Por Wilson Périco (economista e presidente do Cieam – Centro da Indústria do Estado do Amazonas)
Encerra-se 2016, um ano de muitas dificuldades e, ao mesmo tempo, de muita aprendizagem. Um ano em que a Zona Franca de Manaus, bode expiatório da incompetência federal, segue alvo de muitos bombardeios. Entretanto, para quem souber ajustar a lupa, lemos algumas boas notícias, entre elas, os avanços da Universidade do Estado do Amazonas, uma instituição integralmente mantida pelas empresas da Zona Franca de Manaus. Saiu no Diário Oficial: Amazonas e São Paulo se juntam, a partir da UEA, a maior Universidade Multicampi do Brasil, e a USP, Universidade de São Paulo, através de sua Faculdade de Economia e Administração, na celebração do DINTER UEA/USP, um projeto interinstitucional de qualificação docente em nível de doutoramento. Temos que nos curvar em oração e gratidão pela vida e pelas oportunidades de trabalho. Os desafios nos convidam a crescer. É na adversidade que nós crescemos e aprendemos com mais afinco para sobreviver. Um dos desafios, olhando para as ações da UEA, é encarar este gargalo nacional e regional, que é formação urgente de bons gestores. Como viver num país tão agraciado de riquezas naturais e tantas dificuldades para fazer disso a prosperidade geral? A crise recessiva que nos açoita decorre exatamente da má gestão dos bens públicos. A parceria com a USP, os 70 anos da FEA, no caso, deve priorizar e ampliar a percepção dos novos negócios que se impõem, para retirar a economia da dependência quase exclusiva do Polo Industrial de Manaus. São as matrizes econômicas, adotadas pelo poder local, objetos de intensos, variados e eloquentes debates para desenhar os novos caminhos, num momento em que a ONU recomenda um olhar da biodiversidade como fator econômico, a melhor maneira de superar a economia predatória. O adensamento da indústria local, com a inclusão de insumos regionais, os investimentos em inovação, entre outras ações, buscarão recuperar os empregos e oferecer a biodiversidade, associada a tecnologia da comunicação e da informação as saídas de que o Brasil precisa.
Desinformação destrutiva
Temos que fazer o mea-culpa. Demoramos muito a dar a cara pra bater e dizer ao resto do país o que somos e o que fazemos. Uma inverdade dita muitas vezes começa a ganhar foros de verdade. Por isso é urgente esclarecer mais uma referência equivocada à Zona Franca de Manaus, contida num artigo publicado no Estadão, “Ajustes em andamento”, dos economistas Caio Carbone, Marcelo Gazzano, da AC Pastore & Associados. Entendemos e apoiamos ações para decifrar as distorções que levaram o Brasil ao rombo do déficit público. Mas repudiamos a inclusão da economia do Norte como causa deste problema, e não como parte da solução de impasses do Brasil. “A ZFM custa mais que a renda gerada pelos empregos criados”, diz o artigo, com o qual visceralmente discordamos. São múltiplos os acertos desta renúncia. E as empresas que aqui se instalaram – resguardadas pontuais exceções – não iriam para outras unidades da federação. E aqui essas empresas, entre outros benefícios, guardam o patrimônio natural, submetendo-se aos novos paradigmas de produção e sustentabilidade. A matéria do Estadão sugere, indiretamente, que aqui se vive num paraíso fiscal, embora esta planta industrial seja aquela que mais recolhe tributos e benefícios entre as demais plantas. Os acertos da ZFM se dão a partir de 1967, e englobam a proteção da floresta: “integrar para não entregar”, nem ao desmatamento, nem ao narcotráfico. Manter a floresta em pé vale ouro. Nos anos 1950 se implantou a indústria automobilística, também, como renúncia fiscal, historicamente muito mais robusta, numa região em que hoje se concentra mais da metade da riqueza do Brasil. Toda a Amazônia é incentivada com R$ 25 bilhões de renúncia fiscal, segundo o portal da Receita Federal, isso representa 12% das isenções do País, enquanto a Região Sudeste foi responsável, em 2014, por 53% do total da renúncia fiscal da federação. Naquele ano, eram 130 mil empregos diretos em Manaus, 600 mil indiretos e 2,2 milhões ao longo de toda a cadeia produtiva, incluindo distribuição, securitização e assistência técnica dos produtos da ZFM, em todo o país.
Orgulho do dever cumprido
Segundo o portal da Receita Federal, dos 27 entes federativos, apenas 8 devolvem à União mais do que dela recebem. O Amazonas, a rigor, a economia da ZFM, recolhe 3 vezes mais do que recebe. E mais: os incentivos não se esgotam nos empregos que geram, mas cumprem o papel adicional de proteger a biodiversidade, vital para o equilíbrio climático do país e do planeta. Quantos empregos são gerados e quantos recursos daí são arrecadados por uma geração formada pela Universidade do Estado do Amazonas, presente em 62 municípios, e paga integralmente pela ZFM? No total, são R$ 1,4 bilhão/ano para promover a interiorização do desenvolvimento. Portanto, além de resguardar o patrimônio da biodiversidade, já poderíamos – não fosse o confisco federal da riqueza aqui produzida – ter desenvolvido novas matrizes econômicas, que permitiriam a dispensa paulatina da renúncia fiscal. A União confisca 80% dos recursos da Lei de Informática, destinados a pesquisa e desenvolvimento, mais de R$ 6 bilhões nos últimos 10 anos.
Inovação, parceria e bioeconomia
Com a criação do CBA, Centro de Biotecnologia da Amazônia, pago, também, pela indústria, a ZFM construiu um modelo para o desenvolvimento da Amazônia, baseado em conhecimento e inovação tecnológica. Depois de 14 anos, a União autoriza retomar este novo caminho, capaz de brecar a devastação. Poderia gerar muito mais empregos e renda, se estes recursos desenvolvessem, segundo o cientista Carlos Nobre, cem produtos da biodiversidade econômica, capazes de gerar, em dez anos, uma economia cinco vezes maior do que o atual agronegócio, responsável por 70% das emissões de carbono do Brasil. “Isso colocaria o Brasil na linha de frente das pesquisas com temas como o biomimetismo, que é o desenvolvimento de tecnologias aplicáveis inspirada no funcionamento dos sistemas da natureza, além do uso da biodiversidade para desenvolvimento de produtos, como alimentos, fármacos e cosméticos. Além disso, seria uma contribuição real do Brasil para a estabilização da questão climática em menos de 2ºC, estabelecido no Acordo do Clima de Paris”, diz o único brasileiro convidado pelo governo americano para integrar a Academia Americana de Ciências. Trata-se de mais um passo no enfrentamento deste desafio de mobilizar olhares da Amazônia e sobre a Amazônia para pensar o Brasil de outro jeito, formular parâmetros de governança qualificada que aproveitem experiências, saberes e fazeres de integração entre academia, economia e brasilidade num novo patamar: a construção do futuro, integrado, sustentável, amazônico, nacional, continental, na interação com um planeta atrás de novas saídas. Que 2017 nos aguarde! Juntos, fraternos e focados num só objetivo, somos e seremos cada vez mais fortes. Que as luzes do Natal de Deus-Menino iluminem nossos destinos e que a simplicidade da manjedoura, o desprendimento participativo de José, à dedicação de Maria nos sirvam de paradigma para seguir na luta por este Estado que – de tão nosso e pródigo de oportunidades – seja um padrão de desenvolvimento, prosperidade e sustentabilidade a serviço da região amazônica e do Brasil.
Esta coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do Cieam – Editor responsável: Alfredo M Lopes ([email protected])
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