Encerramos hoje a série de reflexões e demonstrações das métricas sobre a contribuição do modelo Zona Franca de Manaus para a proteção da floresta, o clima, a conservação da biodiversidade e tudo o que isso significa para o presente e futuro do Brasil, das respostas que a Humanidade busca em termos de energia, alimentos, fármacos e cosméticos, entre outras demandas vitais. Trata-se de uma meditação importante para argumentar a equação que justifica o uso da renúncia fiscal como instrumento de redução das desigualdades regionais – como prescreve a Constituição do Brasil – e, sua eficácia para o zelo do patrimônio genético. Essas reflexões foram sistematizadas pelo economista Denis Minev e buscaram mostrar, primeiramente aos nativos, e também a opinião pública nacional, a importância da economia aqui construída baseada em incentivos fiscais. Por isso, retomamos o papel da floresta, que aqui tem uma preservação de mais de 95% da cobertura vegetal original, na umidificação do clima no Continente e como ela se relacionou com a crise hídrica vivida pelo país em 2014 e 2015, provocando sérios riscos ambientais à estratégia energética nacional. Estas crises hídricas coincidiram com grandes enchentes em Rondônia e Acre, o que obriga a entender eventuais alterações no ciclo de “rios voadores”, fenômeno que descreve a evapotranspiração dos rios e sua condução para abastecimento hídrico de outras regiões. Quais as circunstâncias que explicam o fato desse suporte hídrico não chegar ao Sudeste? E quais os prejuízos que o Brasil padeceu com essa crise de abastecimento natural dos rios atingidos? A estratégia energética nacional tem grande dependência das hidrelétricas, com até 90% da produção nacional advindo delas. O custo médio da energia gerada por hidrelétricas é baixo, cerca de R$ 100 por MWh. Este valor contrasta com o custo médio de produção de termelétricas de R$ 500 por MWh. E estas alternativas são apenas ativadas quando há déficit de energia a partir de formas mais baratas. Pois bem. A questão relacionada aos efeitos da cobertura vegetal da Amazônia sobre as chuvas no restante do país, alguns cientistas argumentam que existe um “ponto de virada” a partir do qual as perdas são mais que proporcionais; outros argumentam que há fatores compensatórios a partir do aquecimento global (como mais umidade a partir dos pólos). Por outro lado, menor cobertura vegetal tende a tornar os períodos de chuva e seca mais intensos, o que pode tornar a dependência de hidrelétricas menos segura. Chuvas excessivas em determinada época do ano podem exceder a capacidade de produção, enquanto que quedas em outros períodos do ano podem não ser compensadas por reservatórios de hidrelétricas.
Aritmética do clima
Dada a complexidade do tema, é importante um experimento mental para aferir o problema. Vamos considerar como premissa que uma redução da cobertura vegetal da Amazônia em 1% reduz o fluxo de chuvas dos rios voadores em 1%; com isso a produção nacional com hidrelétricas cai em 1%. Sendo assim, o uso das termelétricas aumentaria proporcionalmente, aumentando o custo para o consumidor nacional. O Amazonas responde por 37% da cobertura vegetal remanescente na Amazônia; se a taxa de desmatamento estadual aumentar 0,17% (de 0,03% para 0,20% ao ano, conforme já argumentado anteriormente se não houvesse A ZFM), isso aumentaria o desmatamento anual na Amazônia como um todo em 0,063%. O custo médio de energia nacional aumentaria R$ 0,25 por MWh. Considerando que o consumo nacional anual de cerca de 500 milhões de MWh, o consumidor brasileiro pagaria R$ 127 milhões ao ano para sempre devido ao desmatamento adicional de apenas um ano no Amazonas. Com juros reais de 6% ao ano, o valor presente do custo do desmatamento de um ano no Amazonas seria de R$ 2,1 bilhões. Se considerarmos os benefícios de ter evitado cerca de 15% de desmatamento (o Amazonas tem 2% de desmatamento histórico, versus 17% da Amazônia como um todo), a economia é de R$ 22,3 por MWh, ou R$ 11,1 bilhões ao ano. Este volume de recursos não é contabilizado em favor do Amazonas, mesmo excedendo quaisquer contas que se possa cobrar da renúncia fiscal que a ZFM possa gerar ao Brasil. O desafio, ou o dever de casa, para cada empresa, no frigir das insinuações de privilégios fiscais, é demonstrar as métricas de benefícios ambientais que cada empreendimento representa para o meio ambiente, o país e o planeta.
Distorções energéticas
No mês passado, na contramão destes argumentos, e confirmando o divórcio entre burocracia e realidade, a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) penalizou o Estado com a redução nos níveis tarifários obtidos na próxima revisão, prevista para 2017. A justificativa foi que a concessionária Eletrobrás Amazonas Energia não conseguiu atingir a meta de 28,8 mil novas ligações no Estado, dentro do programa Luz Para Todos, entre os anos de 2013 e 2014. Na prática, o efeito da penalidade poderá ser sentido no bolso do consumidor no próximo ano, já que a revisão tarifária também pode ser considerada um dos mecanismos de definição do valor pago pela energia elétrica. É mais um dano ao Estado, que se soma aos aumentos abusivos das tarifas de energia para as famílias e empresas. A equação oficial é vesga e conta com a concordância da classe política para esclarecer e corrigir este equívoco. Diz a Agência, que “a tarifa visa assegurar aos prestadores dos serviços receita suficiente para cobrir custos operacionais eficientes e remunerar investimentos necessários para expandir a capacidade e garantir o atendimento com qualidade”. Olhando para a qualidade dos serviços recebidos e do descaso com a contribuição do Amazonas com o equilíbrio do clima e da oferta de energia, as tarifas são abusivas e o poder público omisso na defesa dos interessa locais. Por isso, a integração do Amazonas ao Sistema Elétrico Nacional não passa de uma grande balela. Com a conclusão da interligação do Linhão de Tucuruí, o Sistema Elétrico de Manaus e parte da Região Metropolitana foram oficialmente integrados ao SIN em 1º de maio de 2015, através do despacho de nº 1.365 da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que diz: “Com a conclusão das obras elencadas no art. 2° da Resolução Normativa n° 586, de 19 de novembro de 2013, configura a plena interligação do sistema Manaus ao SIN”. Fazendo parte do SIN, o Amazonas passas a ter o ônus e a reduzir o bônus de sua colaboração climática para a energia do Brasil. Menos benefícios e mais encargos em relação aos demais consumidores de energia elétrica no País. Entre eles, basta observar a nova forma de tarifação que sinaliza ao consumidor o custo da geração em base mensal. Em suma: relembrando o teor do Documento do TCU, publicado neste espaço na semana passada, e que reafirma o distanciamento, a desarticulação e os danos federais com a região e com o Estado, a hora é de parar para gritar: basta! E planejar o caminho a seguir.
Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do CIEAM. Editor responsável: Alfredo MR Lopes. [email protected]
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