Augusto César Barreto Rocha* ([email protected])
O capitalismo do Brasil padece o vício do juro alto, que corrói o verdadeiro empreendedorismo. Em 2014, a média do juro real (IPCA dos 12 meses anteriores menos a SELIC anual) foi 4,6%, em 2015 o número se repetiu. Em 2016 subiu para 5,3% e em 2017 está em 7,5%. É um número crescente, ótimo para afugentar qualquer interesse em investimentos de risco, pois somados aos entraves do sistema trabalhista e de infraestrutura, empurra o capitalista para o sistema financeiro, em detrimento da inovação criativa associada às oportunidades de novos produtos e serviços. As grandes fortunas, então, são construídas pelos juros compostos, quando não associadas aos favores da contravenção que nos assombram desde o Império. Estão subjacentes ao suicídio de Vargas, às Vassoura do Jânio e no presente estarrecedor da Operação Lava-Jato.
No mundo desenvolvido, o investimento em Pesquisa & Desenvolvimento (P&D) corporativo é crescente, segundo o World Economic Forum twitou nesta semana (com dados do Bloomberg). Em 2015 o setor de eletrônica e computação foi o primeiro, com US$ 166.4 bilhões, seguido pelo setor de saúde, com US$ 144.9 bilhões. Nos principais setores foram US$ 679.5 bilhões. Se o juro real nos países destas empresas fosse próximo a 7,5%, como uma taxa de rating sem risco, jamais haveria este patamar de investimentos. Além do gasto corporativo, há ainda o gasto público. Como exemplo, nos EUA, em média entre 2012 e 2014 (últimos dados disponíveis), o setor público universitário colocou US$ 66 bilhões ao ano. No cômputo geral, os EUA investem cerca de 2,8% de seu PIB com P&D.
Nas asas de Dumont
Inventar produtos ou desenvolver mercados – nesse contexto de arrocho fiscal e ilicitude gerencial – sufocou a conjugação do verbo empreender no Brasil em geral e, em especial, nas regiões ainda mais isoladas como a Amazônia, condenando a população a continuar pobre, excluída e atrasada, fadada a mirar um futuro que nunca chega. Parafraseando Nelson Rodrigues, isso parece muito simpático, mas é de uma ineficácia gritante contra os reais interesses do país. Santos Dumont precisou deixar o Brasil para inventar seu avião em Paris. Se estivesse, hoje, entre nós, teria que migrar para centros avançados de inovação tecnológica para desenvolver drones ou veículos autônomos. Não há ambiente de inovação criativa num país que persegue motoristas de Uber, tentando acorrentar a concorrência e a racionalidade produtiva. Enquanto isso nos EUA, já há mais de US$ 4.3 bilhões em capital levantado para investimentos em veículos sem motoristas somente em 2013 segundo dados do Dow Jones e Bloomberg.
Não nos ocorre ordenar iniciativas luminosas como o Uber, aprender com seus criadores, ou ajustar ao cotidiano os veículos sem motorista, temas de pesquisa e desenvolvimento de mais de 30 empresas da Califórnia, negócios rentáveis melhorar o sistema dos transportes urbanos. Somos dirigidos pela lógica cartorial reinante na economia, na política e na (ausência de) dinâmica do tecido social. Raciocinamos em termos de ainda utilizar cavalos e charretes para não desempregar os cocheiros ou os vendedores de ração animal. Ainda bem que a história, em seu veículo alegre, atropela e esvazia as tecnologias arcaicas. Por isso, e lamentavelmente, somos obrigados a adotar (ou engolir) tecnologias estrangeiras a nos conduzir para o futuro, pagas em dólar, euro, yen ou yuan renminbi, ou com milhares de toneladas de grãos de soja ou de minérios que exportamos para comprar tecnologias inovadoras.
Sem pecado nem tramelas
A ambição empreendedora é tratada com a imposição dos embaraços, dando a impressão que ganhar dinheiro com a inovação criativa seja um pecado mortal a ser absolvido com o castigo da burocracia e taxação fiscal. Aquilo que deveria ser o alvo da sociedade, com a promoção da abundância que se multiplica, virou crime que implica no castigo ao ato de empreender. A casta privilegiada pelo dinheiro fácil do juro alto ou da corrupção tem suas escolas, transportes ou hospitais diferenciados, sem o esforço ou risco do empreendedor. Pouco lhe importa as mesmas demandas dos demais, a multidão dos barrados neste baile da anomalia e da contravenção. Não sobra espaço alternativo para um mundo onde todos poderiam reconhecer a todos. Um espaço em que o detentor do conhecimento tradicional respeita o cientista, que respeita os detentores do capital, criando um projeto de construção social onde prevalece o respeito mútuo e todos se veem em todos para costurar a existência em comum, que fomenta empreendimentos e relações prósperas, onde a gratidão e a interdependência e interdisciplinaridade florescem, num paradigma equilibrado de relação entre o tecido social e ambiental, tão comum na ambiência amazônica. Como superar o proibicionismo transformado em terrível pesadelo amazônico, que nos impede de usar racionalmente a floresta, protegendo seus estoques e usufruindo dos benefícios de seus insumos e oportunidades da bioeconomia? Para o amontoado desses entraves impõe-se um movimento de aglutinação criativa que possa substituir a burocracia do embaraço pela cooperação criativa do ato de empreender na região, como faz Cingapura ou Costa Rica com seus insumos naturais tropicais e investimento em inovação. Impõe-se, necessariamente, a redução da taxa de juros para seduzir os detentores do capital a expandir seu espírito animal de empreendedorismo, se deixar atrair pelos ganhos de correr riscos, implantando novos negócios e empreendimentos ligados aos recursos da biodiversidade.
Capital e conhecimento
Aproximar o dono do capital – que entenda de EBITDA, valuation e ROI – com os donos do conhecimento tradicional, temperando com os métodos científicos da nanobiotecnologia criativa, alinhando tudo isso com os canais mundiais de comercialização, onde desfilam os resultados de quem se dispõe a arriscar com o novo. É desafiador imaginar outra saída. Destravar os embaraços dos empreendimentos na Amazônia se assemelha às pesquisas e desenvolvimento dos empreendedores da Califórnia e de outros países que optaram pela criação do novo como geração de riqueza. Para isso, é essencial transcender o modelo atual, onde as regras da proibição darão lugar ao apoio à inovação. Em lugar de perseguir, promover a quem inova. Ao invés do castigo burocrático a medalha do apoio e do reconhecimento de quem faz. Vamos celebrar e transformar em heróis os empreendedores e inovadores da floresta. Só assim deixaremos de ser um país que gasta quase 50% do orçamento com juros e serviços da dívida, e que trata o sistema de aposentadoria como o vilão da própria incompetência gerencial. O outro, em suas diversas manifestações, tem sido o culpado, e a desculpa mais rápida para a inépcia e/ou corrupção do modelo de gestão e geração das oportunidades e de prosperidade geral. As premissas, os critérios e prioridades não podem se restringir ao capital financeiro, em prejuízo dos sistemas de produção de riqueza a partir das potencialidades naturais deste país biodiverso.
Empreender é proteger
Proteger a Amazônia é, supostamente, um valor que todos defendemos. O que quase todos não sabem é que proteção está associada à geração inteligente de riqueza. Chega de olhares tortos e torpes de uma pseudociência que leva ao atraso constante do Brasil. O único beneficiário dessa insensatez são os que atuam na ilegalidade esperta, que dribla ou suborna o agente do atraso, em que se tornaram os órgãos proibicionistas de plantão. Mudando as regras desse jogo da visão estreita e vesga, vamos dar vez aos negócios inovadores, onde as empresas ganham mais dinheiro sem pecado nem perdão. Isso salvará a Previdência e os demais serviços sociais do Brasil: geração de riqueza e não a destruição de benefícios. Segundo o Financial Times, quem tem mais de US$ 740 mil de patrimônio está entre os 1% mais ricos do mundo. E mais: a nova biotecnologia é um método recomendado para fortalecer o capitalismo, ou seja, para as pessoas ganharem dinheiro de verdade. Em lugar da austeridade hipócrita, do capital preguiçoso e alienador, chegou a hora de construir a riqueza produtiva, criativa e empreendedora, que se renova com o viço e pujança da floresta que amanhece a cada dia a ilustrar o sentido radical de sua inovação. O alvorecer da floresta é exuberante e rico: um capital promissor, construindo a riqueza pelo risco dinâmico da bolsa de valores associada à produção de ativos pulsantes como faz a NASDAQ, que na última semana começou a superar em constância os 6 mil pontos de retorno. Que tenhamos nosso capital de risco dinamizando a pesquisa da biodiversidade ao mesmo tempo em que seduzimos os donos do capital brasileiro na construção de uma bolsa de valores singular associadas à biodiversidade amazônica, brasiliana…
(*) Augusto César é empresário, Diretor do Centro e da Federação das Indústrias do Estado do Amazonas, Professor do Programa de Doutorado em Biotecnologia da Universidade Federal do Amazonas
Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do CIEAM. Editor responsável: Alfredo MR Lopes. [email protected]
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