente os mesmos. As atividades produtivas e a economia regional seguem iguais a dez anos atrás. Pior: a forte recessão econômica que afeta o Brasil, da ordem de -3,8% do PIB em 2015, foi maior nos estados da Amazônia. Por exemplo, a recessão foi de -9,1% no Amazonas; de -6,2% no Amapá; e de -5,2% em Rondônia. O desempenho econômico negativo foi diretamente acompanhado pelo aumento no desmatamento.
FUp – Hoje o Agronegócio responde por 50% da balança comercial do Brasil. E responde também por 50% das emissões de carbono. Cientistas focados na bioeconomia são unânimes em dizer que se o Brasil investir em 100 produtos da biodiversidade, cosméticos, fármacos ou alimentos funcionais, teríamos o dobro da receita do Agronegócio em 10 anos. Como hastear essa bandeira e mobilizar os atores para essa empreitada?
MCC – É um contrassenso que a região que gerou mais de 55% das reduções de emissões no Brasil e nos colocou na vanguarda mundial do debate sobre mudanças climáticas siga na pobreza e sem alternativas de desenvolvimento sustentável. O mecanismo chamado Redução de Emissões do Desmatamento e Degradação Florestal (REDD+) representa nossa melhor oportunidade para alavancar recursos e lidar com os desafios sociais e econômicos da região. Por ele, projetos que conservaram a floresta são aptos a obter recursos. Os valores podem alavancar investimentos nos estados e municípios, criando um ambiente favorável para a participação do setor privado e um novo caminho para uma economia com baixa emissão de carbono.
É preciso melhorar radicalmente a estratégia de captação de recursos para colocar em prática o mecanismo no Brasil. Até agora foram obtidos pouco mais de R$ 3 bilhões como pagamento por resultados de REDD+. Os recursos foram aportados no Fundo Amazônia, administrado pelo BNDES, principalmente pelos governos da Noruega e da Alemanha. A quantia, porém, representa menos de 6% dos R$ 70 bilhões que poderiam ser captados pelo Brasil via REDD+ (considerando o valor de referência de U$ 5 por tonelada de CO2 e utilizados pelo Fundo Amazônia em seus contratos). O momento é oportuno e urgente para elaborarmos novos arranjos e estratégias para que esse volume de recursos chegue a quem efetivamente precisa dele. É necessário retomar o diálogo e a confiança entre o governo federal e os grupos envolvidos na construção de um marco regulatório robusto para REDD+, em nível nacional.
FUp – A Conferência de Gestão da Amazônia trouxe alguns diagnósticos e algumas recomendações. Um deles passa pela burocracia proibicionista e outro pelo confisco de verbas que as empresas recolhem para o Estado e para a União para diversificar e interiorizar o desenvolvimento. Superar esses paradoxos é a tarefa mais emergencial e necessária para construir um novo patamar de desenvolvimento e prosperidade. Como o Terceiro Setor pode colaborar nessa empreitada?
MCC – O terceiro setor tem se esforçado em construir novos modelos e negócios relacionados a cadeias de valor que conservam as florestas e beneficiam comunidades. É importante que o governo e empresas se apropriem desse conhecimento e invistam para escalonar esses esforços na proporção que a Amazônia precisa.
FUp – Que prioridades e iniciativas, a seu ver, são as mais prementes na construção do futuro?
MCC – É fundamental investir na criação de novos negócios que gerem impacto positivo nas comunidades e nas florestas. Para que isso tenha viabilidade econômica, é fundamental que os governos se unam e viabilizem a agregação de valor nos serviços ambientais fornecidos pela floresta amazônica. Bons exemplos não faltam, o que precisa agora é vontade política.
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