No último sábado, diante das montanhas alterosas de Belo Horizonte para debater o Brasil e reconhecer a necessidade de um novo posicionamento sobre o papel da política fiscal na redução das desigualdades regionais, conversamos com o economista Paulo Roberto Haddad, uma referência de planejamento e gestão deste país que ficou à deriva. Ele tem formação acadêmica internacional em planejamento econômico no Instituto de Estudos Sociais de Haia – Holanda, é professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (1992-1993) do Governo Itamar Franco, ex-secretário da Fazenda e do Planejamento do Estado de Minas Gerais (1979-1982), consultor do Banco Mundial, do Banco Interamericano de Desenvolvimento, do PNUD, da ECLA e de outras organizações públicas e privadas, nacionais e internacionais, presidente da PHORUM Consultoria e Pesquisas em Economia e diretor da AERI – Análise Econômica Regional e Internacional. Publicou diversos livros e artigos em jornais especializados no Brasil e no Exterior, dentre os quais, um dos mais recentes intitula-se ‘Meio Ambiente, Planejamento e Desenvolvimento Sustentável’, lançado em 2015, pela Editora Saraiva. Foi um dos fundadores do Cedeplar/UFMG, tendo sido o seu primeiro diretor. Foi também o primeiro secretário-executivo da Anpec. Consultor qualificado da Fipe FEA USP, publicará ainda neste mês o e-book “Economia Ecológica e Ecologia Integral” de sua autoria. Um debate com Paulo Haddad é um privilégio para ficar na memória, vitaminar a certeza de que o Brasil tem jeito e que a Amazônia tem tudo a ver com isso. Confira.
Follow-Up – Questionada e desconhecida pela opinião pública do País, a ZFM corre sério risco de redução de seus incentivos justamente por conta do desconhecimento de seus acertos, vítima de seus paradoxos legais e deficiência de gestão política para enfrentar seus desafios. Como o sr. avalia este modelo no cenário político e gerencial do país e quais suas recomendações de encaminhamento?
Paulo Haddad – A política econômica da atual administração do governo federal se inspira no modelo de austeridade fiscal expansionista. Segundo esse modelo, quando um país tem suas finanças públicas totalmente desequilibradas, se houver ações político-institucionais para cortar despesas e aumentar a arrecadação tributária e previdenciária, a austeridade fiscal poderá restabelecer a confiança de empresários e consumidores que voltarão a expandir a demanda agregada de consumo e de investimentos, promovendo a retomada dos níveis de renda, de emprego e da base tributável. A expectativa de que a dívida pública estará sob controle e que o País poderá superar a insolvência financeira, cria um ambiente de negócios pró-crescimento econômico sustentado. Mesmo que o equilíbrio fiscal seja uma condição necessária para a retomada do crescimento econômico, esse equilíbrio é tão somente uma condição necessária, mas não uma condição suficiente (ver argumentos do artigo “Post Hoc Ergo Propter Hoc”). Entre os muitos problemas conceituais e operacionais que a implementação do modelo de austeridade fiscal tem trazido em diferentes experiências históricas, destacam-se as mazelas econômicas e sociais produzidas pela política de cortes das despesas públicas sem uma perspectiva de desenvolvimento sustentável do País no médio e no longo prazo, sem uma cosmovisão de futuro. Sêneca já dizia que não há vento favorável para quem não sabe para onde quer ir.
Uma preocupação específica é com a evolução histórica da Zona Franca de Manaus quando a tesoura orçamentária alcançar, em breve, o corte dos incentivos fiscais, financeiros e regulatórios ao desenvolvimento setorial e regional. Se não houver a consciência de que a Zona Franca de Manaus é uma experiência exitosa de promoção do desenvolvimento de uma região com crescimento econômico globalmente competitivo e capaz de preservar e sustentar ambientalmente um dos mais preciosos ecossistemas do Planeta, há sério risco de retrocesso e decadência econômica e socioambiental na Região.
FUP – Que desafio central Paulo Haddad, especialista em redução de desigualdades regionais, identifica no Amazonas, na Amazônia para este momento de indefinições?
PH – O grande desafio da Zona Franca de Manaus se apresenta em um tripé de objetivos: consolidar, aperfeiçoar e progredir as conquistas da política industrial implementada; espraiar os seus benefícios através de suas poderosas cadeias produtivas potenciais para outras regiões da Amazônia a fim de se evitar que a ZFM se estabeleça como um enclave econômico espacial; utilizar parcela do excedente econômico gerado na ZFM para estimular o processo de desenvolvimento sustentável de outros municípios do Estado do Amazonas, particularmente aqueles com menores valores do IDH.
FUP – Que reflexos ou sugestões a Encíclica Laudato Si oferece para a compreensão e gestão da Amazônia?
PH – O livro de minha autoria explora a concepção de Ecologia Integral proposta pelo Papa Francisco na Encíclica LAUDATO SI e suas implicações para a atual realidade econômica e socioambiental do Brasil. Acrescentei um Capítulo nesta entrevista. O conceito fundamental da Ecologia Integral é usado para avaliar as catástrofes e os desastres ecológicos que ameaçam a sobrevivência da Humanidade: a crise hídrica, a mudança climática, as extinções aceleradas da fauna e da flora, etc. É integral porque não separa o espaço e o tempo na análise dos problemas. Porque examina simultaneamente a crise ecológica e a crise social da Humanidade. Porque examina os impactos dos danos ecológicos em termos da distribuição da renda e da riqueza (quem são os principais perdedores). A Ecologia Integral, uma vez que o ambiente humano e o ambiente natural se deterioram conjuntamente e não se pode combater a degradação ambiental a não ser que se atinjam as causas da degradação social e humana. A pesquisa científica e a experiência cotidiana mostram que os efeitos mais graves de todos os ataques ao meio ambiente são sofridos pelos pobres.
FUP – Como propor uma nova leitura do PIB numa perspectiva de economia integral?
PH – As limitações de cobertura do PIB são imensas como métrica do processo de desenvolvimento de uma região. No PIB não são contabilizadas muitas contribuições essenciais positivas ao bem-estar: trabalhos domésticos, atividades benevolentes, lazer e tempo livre, etc. O PIB é uma variável que mede fluxos de produção, de consumo e de investimento, mas não mede como os frutos do crescimento se distribuem entre indivíduos, famílias e classes sociais. O PIB não lida também com as variáveis-estoque, por exemplo, a degradação do meio ambiente e a depreciação do capital humano num contexto recessivo. Da mesma forma, há limitações de cobertura no cálculo das taxas de desemprego. Essas taxas captam inadequadamente a expansão do subemprego em atividades que estão abaixo das qualificações dos desempregados e dos profissionais. Não captam o desemprego dos desalentados que são os trabalhadores que deixaram de procurar emprego após procura incessante sem sucesso, um fenômeno típico que ocorre numa recessão prolongada. E o desemprego tem a capacidade de desestruturar penosamente as condições de vida no cotidiano das famílias empobrecidas. Se computarmos as taxas de desemprego aberto, do subemprego e dos desalentados, chegaremos facilmente a mais de 22 milhões de brasileiros nesse primeiro semestre de 2017.
FUP – O que é crescimento na sua proposta de valoração da riqueza?
PH – Mas a questão principal é a ênfase da métrica tradicional nos aspectos do crescimento econômico e não no bem-estar social das pessoas e das famílias. Nos últimos anos, o que se busca como indicadores mais significativos são os indicadores multifacetados de bem-estar social sustentável os quais, em última instância, procuram mensurar, através de surveys, o grau de realização pessoal em uma sociedade e a felicidade de sua população. O crescimento do PIB e da renda ainda é muito bom, ainda que parcial, porque expande as oportunidades mínimas e necessárias para que as pessoas possam viver uma boa vida no sentido que Platão e Aristóteles definiam a felicidade a ser alcançada vivendo-se eticamente. A importância de se mensurarem as diferenças entre o progresso econômico e o progresso social de um país ou de uma região já estava destacada na obra do filósofo inglês John Stuart Mill em meados do século 19. Observava que, após conquistar um padrão de vida decente, “o esforço humano deveria se destinar para a busca do progresso social e moral e do acréscimo do lazer, e não para a disputa competitiva pela riqueza material”.
FUP – Somos, então, um estado integralmente rico?
PH – Se estimarmos o PIB da Amazônia, utilizando o moderno sistema integrado de contas econômicas e ambientais da ONU, chegaremos a resultados que ampliarão enormemente o valor da contabilidade social das áreas da Região que, em seu modelo de desenvolvimento, se preocuparam em conservar, preservar e reabilitar os ecossistemas em benefício da Humanidade, como tem sido a prática do desenvolvimento do Estado da Amazônia. Essa prática precisa ser ampliada para incorporar as experiências de arranjos produtivos locais de micro e pequenas empresas segundo o modelo de desenvolvimento da Terceira Itália e a promoção de start-ups de empresas de base tecnológica, dentro das regras de sustentabilidade ambiental.
POST HOC ERGO PROPTER HOC (*)
No início da estação da Primavera, um feiticeiro veste o seu manto inteiramente na cor verde. As árvores crescem, as flores brotam e as paisagens se cobrem de um verde exuberante. Muitos passam a acreditar que ocorreu uma transformação do ambiente porque o feiticeiro vestiu seu manto. Uma falácia causal que a Lógica Formal denomina em Latim de “post hoc ergo propter hoc” (“depois disso, logo causado por isso”). Essa falácia lógica é também denominada de “correlação coincidente”, que consiste na ideia de que dois eventos que ocorram em sequência cronológica estão necessariamente interligados através de uma relação de causa e efeito.
Muitas vezes um fenômeno que sofre mudanças por causas necessárias e suficientes pode até mesmo se transformar quando se acionam apenas as causas necessárias porque, eventualmente, as causas suficientes ocorreram por fatores exógenos. Chega-se, assim, a uma conclusão equivocada sobre as causas da transformação, baseando-se unicamente na ordem dos acontecimentos, sem levar em consideração outros fatores que possam vir a excluir ou a confirmar tal inter-relação ou conexão causal.
Os economistas tendem a trabalhar com modelos abstratos incrustados em suas estruturas mentais visando a elaborar uma versão simplificada de uma situação ou fenômeno complexo da realidade. Em geral, essa versão contém elementos e relações em uma escala suficientemente simples para a análise sistemática dos problemas envolvidos, e suficientemente frutífera e relevante para a compreensão das circunstâncias complexas do fenômeno ou situação.
Os modelos abstratos dos economistas incorporam, cada vez menos, componentes institucionais, históricos e psicossociais da realidade sobre a qual intervêm com suas políticas econômicas. Diminuem, assim, de forma significativa, a sua capacidade de predizer as mudanças que podem ocorrer a partir dos instrumentos que controlam (taxa de juros básica, taxa de câmbio, déficit ou superávit primário); produzem um sistema teoricamente consistente, coeso e exato, o que lhes permite tergiversar sobre a política econômica com otimismo em relação aos resultados esperados.
A atual política econômica baseia-se num modelo de austeridade fiscal, o qual pressupõe que a condição necessária e suficiente para que haja um processo de retomada do crescimento econômico no Brasil é o reordenamento das finanças públicas nos três níveis de Governo. E que esse reordenamento se processará através de ajustes e reformas, algumas das quais já iniciadas com sucesso.
Entretanto, experiências recentes que vêm sendo realizadas com o modelo de austeridade, particularmente em países da União Europeia, mostram que, se o reequilíbrio fiscal é absolutamente indispensável para criar uma expectativa favorável ao crescimento econômico no sentido de favorecer a redução das taxas de juros e abrir espaço para os investimentos privados nos mercados financeiros, esse reequilíbrio não é suficiente. Há motivos para isso.
Em países como o Brasil, onde o aparelho estatal é tão mal gerenciado e ineficiente, onde há uma inquestionável inaptidão das lideranças políticas e a corrupção administrativa estende seus tentáculos nos três níveis de governo, o reordenamento fiscal é um processo muito longo, intermitente, recessivo e desalentador. A prova desse enredo confuso e intrincado é o fato do Governo Federal trabalhar com déficit primário de R$ 170 bilhões e R$ 139 bilhões em 2016 e 2017, respectivamente. Algo absolutamente peculiar para quem defende a austeridade fiscal.
As medidas que foram propostas até agora para a retomada do crescimento econômico, ou não têm a intensidade e a cadência necessárias para dar um empurrão expressivo numa economia que precisa sair do atoleiro depressivo ou somente irão gerar resultados positivos no médio e no longo prazo. Enquanto isso, a taxa de desemprego aberto pode caminhar para 15%, cresce o número de empresas de diferentes escalas produtivas que poderão sair do mercado e aumenta o nível de insatisfação popular com um governo que nasceu sob o signo da esperança.
Assim, não há como esquecer a experiência de gestão da economia brasileira de Campos e Bulhões que souberam, nos anos 1960, integrar com inteligência a elaboração e a implementação de um programa de estabilidade monetária acoplado a reformas macro e microeconômicas em um plano decenal de desenvolvimento. Uma combinação necessária e suficiente para produzir “o milagre econômico” do início dos anos 1970.
É bom lembrar que o galo canta antes do nascer do sol. Mas o sol não nasce porque o galo canta.
(*) (depois disso, logo causado por isso). Cap.12 do Ebook “Economia Ecológica e Economia Integral”, de Paulo Haddad
Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do CIEAM. Editor responsável: Alfredo MR Lopes. [email protected] |
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